BEM-VINDOS A ESTE ESPAÇO

Bem-Vindos a este espaço onde a temática é variada, onde a imaginação borbulha entre o escárnio e mal dizer e o politicamente correcto. Uma verdadeira sopa de letras de A a Z num país sem futuro, pobre, paupérrimo, ... de ideias, de políticas, de educação, valores e de princípios. Um país cada vez mais adiado, um país "socretino" que tem o seu centro geodésico no ministério da educação, no cimo do qual, temos um marco trignométrico que confundindo as coordenadas geodésicas de Portugal, pensa-se o centro do mundo e a salvação da pátria.
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

RIO CUANZA, O ELO ENTRE O SUL E O NORTE, ENTRE O PASSADO E O FUTURO (I)

1 - História
É o rio mais mítico de Angola. Os seus 200 km finais são navegáveis o que permitiu que os portugueses do século 16 pudessem embrenhar-se, um pouco, pelos sertões. Onde o rio perde a sua “horizontalidade” e começam as quedas e corredeiras, a 190 km da foz, para montante, foi fundado o Dondo, primeira cidade interiorana de Angola e, talvez, a segunda em África de raiz europeia. A primeira foi em Cabo Verde: Ribeira Brava na ilha de Santiago.
Durante mais de 3 séculos a autoridade portuguesa circunscreveu-se à área entre os rios Dande e Cuanza, cerca de 20 000 km². Tanto ao norte como ao sul viviam povos aguerridos-ao norte os Dembos, ao sul os Quiçamas- que se opunham à soberania portuguesa. O rio Cuanza foi o grande sustentáculo de Luanda e foi o primeiro e grande vector de ocupação.
Nas suas margens foram construídas 3 fortalezas-presídios:Muxima, Massangano e Cambambe. A igreja na Muxima gerou um forte pendor religioso entre os africanos. A padroeira Nossa Senhora da Conceição da Muxima foi entronizada no século 17. A palavra Muxima significa coração e era o nome de um soba. O culto desta imagem chegou até aos nossos dias, mesmo contra a “má vontade” marxista que predominou de 1975 até cerca de 1990.
Se Muxima diz respeito à alta “angolíada”, Massangano relaciona-se com a alta “lusíada”. Na verdade, quando a Holanda em 1641 se apossou de Luanda e Benguela os portugueses não se renderam e refugiaram-se na fortaleza de Massangano. Ali passaram agruras inimagináveis até serem resgatados em 1648 por Salvador Correia de Sá que veio expressamente do Brasil reapossar-se das feitorias de Luanda e Benguela.
A barra do Cuanza foi cartografada por Paulo Dias de Novais em 1560.As margens do rio Cuanza, entre Dondo e a Barra (foz), são fertéis. Água abundante, muitas lagoas de enchente.Já naquele tempo(século16) se cultivavam géneros alimentícios e abundavam os gados bovino e caprino. A resistência aos holandeses em Massangano apoiou-se, militarmente, na posição privilegiada no rio Cuanza, um pouco antes da foz do afluente Lucala.
Sob o aspecto logístico, ou seja referente a provisões, as terras marginais são úberes e estavam ocupadas por milhares de africanos laboriosos e “de bom entendimento”com os portugueses. A água do Cuanza é potável e de bom paladar, em razão do seu substrato rochoso que origina águas com um ph próximo de 7 (ligeiramente ácida). Mesmo assim é justo admitir que não foi fácil a resistência em Massangano , durante 7 anos. O clima e as doenças eram factores fortemente negativos para a presença europeia. A impossibilidade de contactar com a Europa foi outro factor debilitante. Mas o clima desfavorável dizimou, em numero próprio de tempo de peste, os holandeses, menos adaptados aos rigores da região.
Segundo António de Oliveira Cadornega um conceituado cronista de século 17(1), citado por Ilídio do Amaral (2) «Cuanza rio mui caudaloso e que todo o ano se navegava até à fortaleza de Cambambe, que estava no fim dele, não que àquela data se soubesse ter fim, mas porque daí para cima não se podia passar por respeito de grande caída de água a qual era tão grande que do fumo e vapor que de lá se lançava para o ar se formava uma espessa nuvem de neblina a qual, tornando a descer sendo a água mui excelente...». O autor refere-se às quedas de Cambambe de que nos ocuparemos adiante.
Refira-se que o próprio cronista Oliveira Cadornega viveu as agruras de Massangano durante a ocupação holandesa.
Nos 200 km finais recebe o rio Cuanza, na margem direita, dois afluentes: o Mucoso, a jusante do Dondo, e o Lucala um pouco mais adiante. O rio Lucala é o maior afluente do Cuanza: nasce próximo do Negage, tem 24 085 km2 de área de bacia hidrográfica e um estirão de 430 km.
Cedo os portugueses se aperceberam da grandeza do rio Cuanza e do seu aproveitamento para a penetração do interior. Mal sabiam eles que, percorridos cerca de 200 km, se lhes depararia um leito inexpugnável, verdadeira muralha de rocha e de água. Era totalmente impossível demandar o interior através do rio. Foi nestes alvores que começou a lenda da prata de Cambambe. O dinheiro que circulava na Europa era de prata, um motivo de extrema cobiça entre todos. A bacia hidrográfica do Cuanza é quase toda apoiada no granito. Esta rocha acumula muita água, através das fissuras. Quando chove, durante muitos dias, a rocha nua fica impregnada de água dando-lhe um

Fig 1 – As diversas nações angolanas, inseridas na bacia do Cuanza, no princípio do século 20 antes da chegada dos primeiros colonos. A colonização europeia esbateu as fronteiras destas nações, intensificou-se uma interpenetração fomentada pela língua portuguesa, pelas ferrovias e pelos automóveis. As guerras civis a partir de 1975, a seguir à independência, obrigaram as populações a refugiarem-se nas cidades, servindo a língua portuguesa como cimento da jovem nação. Embora se não devam perder os valores históricos e sentimentais destas nações, mas Angola já emergiu como nação una e orgulhosa. Fonte: José Redinha, Distribuição Etnica da Província de Angola 3ª edição1965. Centro de Informação e Turismo de Angola


aspecto metálico quando os raios solares incidem sobre ela. Recordamos que a “saída” inopinada do Sol, após as chuvas, é vulgar nos trópicos. Talvez este fenómeno tenha contribuido para a lenda da prata, “que brilha em todas as direcções e vê-se de muito longe”.
Ainda Cadornega, citado por Amaral (1 e 2)podiam subir o rio« pataxos de coberta e alto bordo e naus possantes em tempo de inundações desde que tivessem pilotos de uma casta de gentio, conhecidos por nambios que viviam no morro sobre a barra». Seriam o que se denomina hoje por “pilotos da barra” vulgares em todos os portos marítimos.


Fig 2 – Bacia hidrográfica do rio Cuanza. É o unico rio que, nascendo ao sul, “caminha” para norte. Nasce no Mumbué(Bié), banha as províncias de Bié, Cuanza-Sul, Malanje e Bengo. Desagua ao sul de Luanda. Durante as chuvas arrasta muito caudal sólido (sedimentos) originado pelas intensas erosões em solos agrícolas, ou em solos muito erodíveis mesmo sem tratos agrícolas. Os seus sedimentos, quando entram no mar, são arrastados pela Corrente Fria de Benguela originando a ilha do Mussulo e a ilha de Luanda.



Luanda vivia, exclusivamente, dos produtos que vinham rio abaixo. A cidade possuia poucos poços rasos (denominados cacimbas ou maiangas) de fracos rendimentos e água um tanto salobra. No bairro da Maianga existia um poço que lhe deu o nome. Em resumo a cidade era árida, recebia muita água de fora, dos rios Bengo e Cuanza. As chuvas em Luanda são escassas e mal distribuídas.
Afora as trocas quotidianas de comércio entre os naturais e os portugueses, é lamentável dizê-lo, o principal produto de “exportação” era o dos escravos. Era um trágico marasmo, mesmo admitindo a breve presença holandesa (1641 a 1649) que se estabeleceu em Angola a fim de aproveitar, também, “o manancial” escravista. Os holandeses nunca trouxeram propósitos libertários e nada acrescentaram à economia angolana. Eles também queriam escravos.



Fig 3 – Fortaleza de Massangano situada na margem direita do rio Cuanza. “Aqui se retempera a Alta-Lusíada” escreveu um jornalista angolano. Era o monumento mais marcante da história portuguesa em África.

