BEM-VINDOS A ESTE ESPAÇO

Bem-Vindos a este espaço onde a temática é variada, onde a imaginação borbulha entre o escárnio e mal dizer e o politicamente correcto. Uma verdadeira sopa de letras de A a Z num país sem futuro, pobre, paupérrimo, ... de ideias, de políticas, de educação, valores e de princípios. Um país cada vez mais adiado, um país "socretino" que tem o seu centro geodésico no ministério da educação, no cimo do qual, temos um marco trignométrico que confundindo as coordenadas geodésicas de Portugal, pensa-se o centro do mundo e a salvação da pátria.
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segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

III - PARA QUE SERVE A INVESTIGAÇÃO OPERACIONAL? (3ª parte)

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Terceira Parte


Veja a 1ª parte AQUI
Veja a 2ª parte AQUI e AQUI

A curiosidade foi superior à inércia e ao desinteresse. A excelência da carta militar à escala 1/25 000 –folha 376 Alenquer-desafiou-nos a fazer uma análise preliminar do critério Terraplanagens do pretenso aeroporto na Ota.
A área onde se pretende construir o novo aeroporto situa-se 40 km ao Norte de Lisboa,5 km a Nordeste de Alenquer e 18 km a Sudoeste de Cartaxo. Tem os seguintes limites : ao Norte o rio da Ota, a Este o rio da Ota e a ribeira do Archinho, ao Sul o rio Alenquer e a Oeste a estrada que liga Alenquer à vila da Ota passando por Cheganças. Esta área totaliza 24 km²(2 400 ha); dentro dela desenvolve-se a maior parte das bacias hidrográficas da ribeira do Alvarinho e da ribeira do Camarnal. Nem a maior engenharia megalómana pode sonhar com uma futura expansão: ao Norte é impensável o entubamento do rio Ota; a Este o rio Ota corre paralelo com a ribeira do Archinho, o que agrava o entubamento; ao sul o rio Alenquer é do mesmo porte do rio da Ota; a Oeste o relevo passa de ondulado a montanhoso, em 1,5 km atinge a altitude de 272 m.
O rio da Ota nasce na serra de Montejunto (culminância de 666 m)e desagua, depois de se juntar ao rio Alenquer, na margem direita do rio Tejo, próximo de Vila Nova da Rainha. O rio da Ota tem uma bacia hidrográfica de 155,1 km² e um canal de escoamento de 27,1 km. É uma linha de água de 5ª ordem, com um talvegue bem definido. O seu terço superior é montanhoso gerando grandes caudais de cheia. Quando ele circunda o actual aérodromo apresenta altitudes terminais de 8 a 3 metros, com planícies de cheias, um contraste com o vale encaixado no terço médio com altura de 130 m. A planície de cheias, ao norte e a este do actual aérodromo, com uma largura média de 500 m, é um pântano, um amortecedor de cheias natural, outrora conhecido como o Paúl da Ota. O rio da Ota desenvolve-se, no trecho a Este, em paralelo com a ribeira do Archinho (48,4 km² e 13,0 km).
O rio Alenquer tem 129,1 km² de bacia e desenvolvimento de 27,1 km. Junta-se ao rio da Ota em Vila Nova da Rainha, antes de entrarem no rio Tejo.
Dentro da área de 2 400 ha já referida desenvolvem-se duas ribeiras: Alvarinho e Camarnal. A primeira, uma ribeira de 4ª ordem, tem uma bacia hidrográfica de 16,1 km² e extensão de 9,2 km; a segunda, de 3ª ordem, tem 5,5 km² e 5,2 km.
A actual pista militar situa-se entre a parte oeste, onde avultam altitudes muito superiores a 30 m, e a parte este onde predominam baixas altitudes chegando aos 3 m.A pista militar tem um comprimento de 2 500 m, largura de 43 m e altitude de referência de 42 m. Com tantas limitações, especialmente hidrográficas, não é possível terraplanar-se uma área maior do que 1 600 ha. Os modernos tratados indicam uma área mínima, para um aeroporto internacional, de 3 500 h (o ideal seriam 4 000 ha).
Escolhemos um quadrado 4x4 km², mantendo distâncias de 400 m na margem direita do rio da Ota e na margem esquerda do rio Alenquer, de modo a garantir-se leitos razoáveis de cheias. Fixámos a altitude da plataforma do projecto em 35 m. A área de corte ocupa uma área de 5,5 km² e tem uma altura média é de 11,5m. O volume de corte é de 65 milhões de m³.
Os cortes serão, em grande parte, em rocha calcária, imprópria para betão. O material proveniente terá que ser removido e depositado em algum lugar onde não cause impactos ambientais. Onde? É inegável que as áreas de depósito terão que ser negociadas. Por que preço? Em quanto tempo?E o transporte que implicará mais de 20 milhões de viagens? Contrói-se uma estrada específica? Mais estradas?
Vejamos os aterros. A área de aterros totaliza 9 km² e vai cobrir grande parte das bacias hidrográficas de Alvarinho e de Camarnal. A altura média de aterro é de 18 m, mas há locais em que atinge mais de 25 m originando problemas de contenção de taludes.
Achamos inexequível o alteamento de cotas através de aterro.O volume calculado de aterro cifra-se em 145 milhões de m³. Sabendo-se que os solos seleccionados para um aterro de aeroporto obedecem a parâmetros de compactação muito exigentes, onde arranjá-los? Por que preço, sabendo-se que se vão inutilizar bons solos agrícolas. E como será o transporte uma vez que se trata de um volume “astronómico”? Far-se-ão, também, estradas especiais?
Em aterro ainda aparece uma dificuldade ainda maior.Em termos práticos é impossível entubarem-se as ribeiras de Alvarinho e Camarnal.