Mas em 1764 há uma mudança brusca com a chegada de um novo governador geral. Em Junho desembarca o Capitão Geral de Angola Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho a mando do Marquês de Pombal “primeiro-ministro” em Portugal. Sousa Coutinho era da família dos Condes de Redondo, trineto de Fernão de Sousa. Redondo é um concelho próximo de Évora. A cidade de Sumbe, cujo nome antigo era Novo Redondo, foi fundada por Sousa Coutinho e daí o nome em homenagem ao seu fundador.
Inocêncio de Sousa Coutinho, conhecido como o “Pombal de Angola” começou, de imediato, os seus objectivos dos quais citamos:
Ocupação sistemática da costa entre os paralelos 14º e 18º Sul, com reconhecimento do Cabo Negro. Só existia ocupação até à latitude de Lucira (14º 30´Sul), ao norte de Moçâmedes. A nova costa, pretendida por Sousa Coutinho, diz respeito à célebre Costa dos Esqueletos e abrangia uma faixa que ultrapassava a foz do rio Cunene, faixa que hoje pertence à Namíbia, perdida porque os portugueses não tiveram meios e gente para tão grande e exaustiva tarefa de ocupação. Já se tinha conhecimento da foz do rio Cunene, através dos relatos (1678) de um frade capuchinho (Cavazzi) que viveu em Angola.
Colocação de colonos nos planaltos de Bié e Huíla, provenientes de Açores, Madeira e Brasil. Nada se conseguiu porque as doenças dizimaram os poucos colonos que para lá foram.
Expropriação das terras incultas. É interessante como, naquele tempo, já havia voracidade por terras devolutas, para posterior especulação. O jeito de “chico esperto concessionário”, pelos vistos, remonta ao século 18.
Diminuição da exportação de escravos e melhoria nas condições de transporte. Foi o único Governador a proibir a guerra do Cuata-Cuata ( Agarra-Agarra), mas infelizmente, mal ele virou costas, recrudesceu com mais ferocidade. A guerra do Cuata-Cuata era feita pelos caçadores de escravos que mandavam os seus sequazes agarrar tudo quanto fosse possível de escravizar. Um facto que eu achei sempre hilariante passava-se com os cães gentios que desatavam a correr quando se gritava cuata. Será que a carga genética deles já estava carregada com esta terrível palavra ?
Incentivos à imigração estrangeira para substituir as levas de degredados que não cessavam de chegar.
Criação de uma agricultura auto-suficiente. Devido à ausência de vitaminas, presentes nos vegetais e frutas frescas, em Luanda morria-se com escorbuto. É a doença das pessoas que não comem verduras ou frutas, típica dos embarcados nas caravelas, embora fosse possível cultivar todos os géneros alimentícios nos rios relativamente próximos da cidade (Cuanza e Bengo).
Como complemento, estabelecimento de grandes armazéns de víveres para eliminar os ciclos de fome que atingiam a capital, um ancestral dos Armazéns do Povo após a independência, e das grandes superficies actuais.
Desenvolvimento industrial local com extracção de enxofre ( Benguela) cobre, sal e salitre e, talvez prata e ouro, que nunca apareceram.
Melhoria dos acessos às feiras existentes e criação das novas feiras Galo, Bimbe, Calandula (onde se situam as famosas Quedas do Duque de Bragança ) e Encoje.
Construção do hospital de Luanda, edifício da Alfandega, Terreiro Público e fortaleza de Benguela.
Criação das fábricas de cordoaria. Estabelecimento do presídio de Novo Redondo que daria origem à cidade de Novo Redondo ( hoje Sumbe), capital da província do Cuanza Sul, célebre por ter sido a cidade no Mundo onde durou mais tempo o eclipse do Sol, em Junho de 2001. O nome Redondo, que me intrigou durante décadas, é uma homenagem ao governador Sousa Coutinho que era o Conde de Redondo, no Alentejo, como já foi afirmado.
Criação da manufactura de carnes secas, couros e sabões.
E , finalmente, o empreendimento que marcou o seu governadorado: a criação da fundição de Nova Oeiras, na confluência do rio Luinha com o rio Lucala ( 5 km a leste de Cassoalala) . Chegou a ser extraído ferro, e exportado para a Metrópole, com grande sucesso. Chegaram a trabalhar nas minas 400 africanos “livres e sem constrangimento” segundo o dizer de Sousa Coutinho.
Um dos muitos méritos de Sousa Coutinho foi o de ter acreditado na potencialidade dos africanos, tendo escrito(3): « Sempre os negros trabalharão o ferro das minas de Nova Oeiras e dos muitos outros lugares do mesmo reino em que as há, e jámais comprarão algum ferro da Europa para as suas obras e serviços; e têm tal propensão estes povos para aquele trabalho que sobre os muitos fundidores ferreiros que conservam nas suas libatas ou povoações têm uma grande veneração pelo seu primeiro rei porque foi ferreiro, e finalmente toda aquela vastíssima região se serve do seu ferro, e jámais comprou algum aos nossos europeus».
Para esta fundição, um embrião de uma futura siderurgia, se continuada,vieram para Angola 4 mestres de fundição, oriundos da Biscaia mas vindos do Brasil. Tiveram fins prematuros: um ano depois da chegada tinham falecido todos. Chegaram em 3 de Novembro de 1768, a 6 de Dezembro morre José de Retolaça, devido a exageros alimentares segundo o laudo mortuário, a 8 morre Francisco Zuloaga e a 29 Francisco de Chinique o chefe dos mestres. O ultimo, José Echevarria morreu um ano depois.
Sobre a inesperada morte dos mestres de fundição Sousa Coutinho escreveu, desconsolado(3):«Vieram mestres da Bahia, desembarcaram em Benguela, foram à caça, molharam-se, quando tornaram ao navio já vinham doentes, de sorte que, desembarcando na capital quase mortos, acabaram poucas horas depois».
Mas apesar destes infortúnios a fundição prosperou, conseguiu-se transferir “know-how” europeu para os africanos. Quando Sousa Coutinho regressou a Portugal em 1772 a fundição era um sucesso.
Dignos de menção, porque em pleno século 20 ainda o Governo de Lisboa tinha aversão a tudo o que fosse instrução ou cultura em Angola, são também os cursos, que ele criou, a Escola de Ensino Tecnico e a Aula de Geometria e Fortificação, além de ter mandado desenhar o primeiro mapa de Angola.
É quase desnecessário consignar aqui que Nova Oeiras, o revolucionário empreeendimento de Inocêncio de Sousa Coutinho, foi liminarmente abandonado, e intencionalmente esquecido.
Depois da sua partida para Portugal, em Novembro de 1772, após 8 anos fecundos e únicos na governação de Angola, é fácil adivinhar o que sucedeu: o novo Governador António de Lencastre ignorou toda a obra de Sousa Coutinho. Lencastre ficou para a história por dois motivos. O primeiro por ter feito uma premonição para os tempos que se lhe seguiram: “ as coisas de Angola por si se entortam e por si se endireitam”. O segundo motivo foi o de trazer consigo a mulher, muito branca, com a cara coberta de pó de arroz, e vestida com saias rodadas, largas, sumptuosas, que deixaram os luandenses asssarapantados. Foi, talvez, a primeira mulher aristocrática que viveu em África. Em 21 de Setembro de 1954 foi criado um liceu feminino em Luanda que, sintomaticamente, recebeu o seu nome: D.Guiomar de Lencastre.
A fundição de Nova Oeiras, como era chamada, uma homenagem ao primeiro ministro de Portugal Conde de Oeiras depois Marquês de Pombal, acabou por se transformar num local turístico e que desperta nostalgia a todos os angolanos estudiosos e desejosos de verem a sua terra com o progresso que ela, com tantas tragédias e abandonos, merece. A fundição foi a primeira em África,à frente de quase todos os países europeus. Ainda existem canhões fundidos naquele tempo.
Vale realçar que o governadorado de Sousa Coutinho (8 anos) foi o mais longo entre as centenas de governadores que por lá passaram, o que não deixa de ser espantoso e demonstra a verdadeira vontade em fazer progredir Angola. Só voltaria a haver um governadorado de igual duração em 1947/55 com Silva Carvalho de alcunha “ o Caricoco” por fumar,ininterruptamente, cigarros daquela marca.
A cerca de 150 km do Dondo entramos no reino da célebre Rainha Ginga cuja corte estava instalada nas Pedras Negras de Pungo Andongo, imensas massas rochosas designadas em geografia como inselbergs (montes-ilhas). Este tipo de relevo residual é muito comum em Angola, especialmente na zona de transição orográfica, antes dos extensos planaltos interiores.
Pungo Andongo situa-se na margem direita do Cuanza a 10 km de distância do rio. O conjunto de blocos de rocha (monadnocks), de aspecto imponente, ocupa uma área de 50 km².
A primeira ponte sobre o Cuanza foi a da ferrovia que liga o Lobito com a fronteira leste, na actual República Popular do Congo. A ponte metálica veio toda desmontada da Inglaterra e foi inaugurada em 1926. A estação ferroviária, situada no km 725, deu origem ao Posto do Alto-Cuanza.
A segunda ponte sobre o Cuanza, ligando o norte com o sul, foi construída em 1929 pelo Alto-Comissário Filomeno da Câmara. Foi, inegavelmente, um acontecimento importante, porque foi a primeira ligação, por estrada, entre o sul e o norte.
A terceira ponte era para ligação entre Silva Porto e Malanje, através de Andulo, Calucinga e Mussende,próxima do posto de Cangandala. Dada a sua extensão, em arcos multiplos, era o orgulho do governo, chegou a constar nas notas do dinheiro angolano (100 escudos em 1956). É, realmente, uma bonita ponte, em arcos, imitando as lendárias pontes romanas que ainda hoje existem um pouco por toda a Europa.
Como era de regra foi-lhe dado o nome de ponte Salazar inaugurada, festivamente, em 1952. Projectada e construida totalmente em Angola era, também, o orgulho dos angolanos.Durante a sua construção verificaram-se vários acidentes; o povo ligou-os com a má vontade de uma sereia do rio (kituta) que estava aborrecida por ter sido violentada sem qualquer compensação. Num domingo fez-se uma luzida cerimónia popular de entrega de vários quitutes e garrafas de vinho do Porto ao rio, acompanhados de milhares de flores. Segundo o folclore foi remédio santo.