Resta a solução do betão armado, adoptada na ilha da Madeira para prolongar a pista existente. Não havia outra solução e os volumes estão dentro de qualquer escala razoável. O que não é o caso da Ota. Existem alternativas,na chamada margem sul do Tejo, áreas planas sem recurso a terraplanagens, com drenagens relativamente fáceis.Onde se pode fazer um aeroporto por fases, sem recorrer a volumes aterradores.
Admitindo um espaçamento de 15 m teremos um total nunca inferior a 40 000 pilares. Admitindo uma altura média de 18 m teremos um volume de betão armado superior a 6 milhões de m³. Note-se que não estamos a incluir a parte enterrada (estacas) cuja profundidade pode expor severos problemas de geotecnia dado que são áreas ocupadas por linhas de água. É provável que o volume de betão enterrado (estacas) ultrapasse o volume dos pilares e laje. É um volume que dá emprego a milhares de trabalhadores. Mas, só como exemplo, onde se vão arranjar mais de 3 milhões de m³ de areia quartzosa própria para betão de alta resistência?
A impermeabilização de 16 km², correspondentes à área do pretenso aeroporto, vai aumentar, substancialmente, os caudais a jusante próximo de Vila Nova da Rainha; tudo agravado, hidrologicamente, com a supressão do Paul da Ota que, como já afirmámos, é um regulador das cheias do rio da Ota e da ribeira do Archinho. O mesmo de passa, em relação ao rio Alenquer e seus afluentes Camarnal e Alvarinho.
Quase no enfiamento da actual pista existe o Monte Redondo, uma séria obstrução às aeronaves. O monte ocupa uma área de 33 ha, atinge 212m de altitude (altura de 112 m) e tem um volume de 17,5 milhões de m³. Na região há muitas pedreiras, donde podemos concluir que o monte é de rocha calcária. È fácil deduzirmos o seu destino, sonho de qualquer empreiteiro. Que, inocentemente, proporá melhorar a segurança, nas aproximações e nas descolagens, com trabalhos extras, já durante a obra.
De todas estas megalomanias vem-nos à lembrança o Canal do Panamá. Os seus construtores tinham brilhado no Canal do Suez, um verdadeiro sucesso da engenharia de então. Depois dele o sonho e a empáfia aumentaram. E lá foram todos abrir outro canal.
A ligação do Oceano Atlântico com o Índico, um sonho antigo dos tempos em que os navegadores espanhóis desembarcaram na América Central, ficou na ordem do dia. Mas era tudo diferente. No Suez o terreno era plano, de constituição arenosa, não chovia e a mão de obra era semi-escrava. No Panamá o terreno era montanhoso, chovia muito deixando tudo intransitável durante semanas, a floresta equatorial era densa e inconquistável, havia um rio interior de grande caudal, o nível dos oceanos não era o mesmo, e avultavam dois temíveis inimigos que desbaratam qualquer exército: os mosquitos transmissores da malária e da febre amarela. Ferdinand de Lesseps, o engenheiro francês idealista e mentor do projecto, ignorou as advertências das pessoas da região.
Os engenheiros franceses, autores do projecto do Suez, formaram uma sociedade anónima que, imediatamente, se encheu de pequenos accionistas. A construção começou sob grandes optimismos que logo se desvanecerem quando caíram as primeiras chuvas que provocaram uma verdadeira hecatombe entre os trabalhadores, atacados com a febre amarela e a malária, paralisando as obras. No total morreram 20 000 operários. O que fez aumentar o salário dos trabalhadores. E seguiu-se uma espiral de contratempos e desgraças. Em pouco tempo e sem nada construído a firma abriu falência. Tudo foi levado à conta de fraude, mas o insucesso foi devido a mau planeamento e projecto muito deficiente. Com a pressa na abertura deixaram-se problemas importantes de construção “para se resolverem durante a obra”. Um dos maiores problemas foi o do transporte da terra e rocha escavadas. Ninguém previu esta operação, foi necessário adaptar a ferrovia existente para se desfazerem do material escavado.
O impacto financeiro foi tão grande que, durante anos, quando havia uma grande derrapagem de dinheiros, dizia-se que “era um panamá”.
Os Estados Unidos tomaram conta da massa falida e, depois de alguns desaires filiados sempre na falta de planeamento e projecto mal definido, acabaram por concluir a obra devido à acção notável dos engenheiros William Gorjes e depois John Stevens.
Um aeroporto na Ota não será um impacto ambiental; será, logo no início, um desastre ambiental. E, concomitantemente, uma catástrofe financeira. E quem vai pagar? Ora, quem havia de ser, tal como no Panamá, “os pequenos accionistas” que em Portugal são, prosaicamente, denominados de contribuintes.