Fig 4 – Nota de 100 escudos angolanos onde constava a Ponte Salazar ou Ponte de Cangandala. Esta ponte era um orgulho porque foi integralmente projectada e construida por angolanos. Infelizmente não foi um motor de desenvolvimento. Como se afirmou, a estrada Malanje/Silva Porto não foi asfaltada. A ponte ficou “pendurada” durante 20 anos, praticamente sem trânsito.

Infelizmente só foi estendido o asfalto ligando Malanje com Silva Porto em 1972.Para os malanjinos ficou sendo a ponte do “lá vem um”; para os bienos ficou sendo “uma ponte longe de mais”.
Um eixo asfaltado

S.Salvador/Uige/Negage/Camabatela/ Quiculungo/

Duque de Bragança/Malanje/Mussende/Calucinga/Andulo/

Cuito/Cachingues/Chitembo/Menongue/Mavinga e Dirico

teria provocado um incremento brutal no interior de Angola. Estou a citar isto, em jeito de sonho, em homenagem ao meu pai que ficava idealizando estes empreendimentos. Fartou-se de sugerir isto ao governador geral Silva Carvalho. Esta ligação longitudinal, a 400 km do mar, designar-se-ia hoje por eixo meridiano central. Teria originado um colossal desenvolvimento interiorano.
A quarta ponte foi construida um pouco acima da albufeira da barragem da Cambambe e proporcionava a ligação com Nova Lisboa (Huambo) através da estrada asfaltada, infelizmente só concretizada na década de 60. Desenvolve-se em arcos de betão pré-esforçado, apresentando vãos de grande comprimento.
A quinta ponte foi construida próximo da Barra do Cuanza e fazia a ligação, ao longo do litoral, entre Luanda e o sul de Angola. É a primeira ponte pênsil no país. Foi projectada pelo “pai das pontes” o engenheiro Edgar Cardoso que pôs nela toda a sua sabedoria e amizade que nutria por Angola.
Como já foi afirmado, só nos primeiros 200 km, a partir da Barra, é que o rio oferece uma certa navegabilidade, apesar de existirem alguns “pegos” ou vórtices que ofereciam algum risco para os barcos. É por isso que se recorria aos pilotos do Cuanza, experientes e conhecedores de todas as armadilhas que o rio possuia, apesar de ser um trecho final muito manso em comparação com os trajectos de montante.
As crónicas antigas salientam a abundância de “lagartos” denominados de jacarés e “corcodilos”. Na verdade o rio Cuanza era pletórico de crocodilos da mesma família dos do rio Nilo. Também abundavam hipopótamos, muito territoriais e perigosíssimos. Eram numerosas as vítimas destes mamíferos temperamentais. Em pleno século 20 ainda eram abundantes estas duas espécies.
Um “peixe” muito apontado por Cadornega (3) era o “peixe mulher” conhecido na língua ambundo por ngulu que foi aportuguesado para angulo. A designação científica é “Manatus senegalensis”. Era um mamífero talvez da mesma família do peixe-boi do rio Amazonas. A carne semelhante à de porco, deu aso a que fosse caçado exaustivamente, um passaporte para a sua extinção.

2 – Geomorfologia

Geomorfologicamente Angola tem o feitio de um prato de sopa virado do avesso: uma extensa área plana, um plateau que cai para todos os lados, originando cinco direcções de escoamento das águas das chuvas:



Fig 5 – Hipsometria de Angola onde avulta o Planalto Central, verdadeiro “Castelo de Águas”. Huambo e Cuito beneficiam de chuvas abundantes ( 1350 mm anuais). Os solos são de constituição arenosa originando pujantes lençois freáticos (subterrâneos) e, por isso os rios são perenes (têm água todo o ano). Além disso as águas superficiais são abundantes, originando cheias com valores máximos em Dezembro e Março. Tudo isto leva a que sobre esta “mãe de água” devem incidir redobrados cuidados ambientais. O meu pai dizia que” urinando no rio quem vai sofrer são os luandenses”. Os nossos receios prendem-se com os apetites exteriores que argumentam que “Angola pode suprir o mundo com biocombustíveis”.Este nó hidrográfico não pode receber industrias de chaminés ou descargas e não pode albergar uma agricultura de grandes áreas, mecanizada e quimicamente fertilizada, ou seja uma agricultura mineradora. Uma tal agricultura envenenará,fatalmente, os lençois freáticos que são muito sensíveis pois são quase todos intercomunicáveis.

para Oeste, isto é, para o Oceano Atlântico (bacias costeiras), onde está incluído o rio Cuanza;
para o Norte, em direcção ao rio Congo;
para Leste engrossando as águas do rio Zambeze, com destino ao Oceano Indico;
para o Sul alimentando o lago Etocha, em drenagem endorreica (que não sai para o mar);
E, também, para o Sul formando o famoso Delta do Okavango, também de drenagem endorreica.


Fig 6 – Isoietas anuais da Bacia do Cuanza. Isoietas são linhas que unem pontos com igual precipitação (chuvas). A bacia está quase toda inserida na isoieta de 1200 mm anuais, o que sobra pertence à isoieta de 1400 mm; um ano seco nunca tem chuvas inferiores a 900 mm. O Cuanza é um rio forte e confiável.
Fonte: Castanheira Diniz.Angola o Meio Físico e Potencialidades Agrárias.Instituto para a Cooperação Económica. Lisboa 1991.