Luiz Teixeira
Engenheiro civil
31/12/2007

domingo, 30 de dezembro de 2007

GABINETE DO NOVO AEROPORTO DE LISBOA (GNAL) - A REPOSIÇÃO DA VERDADE!

Ao abrigo do Direito de Resposta, a Revista "INGENIUM" da Ordem dos Engenheiros, publica a seguinte comunicação remetida por um seu leitor ao Director da Revista.

“No número 99, referente a Maio/Junho últimos, da revista INGENIUM, da Ordem dos Engenheiros, o Senhor Engenheiro Luís Guimarães Lobato publica um artigo intitulado ‘Localização do Novo Aeroporto de Lisboa’ em que designadamente, afirma:


• "Por volta do decénio de 1960, o Eng.º Victor Veres, então director-geral da Aeronáutica Civil, verificou que a expansão dos transportes aéreos era muito superior à prevista"
• "O aeroporto da Portela teria dificuldade em acompanhar uma tal expansão"


• "Era, portanto, necessário encontrar nova localização para o novo aeroporto de Lisboa
Aprovada esta proposta pelo então Ministro das Comunicações Eng.º Carlos Ribeiro, este determinou que fossem ouvidas missões técnicas sobre aquela nova localização. Para este efeito, foram convidadas as missões que tinham sido responsáveis pela construção dos novos aeroportos na Europa e EUA";
• "As missões em referência foram conclusivas em relação à exclusão da margem direita do rio Tejo para nela se instalar o novo aeroporto (...). Do mesmo modo, foram unânimes em designar 14 localizações na margem sul do Tejo";
• "Na sequência dos relatórios das missões técnicas, o Ministro Carlos Ribeiro criou o GNAL — Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa, para prosseguir a concretização da selecção da área do novo aeroporto de Lisboa"
• "O estudo comparado das 14 localizações (...) acabou por seleccionar a localização do novo aeroporto na área da margem sul compreendida entre o Rio Frio e a margem esquerda do Tejo"
• "De facto, não era verdadeira a afirmação de que resultavam dois locais — Rio Frio e Ota —, pelo menos enquanto existiu o GNAL";
• "Em virtude de fortes pressões sobre a localização do novo aeroporto, o Ministro das Obras Públicas e Comunicações do governo de Marcelo Caetano, assim que subiu ao poder, extinguiu o GNAL"
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Senhor director da INGENIUM, e Bastonário da Ordem dos Engenheiros

• No Governo do Doutor Marcelo Caetano, foi o signatário o único Ministro das Obras Públicas que, simultaneamente, sobraçou a pasta das Comunicações
• A afirmação de que o signatário extinguiu o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL) é absolutamente falsa
• O signatário nunca conheceu quaisquer pressões — fortes ou não — sobre a localização do novo aeroporto. Apenas conheceu, sim, todos os estudos elaborados ou promovidos pelo GNAL, e sobre eles decidiu. E repudia frontalmente qualquer insinuação que a frase do artigo em causa possa conter.
• O Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL) foi criado no governo do Doutor Marcelo Caetano, sendo Ministro das Comunicações o Engenheiro José Estevão Abranches do Canto Moniz, pelo Decreto -Lei n.° 48902, de 13 de Março de 1969o qual, entre outras disposições, estabeleceu que o Gabinete seria assistido por um conselho consultivo e de assistência técnica, presidido pelo director-geral da Aeronáutica Civil, funções que o senhor Engenheiro Victor Veres continuava a exercer e assim assegurou até final a continuidade de orientação
• O Ministro Canto Moniz nomeou seus primeiros dirigentes dois considerados especialistas - o Engenheiro Joaquim Rodrigues Oliveira Júnior (director do Gabinete) e o Engenheiro António Francisco Aguiar (subdirector), os quais em 25 de Abril de1974 permaneciam em plenas funções, sendo Ministro das Comunicações, o signatário;
• A actividade do Gabinete foi altamente meritória e, mercê dela, na ocasião da posse do Subsecretário de Estado das Comunicações e Transportes, Dr. Miguel Pupo Correia, no dia 31 de Janeiro de 1974 pôde o signatário declarar publicamente que os trabalhos relativos ao novo aeroporto de Lisboa, em Rio Frio, estão decorrendo de acordo com o exigente programa estabelecido, o que tem implicado e continuará a justificar cuidados muitos especiais, de acordo com a magnitude do empreendimento. Dentro de algumas semanas será aberto o concurso para adjudicação da empreitada de construção da primeira fase do aeroporto, incluindo o fornecimento e instalação do respectivo equipamento, com capacidade para o tráfego anual de 10 milhões de passageiros’
• Em edição da Imprensa Nacional, com 420 páginas de formato A4,o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa publicou em1972 o volume intitulado “Estudo da Localização do Novo Aeroporto de Lisboa
Para historiar com solidez, o autor do artigo em causa encontrava aí o Parecer do Conselho Aeronáutico de 19 de Dezembro de 1969, bem como os estudos preliminares relativos às seis localizações estudadas, ou seja, Rio Frio, Porto Alto, Alcochete, Fonte da Telha, Montijo e Portela de Sacavém, abrangendo o controle do tráfego aéreo, as condições meteorológicas, a avaliação dos terrenos, o transporte entre Lisboa e as localizações sugeridas e, ainda, as possibilidades aquíferas das águas subterrâneas dos locais encarados. E, como estudos definitivos publicam-se a análise do regime dos ventos na região de Rio Frio, e os estudos de localização do novo aeroporto realizados pelas seguintes firmas: Systems Analysis and Research Corporation (S.A.RC.) e Howard Neediles Taromen and Bergendoff (H.N.T.B) em associação; e o consórcio luso-alemão Indesplano, Dorsch, Gerlach e Weidle