RIO CUANZA, O ELO ENTRE O SUL E O NORTE, ENTRE O PASSADO E O FUTURO (II)

A área total da bacia hidrográfica é de 152 570 km2(rio Tamisa 12 935 km2 , rioTejo 79 800 km2 ). Em grande parte da sua bacia, excepto no Baixo Cuanza, chove abundantemente, em torno de 1 200 mm anuais. Em um ano seco a chuva anual nunca desce abaixo de 900 mm.É um rio onde se não conhece nenhum ano de seca. A maioria dos solos é de constituição arenosa resultando uma grande infiltração de águas e um consequente nível freático muito alto. É uma bacia bem servida de águas superficiais e de águas subterrâneas. É, incontestávelmente, a “mãe de água” de Angola. Os seus afluentes na margem direita são o Lucala (o maior), Mucoso, Lombe, Cuíje, Cuque, Luando, Cuíva, Cuíme e Chimbamdiango. Na margem esquerda o Gango, Cutato, Cunhinga, Lúbia, Cunje e Cuquema.
Vamos “subir” o rio através do seu perfil longitudinal (figs 9 e 10) O trecho entre a Barra e Cambambe é, em termos fluviais, “plano”, porque o rio “sobe” 50m em 200 km, com um declive de 0,00025 ou seja tem uma inclinação de 25 cm por quilómetro. Isto conferiu-lhe, como já vimos atrás, a facilidade de navegação, embora de pequeno porte.
Em Cambambe começam as dificuldades: aparecem uns rápidos prenunciando um perfil muito inclinado. É o início da escarpa Atlântica bem característica da geomorfologia angolana.Da altitude de 50 m, onde se situa a barragem de Cambambe, passa-se para a altitude de 850 m em escassos 150 km. Nesta cota situa-se a barragem de Capanda. É o Médio Cuanza, trecho “de ouro”em termos de geração de energia electrica, porque o rio é extraordinariamente declivoso e já tem quase todo o seu caudal, só estão excluidos os rios Mucoso e Lucala..
Um ponto notável do rio é o Salto de Cavalo assim chamado porque o folclore dizia que o rio podia ser transposto pelo salto de um cavalo. Na verdade não é bem assim.
A cerca de 100 km de Capanda, para montante, deparamos com a ultima ruptura de declive: as cachoeiras do Condo mais conhecidas por Porto Condo, talvez porque a navegação interior, de outra eras, encontrava o primeiro aviso de que “não há mais navegabilidade”, “quem quiser seguir de canoa vai-se rebentar lá em baixo”. As canoas terminavam ali as suas viagens.Muito próximo, e a jusante, está a ponte de Cangandala, já aqui referida.
Depois de Porto Condo, sempre para montante, o Cuanza torna-se manso, com pouco declive, algumas corredeiras e extensas áreas inundadas ou encharcadas. É ao contrário das leis naturais que regem os rios. O normal é os rios serem torrenciais nas nascentes e tornarem-se mais tranquilos à medida que caminham para jusante ( para a foz).
Transpostos mais cerca de 75 km, para montante, o rio Cuanza recebe um grande afluente o Luando, na margem direita. O rio foi cartografado pelos expedicionários portugueses Capelo e Ivens em 1878. Eles passaram no trecho próximo da sua foz no rio Cuanza. Neste trecho o Luando apresenta as únicas corredeiras. Tinha 40 m de largura e uma grande velocidade provocada pelas corredeiras e quedas. Era incrível a quantidade de peixe em todo o leito, especialmente nas cachoeiras em que quase se apanhavam à mão. Para montante o Luando é “plano” ocupando grandes áreas lagunadas. Mas nas nascentes apresenta uma monumental queda de água, muito semelhante às de Calandula (Duque de Bragança) no rio Lucala.
Capelo e Ivens escreveram que ali, na bacia do Luando, todos os sobas eram independentes e arrogavam-se que «...eram os maiores, os brancos tinham que pagar tributos para a passagem». Medo era o que eles mais encontravam nas pessoas das terras que atravessavam.
Em Angola, em fins do século 19, ainda perdurava o terror inspirado pela escravatura.É elucidativo o relato dos dois viajantes(41): « É notável a desconfiança que inspira em quase todos os pontos de África o aparecimento de um europeu ou mesmo de um africano mestiço. A sua repentina chegada junto de uma sanzala tem quase sempre a consequência inevitável de retirarem-se os habitantes para dentro das casas, não escapando os próprios animais domésticos, como porcos e cães, que mais de uma vez vimos correr diante de nós espantados, como o poderiam fazer à aproximação de uma fera. Indubitavelmente, a razão deste facto deriva das tristes cenas de que foi teatro o sertão africano, e presenciadas por gerações inteiras, durante a caça aos escravos, que terminava pela condução de grandes comitivas de desgraçados para as duas costas. O terror e o pânico produzidos por esta luta espalhou-se entre os pretos, excitados com as narrações das cenas de requintada crueldade, junto ao receio de que os brancos pretendessem escravizá-los, obrigando-os a trabalhos em terras onde a vida é curta. Esta história, transmitida de pais a filhos e de filhos a netos, alterada de diversas formas, como é tendência natural do indígena, e a demonstração clara da prática mais frequente nesta ou naquela terra foram principalmente os elementos construtivos das terríveis ideias que o preto faz de nós, incutindo-lhe desde os mais tenros anos ódio pelo branco, e fazendo-o fugir à aproximação deste, só o trabalho de muitos anos e os esforços constantes dos exploradores e missionários metodistas, no sentido de suprimir o infernal tráfico, poderão tirar completo partido de tal circunstância. Em verdade, já é tempo de acabar com a misérrima sorte desses milhões de indivíduos, que vivem no continente africano, no meio da mais abjecta desorganização social e na maior dissolução de costumes».
Livingstone, um misssionário inglês que passou por Angola em 1855 já tinha escrito : «A vista de um branco enche-os de terror. Quando eu atravesso um povoado os cães amedrontam-se, e metem o rabo entre as pernas, como se vissem um leão. As mulheres escondem-se atrás de cercados e olham furtivamente por qualquer fresta até ao momento em que me aproximo em que fogem para as suas cabanas. Se uma criança me encontra começa aos altos gritos ao ver esta aparição medonha, faz-me crer que vai ter um ataque epilético».
Da foz do Luando para montante o rio Cuanza apresenta um leito pouco inclinado correndo em um vale aberto, mas de leito bem definido, e com grandes áreas alagoadas. Nas áreas circundantes os solos são hidromórficos ou seja extremamente húmidos.

3 - As sub-bacias do rio Cuanza
Castanheira Diniz, um notável agrónomo de Angola, dividiu a bacia hidrográfica do rio Cuanza em 4 bacias parcelares ou sub-bacias:(3): Alto-Cuanza, Lucala,Médio Cuanza e Baixo Cuanza.
A primeira sub-bacia (Alto Cuanza) está compreendida entre as nascentes (Mumbué, Catota) e Salto de Cavalo abrangendo uma área de 105 640 km2 o que corresponde a 69% da bacia total. O Alto-Cuanza é a verdadeira “caixa de água “ do rio. Tudo nele se resume a uma palavra:água. Chove abundantemente, com invernadas de mais de um mês ininterrupto; em determinadas áreas arenosas, situadas nos altos, o solo fica saturado e o nível freático atinge a superficie, formando as “anharas húmidas” ” que são riquíssimos “volantes hidrográficos” que regulam cheias e mantêm os caudais de base (que circulam na estação seca) bastante elevados. A densidade de drenagem é altíssima com mais de 3 km/km2 .
No Alto-Cuanza a temperatura média máxima é de 26ºC , raramente atingindo os 30º. O inverno (Maio a Setembro) é frio e seco, com temperatura média mínima de.13ºC. O Verão (Outubro a Abril) é quente e chuvoso. É o clima ideal para árvores exóticas (eucaliptos, cupressus, cedros, casuarinas, pinheiros e grevíleas). Estas árvores adaptam-se bem aos climas planálticos mas encontram na bacia do Alto-Cuanza as condições ideais: solos pobres pouco atractivos para agricultura, muita chuva, temperaturas amenas,áreas despovoadas, peneplanícies (topografia plana e semi-ondulada) onde se podem implantar polígonos racionais (divididos cientificamente em aceiros e arrifes, onde o ataque a incêndios e o corte são fáceis de efectuar). Um eucalipto, em Angola, dá corte ao fim de 9 anos; na Europa é ao fim de 12 anos, se não sofrer um incêndio, infelizmente o mais vulgar nos tempos actuais.
Está na moda vilipendiar o eucalipto: diz-se que é uma árvore invasora, que “chupa” a água freática, que alimenta a ganância dos capitalistas, que é a causa da destruição de florestas antigas, etc.Em tudo deverá haver um bom senso. O eucalipto, por atingir a maturidade em tempo recorde, é a árvore ideal para suprir as necessidades de celulose. Ele pode evitar a destruição de florestas naturais cujas árvores demoram mais de 50 anos para atingirem a plenitude.
O eucalipto, e outras árvores exóticas, podem voltar a ser uma grande fonte de receita e um meio de absorver muita mão de obra (angolana, como é óbvio!). Antes da independência havia muitos polígonos florestais onde se exploravam as árvores exóticas sob vários aspectos: lenha, carvão de retorta, casas pré-fabricadas, combustível para máquinas a vapor, toros e ripas para construção civil, celulose, cera e mel. Como produtos espontâneos nas matas sobressaíam as matúnduas (cujo valor comercial, infelizmente, nunca foi estudado!) e os tortulhos (cogumelos) Estes, após uma grande invernada, faziam jús à fama: “nasciam como cogumelos”, raramente eram venenosos e tinham um alto teor nutritivo. Tal como as matúnduas nunca foram estudados.
Ao longo da ferrovia de Benguela foram implantados diversos polígonos florestais em que predominava o eucalipto. Só assim foi possível manter as românticas máquinas a vapor.
O ponto mais alto da bacia do Cuanza é o Monte Chimbango, popularmente conhecido por “Morro do Chinguar”. O Monte Chimbango é um “inselberg”(monte ilha) que sobrou de uma Fig 7 -As bacias parcelares do rio Cuanza segundo Castanheira Diniz.A maior sub-bacia é o Alto-Cuanza com 105 640 km2 , desde as nascentes até ao Salto de Cavalo. É uma área com uma enorme densidade de drenagem, isto é em 1 km2 há mais de 3 km de linhas de água. É comum que qualquer linha de água de 1ª ordem (sem afluentes) apresente caudais maiores do que 5 l/s.
Fonte: A.Castanheira Diniz. Grandes Bacias Hidrográficas de Angola. Recursos em Terras com Aptidão para o Regadio. Instituto da Cooperação Portuguesa –Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento.Lisboa 2002.