Lisboa, 26 de Julho de 2007
Rui Sanches
Revista "Ingenium" da Ordem dos Engenheiros
II Série, nº 101 Setembro/Outubro 2007

O "EXCELENTE" CURRICULO DE MÁRIO SOARES REFERENTE À DESCOLONIZAÇÃO DE ANGOLA


Extractos do livro ANGOLA, Anatomia de uma Tragédia, do General Silva Cardoso, Oficina do Livro.
Pg.330/331
"A interpretação jurídica que o Dr. Almeida Santos deu a esta cláusula era que ela obrigava " à consulta directa e universal das populações das colónias, na salvaguarda dos seus interesses dentro de princípios democráticos". Durante algum tempo e em quase todas as suas intervenções públicas, Almeida Santos e a maioria dos novos políticos da época reiteravam este princípio como essencial na definição da política ultramarina dentro da nova ordem democrática que se pretendia não se instituir como consolidar. Ao povo soberano, através do voto, ser-lhes-ia dada a possibilidade de decidir do seu futuro, salvaguardando os seus interesses. Inclusivamente Mário Soares, numa entrevista que em meados de Junho deu ao "Século", afirmou: "Portugal teria o respeito mais absoluto pela vontade das populações livremente expressa, aceitando a independência como uma das opções possíveis do direito dos povos à autodeterminação."
Não me admirava que a grande massa do povo português de todos os continentes aceitasse e compreendesse os princípios que iriam orientar a sua vida nos tempos que se avizinhavam. No entanto, pessoalmente, estava bastante céptico quanto à viabilidade prática da sua aplicação nos territórios ultramarinos. Reportando-me apenas a Angola, onde conhecia bastante bem a situação no terreno, não tinha quaisquer dúvidas sobre a impraticabilidade duma tal consulta, a curto ou médio prazo, visto uma guerra que ali se arrastara durante treze anos ainda não estar completamente debelada. Eu sabia, mas o pior e mais preocupante, era que os senhores do MFA, também o sabiam e nada fizeram para arranjar soluções alternativas sempre subordinadas aos interesses das gentes desses territórios. Algo parecia pouco claro em toda esta formulação de linhas de acçõ para resolver o problema da guerra que parecia ser um dos grandes objectivos do movimento do 25 de Abril. Foi com esta e outras bandeiras de liberdade, paz, democracia e progresso que mobilizaram e quase convenceram a grande massa do povo português. No entanto, a aceleração que imprimiram ao processo levaria à inevitàvel reacção e às dúvidas que se começaram a levantar quanto aos verdadeiros objectivos da revolução.
As minhas preocupações, decorrentes da agitação que se vivia em todos os sectores da vida nacional, conduziam à conclusão de que a questão do Ultramar, do maior significado para todo o espaço nacional, não iria ser resolvida democraticamente com se pretendia fazer crer mas, tão-somente, por via revolucionária. Só estranhava que um homem com a larga experiência e conhecimento de África como o Dr. Almeida Santos viesse convictamente a defender nas suas intervenções públicas este princípio inquestionável da consulta popular. Ele também devia saber ou ter a consciência de que esse processo era impraticável no contexto social das Províncias Ultramarinas.
Já não me admirava com a demagogia do Dr. Mário Soares quanto às soluções que defendia para o problema ultramarino que, em teoria, não se afastavam muito dos princípios constantes do programa do MFA, mas que na prática não tomavam em consideração os direitos da grande maioria das populações que nunca tinham estado envolvidas em qualquer tipo de conflito subversivo ou, tendo estado, acabaram por aderir voluntariamente às forças da ordem. Em Angola, onde tinha permanecido até Setembro de 1973, talvez mais de noventa por cento das suas gentes nada tinham a ver com a guerra e, por isso, a interpretação que Almeida Santos deu ao clausulado do programa relativo à política ultramarina me parecia correcta embora inexequível em termos práticos. O conhecimento que Mário Soares tinha de África, especialmente dos territórios sob administração portuguesa, advinha certamente, aliás como afirmou, dos contactos que mantinha com elementos ligados aos chamados movimentos de libertação, desertores e refractários das nossas Forças Armadas durante os seus exílios pela Europa, que condenavam a nossa presença naquela região do globo. Recordo a sua inoportuna presença na mesa da conferência de imprensa que o padre Hastings deu cm Londres uma semana antes da visita oficial a Inglaterra de Marcelo Caetano sobre a morte de civis inocentes ocorrido em Wiriyamu no distrito de Tete em Moçambique. Mário Soares nunca tinha visitado Moçambique, nem tão pouco Angola, não falara com nenhum dos protagonistas envolvidos na operação, mas estava ali para avalizar algo que só conhecia através das informações do próprio padre Hastings. Também este, por sua vez, não tinha estado no local e o seu relato era fruto do que lhe tinha sido dito por dois padres espanhóis duma missão de Tete. Estes também não eram testemunhas oculares do alegado massacre nem lá se tinham deslocado e baseavam a sua história em informações relatadas pelos sobreviventes que se dirigiram ao hospital de Tete para receberem tratamento médico sem qualquer receio dos portugueses, pois ali a situação era totalmente controlada pelas forças da ordem. Era esta informação difusa e dispersa que constituêa a razão de ser daquela conferência de imprensa a que a presença de Mário Soares pretendia dar credibilidade".
Pg.333
"Infelizmente, ao nível da execução, devido a factores inopinados e que não foi possível identificar, algo falhou e teve como consequência o incidente que logo na altura e ao longo dos tempos tem vindo a ser empolado e explorado na condenação dos métodos utilizados na forma como foi conduzida superiormente a contra-suversão. É certamente de lastimar o ocorrido que se insere dentro dos riscos inerentes à própria guerra, em especial quando a técnica do inimigo é dissimular-se no meio da população. Mas é curioso e salutar constatar que Portugal, conduzindo uma guerra em três frentes de combate num período de onze a treze anos, apenas um incidente deste tipo tenha sido referenciado e objecto de especulação política a que Mário Soares lamentavelmente se associou, não respeitando Portugal e as centenas de milhares de portugueses que por lá lutaram e alguns morreram. A sua presença naquela conferência de imprensa não poderá deixar de ser vista como um gesto de protagonismo pessoal. Claro que houve outras situações em que pessoas inocentes foram sacrificadas, mas tudo isso se terá de inserir dentro dos "custos" dum qualquer conflito armado. A nós, militares combatentes, apenas nos competia vencer a guerra no terreno para que a solução política fosse possível em condições mais favoráveis e, para tal, dispúnhamos de duas vertentes em que a nossa acção se teria de concentrar: eliminar o inimigo armado ou forçá-lo à rendição e conquistar as populações. Estes objectivos, por exemplo em Angola, foram plenamente atingidos. Mas que sabia o Dr. Mário Soares da guerra ou da própria realidade africana? Da guerra, o seu conhecimento só pode ser teórico e muito longe das condições em que centenas de milhares de portugueses se bateram com coragem e abnegação apesar de todas as carências e dificuldades que tiveram de enfrentar e, na minha opinião, não tinha um suficiente conhecimento de África que lhe permitisse fazer uni juízo concreto e realista da vivência das suas populações. Mas sabia e sabe as razões que o levaram a agir com tamanha destreza logo após o 25 de Abril.
Em 27 de Abril, Mário Soares regressou a Portugal do exílio, avista-se com Spínola e logo em 29 reúne o Conselho Directivo do PS".