intensa erosão geológica ao longo de milhões de anos. Com a altitude de 1 929,74 m é a culminância de duas bacias hidrográficas: o Cuanza e o Cubango. É, também o ponto mais alto na parte oriental de Angola, à direita do meridiano 16ºE Gr. ou seja aproximadamente o meridiano do Huambo. Em uma área de cerca de 850 000 km2 Chimbango é o ponto culminante. Nos meus devaneios sobre o futuro de Angola cheguei a imaginar uma torre de telecomunicações com mais de 72 m de modo a pôr Chimbango com a altitude de 2 000 m. Esta torre teria um farol para os dias festivos da nação.


Fig 8 – O Morro Chimbango ou Morro do Chinguar(a amarelo). É o ponto mais alto da bacia do Cuanza, com a altitude de 1 929,74 m. A vertente Noroeste alimenta o rio Cuanza através do rio Alondo e depois o Cutato das Mongoias. As vertentes Nordeste e Sul alimentam o segundo grande rio de Angola, o lendário Cubango que, ao fim de mais de 1 000 km, dá origem a um dos maiores santuários da natureza: o delta do Okavango já em território do Botswana. O rio Cubango é endorreico ou seja as suas águas não vão para o mar, o rio desagua em uma imensa planície( Delta do Okavango). De notar o contorcionismo da linha férrea, fugindo de todas as linhas de água.Também se pode notar os polígonos florestais(a verde), ao longo da linha, de modo a poderem abastecer de lenha o Caminho de Ferro de Benguela.O da esquerda tem 3 250 ha e o da direita tem 5 000 ha. Estão divididos em aceiros e arrifes (talhões de 16 ha) tornando muito fácil o combate aos incêndios, que eram raros. Os africanos sabiam o valor que representava uma área florestal, onde conseguiam lenha para o seu dia a dia.

Chimbango localiza-se 4 km ao sul do Chinguar. O nome desta cidade provém das palavras Chingue (casa) e Unghuári (perdiz). A ferrovia de Benguela chegou ao Chinguar em 1914, mas a construção parou ali porque rebentou a 1ª Grande Guerra (1914 a 1918). A construção só viria a prosseguir em 1922. Neste interim o Chinguar viu-se promovido a “cabeça de linha”. Em 1914 já os africanos produziam muitos géneros alimentícios e para exportação. Nestes avultavam a borracha, a cera e o milho. E era pelo Chinguar que saíam todas as produções, tornando-o em um empório. Os géneros chegavam ao Chinguar através de imensas caravanas, vindas do Moxico, dos Luchazes e dos Ganguelas. O dinheiro pouco circulava, tudo era na base da troca (permuta ou escambo no Brasil). Os africanos davam preferência aos panos (tecidos),ao vinho, à aguardente, aos artigos de latão para adornos pessoais ,ao sabão, ao petróleo, aos cobertores conhecidos por “cambriquites“, mas especialmente aos cobertores de lã conhecidos por “cobertores de papa”. O avanço do comboio para a fronteira leste, recomeçado em 1922, vibrou um profundo golpe no Chinguar. Como curiosidade acrescentaremos que mais desprotegido ficou quando em 1958 a cidade votou maioritariamente no general Delgado. Desde então passou a ser ainda mais marcada pelo desinteresse oficial. Chinguar era conhecido pelos seus morangos, era a “capital do morango”.
A seguir ao Luando o rio Cuanza recebe um grande afluente, o Cutato que nasce nas terras altas do Chinguar, no morro de Chimbango. A vertente norte deste morro drena para o tio Alondo ou Ualondo um afluente na margem direita do rio Cutato das Mongóias. Na confluência, 6 km para leste, nasce um outro Cutato (das Ganguelas) que corre para Sul, para o Cubango. Esta nascente obrigou a que se fizesse um desvio, muito pronunciado, da ferrovia de Benguela, posicionando o seu traçado sobre a linha da Cumeada Transversal que divide o país em 2 blocos o Norte e o Sul. Por causa deste desvio, e pela quantidade enorme de linhas de água que ele evitou, a cidade do Cuito (Silva Porto) ficou 5 km afastada da ferrovia.
Os silvaportuenses ( cuitanos, cuitenses, cuiteses, cuitetos, cuitocos, cuitondos, cuitenos, cuitangas, como é que se designam, agora, os seus habitantes?) argumentavam que o facto de não usufruirem da ferrovia se filiava em lutas intestinas entre os colonos, mas a verdade é unicamente explicável pela topografia. Do Chinguar ao Cuito (80 km) atravessam-se mais de 25 linhas de água, com 4 rios de grande porte:Cutato das Ganguelas, Cuchi,Cacuchi e Cuquema. Como as pontes metálicas vinham todas da Inglaterra seria uma despesa incomportável. A solução mais barata foi implantar o traçado pela cumeada. Ainda creança, conheci o major-engenheiro inglês Laessoe, chefe da topografia do caminho de ferro. Ele deixou-nos um mapa onde constavam as diversas soluções tendentes a uma optimização do traçado, de modo a evitarem-se as pontes.
A cerca de 30 km, a partir da foz do Cutato, para montante, outro grande afluente do Cuanza: o rio Cunhinga, com as nascentes nas anharas húmidas da Cumeada Transversal.
Sob o aspecto agrícola Castanheira Diniz dá-nos um magnífico resumo da Bacia do Alto-Cuanza :