Pg.334
"Tudo isto sem que tenha sido ainda definido no Programa do Governo, conforme previsto no do MFA, a política ultramarina. Será de pensar se as linhas-base desta política não tinham sido já definidas em Paris, Praga ou em qualquer outro local da Europa, entre Mário Soares, Cunhal e um ou dois elementos do MFA, onde certamente não faltaria Melo Antunes, o verdadeiro cárebro da descolonização. Importa lembrar que Mário Soares disse ser este o único dos "capitães de Abril" que conhecera antes da revolução ter tido lugar, tendo-se encontrado com ele várias vezes.(...)
Pg.355
"Até hoje não apareceram, embora outras fontes tenham vindo a fazer referências a encontros secretos algures na Europa em que toda a estratégia revolucionária teria sido estabelecida. Muitas vezes tenho-me perguntado qual a razão por que a URSS, a partir de 1972 começou a reduzir o apoio ao MPLA, que acabaria por cessar completamente em princípios de 1974.
Mas Mário Soares não pára, emergindo como o grande condutor dos novos destinos da Nação. Durante as comemorações do 1º de Maio ao lado de Álvaro Cunhal declara, que o primeiro passo para acabar com a guerra "consistir" em negociar com os movimentos de libertação, em sintonia com as palavras de ordem do PCP que proclamam "pelo fim da guerra colonial, pela suspensão imediata de todas as operações militares nas colónias, pela abertura de negociações com o MPLA, PAIGC e FRELIMO". E curioso salientar a falta de referências aos outros dois movimentos de Angola: UNITA e FNLA. Será altura de se pôr a questão sobre o tipo de interesses que são defendidos pelos movimentos de libertação: se duma qualquer superpotência, se a ambição pelo poder dos seus líderes ou se a vontade da grande maioria das populações dos territórios onde grassava a subversão e que não aderiram a esta subversão?"
Pg.366
"No entanto Mário Soares está determinado em prosseguir a sua missão. Logo após o comício do 1º de Maio, parte para uma digressão pelas principais capitais da Europa, donde tinha vindo cinco dias antes, para explicar aos seus contactos quais os objectivos do 25 de Abril, mesmo sem desempenhar qualquer função estatal, sem possibilidades de já ter uma noção clara do que de facto está a ocorrer e que está a fazer esta digressão a pedido de Spínola! E por mera coincidência, simples acaso, logo no dia 2 de Maio encontra-se com Agostinho Neto em Bruxelas. Passados quase vinte e cinco anos após o casual encontro, ainda não revelou o teor da conversa então havida. Agostinho Neto, abandonado pelos seus amigos da União Soviética, sem a sua força de combate mais significativa que se unira em volta de Chipenda, restando-lhe apenas uma escassas dezenas de homens no Congo-Brazzaville completamente desmotivados, era um líder política e militarmente vencido mas o escolhido para se negociar a paz em Angola! Na sequência da conversa havida com Mário Soares, declara ainda em Bruxelas no dia seguinte, isto é, em 3 de Maio, que "a luta não cessaria em Angola enquanto não fosse reconhecido o direito à autodeterminação e independência"Terá sido este o tipo de mercadoria que Soares lhe vendeu? Se alguns poderão ter dúvidas, pessoalmente reservo-me o direito de não as ter com base na evolução dos acontecimentos que vivi intensamente durante todo o processo da descolonização de Angola".
E não podemos deixar de concluir que foi em 2 de Maio de 1974 que Mário Soares deu o "pontapé de saída" para:
a descolonização que classificou, primeiro, como um incontestável sucesso, em seguida, de exemplar e, depois de constatar o seu fracasso, de ter sido a possível;
o arranque para a reabilitação de Agostinho Neto, o grande derrotado na luta em Angola e abandonado pelos quadros mais válidos do seu próprio movimento;