«No que se refere ao valor agrícola dos solos poderá atribuir-se-lhe dum modo geral e atendendo ao grau de fertilidade natural, padrões baixos e muito baixos, estes últimos levando em conta as características físicas das extensas manchas arenosas. Todavia em relação aos solos argiláceos, técnicas culturais convenientes e fertilizações equilibradas poderão proporcionar níveis satisfatórios de produção ou mesmo até elevados, principalmente em relação às superfícies planálticas consideradas de média altitude (1000/1400 m)».
Este laudo técnico sugere-nos várias directrizes: a bacia do Alto-Cuanza, enorme, é muito sensível, tem solos pobres e de fraca coesão, pelo que terá que se ter o máximo cuidado em futuras explorações agrícolas. Fica claro que a bacia não aguenta agricultura industrial, devido à debilidade dos solos, pouco férteis, obrigando à utilização maciça de fertilizantes e pesticidas e a medidas de conservação do solo. As chuvas de grande intensidade (75 mm/hora é normal todos os anos, em Portugal uns escassos 15 mm/hora provocam desagradáveis inundações) e os solos pouco coesivos, e portanto de elevada erodibilidade, provocam erosões violentas, algumas de tal jaez que já se não conseguem repor as condições naturais.
Antes da independência os africanos cultivavam segundo as técnicas ancestrais, baseadas na itinerância das culturas, ou seja cultivava-se durante 2 ou 3 anos e depois optava-se por outras áreas, deixando os antigos terrenos em pousio até recuperação natural. Os rendimentos por hectare eram baixos mas a agricultura era sustentável. Só assim se explicam os grandes sucessos de produção. Na bacia do Alto-Cuanza produziam-se todos os géneros agrícolas e quase todas as frutas de climas temperados.Estas frutas apresentavam deficiências que podiam ser atenuadas através de tecnologia apropriada, que estava sendo iniciada pelo Instituto de Investigação Agronómica.O arroz, produzido em Camacupa por africanos, era um sucesso com volumes de produção crescendo a mais de 7% ao ano. Estava-se entrando, lentamente, numa mecanização racional e cautelosa.
A segunda sub-bacia do Cuanza é a do rio Lucala. Com 24 085 km2 o rio Lucala está muito individualizado pois já não contribue para o vigor energético do Cuanza. A sua foz é no Baixo Cuanza a uma altitude de 45 m. Mas, mesmo assim, o rio Lucala tem muita energia, basta lembrar as célebres quedas de Calandula ( Duque de Bragança) com 110 m de altura. No tempo colonial chegou a considerar-se o seu total aproveitamento mas, felizmente, nada foi feito. Apenas uma micro turbinagem cujo caudal subtraído não era perceptível na magestade dos turbilhões de água.
Somos de opinião que qualquer aproveitamento hidroelectrico só poderá fazer-se desde que não interfira nos caudais das quedas que devem ser mantidas no seu estado natural. Na parte final desta sub-bacia pode fazer-se, com cautelas, agricultura empresarial com irrigação, conforme aconselha Castanheira Diniz.
A sub-bacia do Médio Cuanza desenvolve-se entre o Salto de Cavalo e Cambambe.
Já vimos que o rio Cuanza é farto de água, de bons climas, de uma variedade de solos e de vocações agrícolas .Mas ele alberga outra grande riqueza: a energia hidroelectrica.
Observando a Fig 7 –perfil longitudinal total do rio, desde Munbué até à foz (Barra do Cuanza)-, deduzimos que é um rio manso no Alto Cuanza (Munbué/Porto Condo), é bravio no médio Cuanza(Porto Condo/Cambambe) e volta a ser muito manso na parte final (Cambambe/Barra).
Detenhamo-nos no médio Cuanza (Fig 8), o mais rico em energia hidráulica. Ele vai desde o Salto de Cavalo até Cambambe. Pelo perfil longitudinal verifica-se que o rio tem um enorme potencial hidroelectrico. Desde a barragem de Capanda até à barragem de Cambambe o rio desce, abruptamente, cerca de 900 metros. O caudal médio de estiagem,( numeros sujeitos a rectificações devido à precariedade de informações de que dispomos), é de 250 m3/s. A barragem de Capanda armazena mais de 5 km3 de água garantindo um caudal médio fixo de 750 m3/s. Mas o rio em anos normais “produz” mais de 10 km3 de água.
Com a água das chuvas armazenada em Capanda obtém-se, logo de início, uma potência de 520 MW. Mais mais 35 km para jusante, podem-se obter, com barragens a fio de água, cerca de 6500 MW de potência.É um Kuwait de energia hidráulica, corresponde a um poço, com produção sustentável de 140 000 barris de petróleo por dia. E sem recorrer a técnicos estrangeiros ou a multinacionais. Em resumo: 2 grandes barragens (Cambambe e Capanda) e 6 pequenas barragens a fio de água (sem albufeiras) podem produzir mais de 7 000 MW de potência.
Em Cambambe, no rio Cuanza a 200 km de Luanda, foi construída uma barragem(Cambambe) em 1959 Para mim esta construção sempre foi intrigante. A barragem está precisamente no local onde o rio já não tem energia potencial. Foi erguido um “muro” de betão com 65 m de altura, com promessa de subir para 90 m (para quê?), que dá origem a uma minúscula albufeira com 1,5 km de comprimento. A partir do pé da barragem, para montante, o leito do rio Cuanza “sobe” 120 m em escassos 2 km.
Fig.9 – Perfil longitudinal total do rio Cuanza. Ele está longe de atingir o perfil de equilíbrio, ou seja quando a inclinação do leito do rio diminui à medida que caminha para a foz. Pelo contrário, o rio “apanhou” a rocha dura da “Escarpa Atlântica” e formou, apenas, quedas, rápidos e cachoeiras.É um formidável potencial hidroelectrico.





Fig 10 – Perfil longitudinal do Médio Cuanza. Observa-se o mau posicionamento da barragem de Cambambe (não aproveita a enorme inclinação do rio e não armazena os caudais de cheia). Pelo contrário, a barragem de Capanda e, a jusante, mais de 6 bons aproveitamentos a fio de água.

Salta à vista que uma pequena barragem, a montante de Cambambe, no local onde se situa a ponte da estrada que vai para o Huambo,ou um pouco mais para cima, e aproveitando o desnível natural de 150 m , era de mais fácil construção e sobretudo muito mais barata.
A barragem de Cambambe sugere a velha piada de um indivíduo que nota que tem o cordão do sapato esquerdo desapertado; põe o pé direito em cima de uma cadeira e, curvadíssimo, aperta o
cordão do sapato esquerdo. Fez-se a barragem no sítio menos indicado e mais trabalhoso. A barragem não aproveita as quedas do rio e não aproveita os caudais de cheia do rio. Está, manifestamente, sub-dimensionada, não tem em conta o potencial do rio Cuanza que é imenso. Por isso é que, com 65 m de altura e uma bacia de 105 640 km² produz uns míseros 65 MW. Foi inaugurada com grande espalhafato mas ela não satisfazia um progresso acelerado. É muito muro para pouca água. A queda é conseguida, apenas, com a altura da barragem.
Cambambe trabalha a fio de água. São três os tipos principais de aproveitamentos hidroelectricos: a fio de água, com armazenamento e com reversão.O fio de água corresponde a um sistema que gera energia através da queda natural do rio e só com o próprio caudal do rio, que está sujeito sempre a grandes variações. Se os estudos não forem bem executados podem surgir surpresas com a drástica diminuição do caudal, e neste caso as turbinas podem entrar em colapso, devido à implosão de bolhas de ar que destroem até o melhor aço. Esta ocorrência é conhecida por cavitação. Os fios de água em Angola serviram para uma primeira fase, até 1945 e foram todos fiascos (Mabubas, Biópio, Matala e Lomaum). Depois disso era notório que teria que se armazenar água, através de grandes barragens. No Cunene ainda se construiu o Gove.
Um aproveitamento com armazenamento consiste na construção de uma grande barragem que possa acumular o maior volume possível de água, proveniente das chuvas. Designa-se como transmissão de água no tempo. A água das grandes cheias é retida na barragem para depois ser utilizada em qualquer ocasião. É a chamada regularização estival. Isto permite aumentar os caudais na grandeza que se deseja ( até ao seu limite natural, é lógico), evitando assim que se produza a indesejável cavitação que provoca a ruína das turbinas. Resumindo: uma barragem de armazenamento acumula água e energia que podem ser, depois, utilizadas ao longo do tempo. É o caso de Capanda.
Os aproveitamentos por reversão são de origem recente e destinam-se a “acumular” energia sobrante. Durante a noite, quando está sobrando energia, podem algumas turbinas funcionar como bombas que devolvem, para a albufeira, parte da água que sai das outras turbinas, que se encontram a gerar energia. Às vezes a água é bombeada recorrendo à energia nuclear que está sobrando no sistema geral.As barragens de reversão são construídas em países cujo potencial hidroelectrico se encontra a caminho da exaustão.Em Portugal vão-se construir (Abril 2008) dez barragens de reversão para aproveitarem as potências voláteis das torres eólicas que não podem “entrar” na rede geral.
Quando Cambambe foi inaugurada em 1960 proclamou-se que “ tínhamos barragem para 50 anos”, o que era verdade uma vez que se faziam extrapolações para as taxas de desenvolvimento do marasmo colonial durante o “tempo de jogo” ( 479 anos). Nos 3 minutos do Tempo Extra ( 13 anos de desenvolvimento) começou a ficar patente que a potência de 65 MW, em Cambambe, não iria ser suficiente para Luanda. Para uma taxa de consumo de 300 W por habitante, número baixo se atentarmos ao facto de ser uma cidade de muitas geleiras, frigoríficos, ar condicionado e especialmente indústrias, a barragem atenderia ao consumo de 220 000 habitantes. Ou talvez ela fosse suficiente uma vez que só se contavam os europeus, segundo a optica colonialista .
A independência acabou por não nos mostrar a fraqueza de Cambambe. Aliás em 1972 o relatório anual da empresa concessionária Sonefe consignava uma potência na rede de 72 MW, o que provava a saturação de Cambambe. A independência, e a desorientação que se lhe seguiu, acabaram por disfarçar a fraqueza de Cambambe.
O governo nacionalista de Angola empreendeu a construção da grande barragem de Capanda, no melhor eixo do rio Cuanza, o local por onde se deveria ter começado a geração de energia electrica em Angola, marcada no tempo colonial por muito pouca ambição, que se pode filiar na falta de vontade no desenvolvimento da colónia. A obstrução ao progresso de Angola provinha, totalmente, de Lisboa. Tudo era gerado na Metrópole, de acordo com os interesses dos oligas (oligarquia monopolista).
Mas não é só o Médio Cuanza que pode gerar energia; também os seus afluentes têm caudais e quedas propícias para a obtenção de MW. Já mencionámos o rio Lucala. O Cutato das Mongóias tem condições de armazenar grandes volumes de água e apresenta grandes quedas e corredeiras. No rio Cunje foi implantada, facilmente, uma mini-hídrica que fornecia energia à cidade de Camacupa. O rio Cuquema, a 18 km de Cuito, podia ter abastecido a cidade com cerca de 30 MW, através de uma fácil barragem de terra. No rio Cuito, que passa pela cidade do mesmo nome (ex-Silva Porto) foi inaugurada em 1938 a segunda hidroelectrica de Angola. A primeira foi construída no rio Cuando (afluente do Cunene), no Huambo, por iniciativa do Caminho de Ferro de Benguela, em 1929. A barragem do Cuito foi a primeira hidroelectrica na bacia do rio Cuanza.

RIO CUANZA, O ELO ENTRE O SUL E O NORTE, ENTRE O PASSADO E O FUTURO (III)

Fig 11 – Barragem de Cambambe. A albufeira não extravasa para as margens, indício de pouca acumulação (cerca de 8 milhões de m3 ).A barragem está sempre soltando água pelo descarregador de cheias, um desperdício em termos de energia. A barragem não aproveita a energia potencial do rio e não armazena água das cheias. Produz apenas 65 MW, um esbanjamento de energia para uma bacia hidrográfica de 105 640 km2.


Fig 12 – Barragem de Capanda próxima de Pungo Andongo. Tipo gravidade é feita de BCR- Betão Compactado por Rolos- uma nova tecnica que apareceu nos anos 70 e que diminui, substancialmente, os custos. Armazena mais de 5 mil milhões de m3 de água, permitindo dispor dos caudais de cheia, regularizando-os para todo o ano.Esbelta, é de uma rara beleza. Tem a particularidade de poder extravazar, por gravidade, para o rio Mucoso que é intermitente.
Produz 520 MW. O volume armazenado pode ser turbinado mais para jusante em variados fios de água.



Fig 13 – Pungo Andongo.Célebre porque era a residência da Raínha Ginga no século 17. Monoblocos rochosos de aspecto imponente.Era um ponto fulcral para a administração portuguesa no século 19. Antes da implantação de Malanje era o ponto mais avançado da penetração portuguesa. Com a ferrovia passando longe perdeu interesse e as prerrogativas oficiais. Com a Barragem de Capanda, uns poucos quilómetros ao sul, é provável que readquira a importância histórica e turística.Importância que manteve ao longo de mais de 4 séculos.



Fig 14 – Pungo Andongo e os seus monumentais blocos de rocha



Fig 15 – Ponte de Cangandala (ex-ponte Salazar). Em arcos, tipo romano, tinha 450 m de comprimento. Ficou “pendurada” porque não se asfaltou, pelo menos, o trecho Malanje/Silva Porto(Cuito).Ele só viria a ficar pavimentado na década de 70, muito próximo da independência. Um triste exemplo de medo de desenvolvimento.


Fig 16- Condo ou Porto Condo a montante da ponte de Cangandala. É a primeira grande ruptura de declive (queda de água) do rio Cuanza. É um aviso de que, para diante, o rio vai ter muitas quedas e corredeiras. Nos anos 60 uma firma angolana, que tinha a concessão da energia electrica de Malanje, tentou fazer um aproveitamento a fio de água, a fim de ampliar o sistema electrico da cidade que estava a caminho do colapso. Chegaram a comprar as turbinas. Mas não conseguiram financiamento a longo prazo. Um banco sul-africano disponibilizou-se a financiar o projecto. Nada demoveu a má vontade metropolitana. Depois de uma campanha na imprensa, contra “o desmazelo” da firma, a concessão foi entregue “de bandeja” à Sonefe, uma empresa metropolitana criada, às pressas, em 1956. Esta empresa tomou, em monopólio, toda a bacia do rio Cuanza. Em um capitalismo saudável, ela teria comprado a concessão da firma angolana. Mas não, o governo, ignorando direitos adquiridos, entregou, em exclusivo, toda a energia do rio Cuanza á Sonefe. O sistema de Malanje voltou a funcionar satisfatoriamente porque o governo comprou motores diesel e entregou-os à Sonefe. Malanje só beneficiaria da electricidade de Cambambe 6 anos depois. Assim se liquidavam todas as firmas de raiz angolana. Mas, 9 anos depois, confirmou-se o velho adágio: “Quem quer comer tudo, engasga-se”.



Fig17 - Os grandes afluentes do rio Cuanza. Na margem direita o Lucala, Mucoso, Lombe, Cuíje,Cuque, Luando,Cuíva(com o seu afluente Cuemba), Cuíme e Chimbandiango. Na margem esquerda o rio Gango, Cutato das Mongoias,Cunhinga (com o afluente Cune), Lúbia, Cunje eCuquema.Todos os afluentes são perenes (têm caudal todo o ano)e correm sobre enormes lençois freáticos (água subterrânea). Os rios Lucala e Cutato têm, também, um grande potencial hidroelectrico.


Fig 18 - Chinguar, sentinela da anhara (planície húmida), a cidade mais alta (1812 m) da bacia do Cuanza. Nasceu devido à passagem do caminho de Ferro de Benguela. No Morro Chimbango governava um soba de prestígio que autorizou os comerciantes europeus a fundarem um povoado próximo da ferrovia. O primeiro colono a instalar-se na região foi um comerciante de nome Corte Real em 1890.Posteriormente outros comerciantes, através da topografia, souberam onde iriam ser assentados os carris da ferrovia e abriram, de imediato, uma rua paralela à linha férrea. Nascia o Chinguar. Os solos não são fertéis,têm excesso de água, mas o clima confere-lhe propensão para produtos hortícolas e frutas de climas temperados das quais se destacou, de imediato, o morango. Este conferiu-lhe outro título: Capital dos Morangos. No início da década de 20 o Chinguar recebeu uma colónia italiana, uma enorme mais valia para a região. Eram trabalhadores e gostavam de industrias. Idealizaram grandes projectos, que o colonialismo de Salazar se encarregou de destruir. Chegaram a implantar industrias de salsicharia, caramelos, rebuçados e frutas em calda, especialmente o morango. Sossobraram porque não havia consumo, não havia transportes, , não havia esquemas comerciáveis, não havia energia electrica,não havia crédito a longo prazo, mas sobravam as obstruções e a má vontade colonialista.
Uma pequena homenagem: foi uma senhora italiana - D. Margherita Achino - que assistiu ao nosso nascimento. D. Margherita morreu no Chinguar em 1969.



RIO CUANZA, O ELO ENTRE O SUL E O NORTE, ENTRE O PASSADO E O FUTURO (IV)


Fig 19- Reserva Natural Integral do Luando. Estabelecida na década de 30, quando ainda ninguém, no mundo, se preocupava com os danos ambientais.Esta Reserva foi sempre vigiada e mantida com muito rigor, durante o tempo colonial. Albergava a célebre Palanca Preta um dos símbolos de Angola. A Palanca Preta (Hipotragus Niger Variani)é única no mundo. Possui patas adaptadas à água que se espraia pelas imensas planícies durante a época das chuvas. A Reserva compreende, principalmente, a área entre os rios Cuanza e Luando.É uma região muito plana com deficiências de drenagem das águas pluviais. Em alguns locais chega a verificar-se promiscuidade de águas dos dois rios.Pode afirmar-se que é uma Mesopotâmia Africana com os seus 7 000 km2 .
Os afluentes do Luando correm sobre a superfície, sem vales profundos.As linhas de água distinguem-se pelas suas matas ciliares (ripícolas ou ribeirinhas).É um ecossistema muito sensível.Por isso esta área não pode receber projectos mirabolantes engendrados pelos modernos gestores. O seu interesse resume-se nas actividades antrópicas feitas pelos seus habitantes seculares, que praticam uma surpreendente sustentabilidade e por um turismo seleccionado e prudente.
Viajantes que a percorreram no século 19 notaram uma elevada prevalência, nos africanos que ali viviam,de papeira ou bócio. É uma doença provocada pela falta de iodo. Os colonos, a partir de 1920 no governo de Norton de Matos, introduziram o sal marinho e o peixe seco de Moçâmedes que passou a fazer parte da dieta diária. Os serviços sanitários vulgarizaram o iodo. A doença regrediu ultrapassando todas as expectativas.




Fig 20 – Região de Nova Sintra hoje denominada de Catabola. Na verdade o primeiro nome era Catabola. Mas havia outra Catabola no distrito do Huambo dando origem a grandes perturbações nos correios. Em um referendo entre os colonos foi baptizada de Nova Sintra.Os solos eram bons, sob o ponto de vista tropical. As frutas de clima temperado davam-se bem.Os citrinos eram abundantes e de bom paladar. Na fazenda Nova Esperança( em cima a verde) existiam castanheiros, de grande porte, que produziam bem, embora com um pormenor:as castanhas tinham côr preta mas em tudo eram iguais às europeias.
Foi uma região muito procurada quando começou o povoamento europeu na década de 20 do século passado.Em 1880 instalou-se na região uma Missão Evangélica Canadiana a célebre Chissamba(a azul no mapa). Nela pontificou o médico Dr.Walter Carl Strangway que o povo denominava de Dr. Strângula. Este médico viveu 40 anos na Missão onde prestou valiosíssimos contributos na área de medicina.Fez milhares de operações algumas muito melindrosas. Uma vez que os nomes portugueses em Angola ainda sofrem uma apertada iconoclastia, que repudia a História e tudo quanto seja antigo,é da mais elementar justiça que o nome de Catabola, que continua a confundir-se com o do Huambo, seja substituído por Strangway, homenageando-se, assim, o insigne cidadão e médico Dr.Walter Carl Stangway que deu toda a sua vida minorando as doenças dos angolanos.É uma homenagem dos angolanos para quem tanto os ajudou no capítulo da saúde.
O médico João Pessoa( fig21) foi outra personagem marcante no Planalto Central. Era médico em Cantanhede e ficou empolgado com a colonização de Angola após a chegada de Norton de Matos a Angola em 1919, pela segunda vez.Tinha sido governador geral em 1912/1914. O médico vendeu todos os seus bens a partiu para Angola, aceitando um convite do Caminho de Ferro de Benguela.Mas o seu sonho era uma fazenda de café.Na área assinalada a verde, onde diz Missão da Chitalela, implantou uma fazenda(Fazenda Chitalera) com água retirada do rio Cunje.Tudo correu mal, a começar pela vala que foi muito difícil de abrir e que não irrigou o que se esperava.Os rendimentos dos cereais eram decepcionantes Ficou ajoujado com dívidas ao Banco Nacional Ultramarino.Quando Salazar instituiu o Acto Colonial não houve contemplações:a Fazenda foi a hasta pública mas ninguém a arrematou; o Estado ficou com ela e as instalações foram aproveitadas para um internato de raparigas desavindas. Era uma obra meritória e de referência. O dr.João Pessoa morreu em Nova Lisboa no limiar da miséria e esquecido pelo governo.
As áreas assinaladas a verde são polígonos florestais. A ferrovia a vapor teve um impacto brutal nas savanas limítrofes.Encontrou-se uma solução nos eucaliptos que se desenvolviam surpreendentemente bem. Ao longo da ferrovia implantaram-se centenas de polígonos florestais de eucaliptos,depois melhorados com outra espécies exóticas como os cupressus, os cedros, as casuarinas, os pinheiros e as grevíleas que supriam, muito bem, as necessidades de lenha, carvão e madeiras para construção de casas e pontes. Estes polígonos acabaram por influir, positivamente, numa velha riqueza de Angola: as abelhas.As fazendas também se viram na necessidade de plantarem polígonos florestais de eucaliptos para proverem todas as suas actividades de energia.
O major-engenheiro inglês Laessoe, chefe da topografia da ferrovia de Benguela, também se instalou na região de Catabola, empolgado com a pujança da região e com o entusiasmo que lavrava entre os colonos. Instalou-se a poucos km de Nova Sintra, fundando a fazenda Casal da Serra. Tencionava instalar uma fábrica de cigarros.Mandou confeccionar milhares de embalagens para maços de 20 cigarros. Embalagens luxuosas que, por não terem préstimo, satisfizeram as brincadeiras da nossa infância. Mais uma vez a mesquinhez metropolitana cerceou todos os entusiasmos. Entraves e mais entraves, burocracias e mais burocracias foram empatando o projecto. A guerra 39/45 levou-o a regressar a Inglaterra onde morreu.
Um italiano, de nome Vitório Favero, instalou-se próximo da aldeia Etape. Ali fundou uma fazenda e iniciou uma industria de refrigerantes ou gasosas como se dizia na altura. Ainda hoje, em Angola, quando se desejam propinas, alude-se às” gasosas”.A FAIVE-Fazenda Agrícola Vitória Etape teve o mesmo destino de todas as fazendas de raiz angolana: sem consumo, devido ao baixo salário dos africanos (que apreciavam imenso as gasosas do Favero mas não as podiam comprar!), sem comercialização, sem energia barata, sem crédito com bonificações a longo prazo, a industria arrastou-se durante anos.Em resumo, Salazar conseguiu o que queria: aniquilou todo o capital de raiz angolana. Tudo passou a ser metropolitano, com isso “segurava” a colónia de laivos independentistas. Esqueceu-se que os ventos da história sempre sopram, na altura certa e com muita violência, levando tudo na frente.


Fig 21 –O médico João Pessoa, a mulher e a filha nascida no Chinguar. Até ao início do século 20 era uma temeridade, para uma mulher europeia, ter um filho em Angola. Os partos originavam complicações relacionadas com infecções. A melhoria sanitária de Angola foi a maior realização dos colonos.

Fig. 22 – Belo exemplar de Palanca Preta

Fig 23 – Outro belo exemplar da Palanca Preta, verdadeiro símbolo de Angola.



4 - O rio Cuanza e as cidades

As cidades aconchegam-se junto aos rios. Esta frase não se aplica ao rio Cuanza. Apenas uma cidade foi implantada nas suas margens:Dondo. Esta cidade nasceu pela imperiosa necessidade de servir de base, no interior, para a escravatura. Ainda se julgava que era possível demandar o interior através das vias fluviais. Puro engano. Em Cambambe, como já vimos, começava a Escarpa Atlântica que não mais proporcionaria quaisquer veleidades de penetração no interior. Mas se a Escarpa Atlântica foi um impedimento geográfico outros se impuseram, até com mais força. O clima e as doenças, especialmente o paludismo, foram os maiores vectores que impediram a formação de cidades ribeirinhas.
É notória a aversão dos angolanos pela implantação de povoados à beira de grandes rios. Nenhuma cidade ou vila de raiz europeia-e foram mais de uma centena- se posicionou nas margens de um grande rio. Pungo Andongo, de raiz africana, “não quiz nada com o rio”, ficou a 13 km dele,S.Pedro da Quilemba ficou a 6 km, Cangandala dista 19 km do rio, o Alto Cuanza dista 10 km da ponte ferroviária, Umpulo fica a 6 km do rio, Mutumbo 6 km, Soma Cuanza 4 km e Catota dista 10 km. Como curiosidade é-nos lícito afirmar que os crocodilos e os hipopótamos também deram a sua contribuição.
A maioria das cidades de Angola possui pequenos rios no seu perímetro urbano: eram linhas de águas cristalinas e potáveis que as abasteceram , durante muitos anos, sem quaisquer tratamentos. O posterior adensamento urbano obrigou à utilização de um dos maiores amigos do homem citadino e, actualmente, até do rural: o cloro.
A água do rio Cuanza é potável, porque não tem cidades nas suas margens e, também, porque é extraordinariamente oxigenada devido às imensas quedas, cachoeiras e corredeiras ao longo do seu estirão, como acabámos de expor atrás.
Assim os angolanos a saibam conservar. É uma herança colonial: o rio está bem conservado e possui águas cristalinas de elevada potabilidade. É, talvez, uma das últimas jóias fluviais no mundo. Deus nos livre das multinacionais “bem intencionadas”!

Luiz Chinguar
Novembro 2008

Esta matéria é extraída do livro
Mucandas do Tempo do Caparandanda
em fase de pré-prelo.