a tragédia que conduziu às mais dramáticas situações que se vivem hoje nos países resultantes da dita descolonização e com a qual Palma Carlos não quis ser conivente, demitindo-se das suas funções e declarando: "Não quero morrer como traidor à Pátria";
a aceleração da sua trajectória ascencional na política portuguesa.
Naturalmente que Mário Soares não esteve isolado em toda esta movimentação".
Pg.377
"Após ter sido empossado como ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares incrementa a sua actividade no campo específico da descolonização. Para além dos contactos com Agostinho Neto, encontra-se também com Aristides Pereira em Londres e Samora Machel, que cumprimenta com um efusivo e grande abraço, em Lusaka, ignorando tanto Savimbi da UNITA como Holden Roberto da FNLA".
Pg.348
"No dia seguinte, o chefe de gabinete informou-me de que seria oportuno avistar-me com alguns elementos da Coordenadora do MFA e com uma delegação do MPLA que, de Angola, se tinha deslocado a Lisboa a fim de apresentar superiormente os problemas que estavam a afectar, duma forma desastrosa, a vida naquele território. Já tinha conhecimento da presença desta delegação, à frente da qual veio o Dr. Diógenes Boavida, embora a generalidade da imprensa referisse, não uma delegação do MPLA, mas nacionalistas incluindo várias tendências políticas. Não manifestei a minha estranheza, mas esta referência não deixava de se inserir na estratégia de reabilitação do MPLA que era notória desde o primeiro encontro de Mário Soares, no dia 2 de Maio, em Bruxelas com Agostinho Neto.
Aliás esta estratégia foi perfeitamente confirmada por Iko Carreira, um dos homens do Comité Central do MPLA, quando no seu livro O pensamento estratégico de Agostinho Neto afirma: "O MFA (Movimento da Forças Armadas) que tomou o poder em Portugal, atrav�s dum golpe de estado, que derrubou a ditadura de Salazar e Caetano, tinha tendências esquerdistas. Esse facto, fundamentalmente, levou-o a dar um maior apoio ao MPLA."
No dia imediato, 18 de Julho, encontrei-me com a delegação do MPLA que era chefiada pelo Dr. Diógenes Boavida, advogado formado em Coimbra e antigo jogador da Académica, tendo-se deslocado na companhia de mais cinco elementos. Ouvi-os atentamente, encontrando-se a sua conversa na enorme agitação, com muita violência à mistura, que grassava em Angola e, muito especialmente, em Luanda. Toda aquela confusão era consequência do assassinato dum taxista, no dia 11 desse mês, e não se cingia a uma simples questão rácica, que até nem tinha sido significativa".
Pg.349
"O aparecimento de numerosas formações políticas de cariz altamente reaccionário e que conduziam toda a sua actividade no sentido de provocarem a maior instabilidade em todos os sectores em vez de, como seria natural, se preocuparem com a luta política no campo das ideias. Havia vidas humanas que estavam a ser sacrificadas e a guerrilha urbana parecia ter-se instalado sem que as autoridades responsáveis tomassem as medidas adequadas para se acabar com a crise. Apesar de todas as diligências levadas a cabo, parecia-lhes que a solução passava pela substituição imediata do governador-geral e das chefias militares. Não representavam apenas o MPLA, mas igualmente todas as formações políticas cujo ideário era convergente com o daquele movimento que, pela sua maior e mais significativa implementação em toda a Angola, estava em melhores condições para negociar com o Governo português a independência do território. Acrescentaram que lhes tinha constado a intenção do governador-geral de pretender oferecer ao Dr. Jonas Savimbi um lugar no aparelho governativo colonial. Jonas Savimbi, segundo eles, estava à frente dum movimento sem qualquer expressão, a UNITA, e ate combatera na guerra ao lado dos portugueses contra os verdadeiros nacionalistas. Desta forma o governador, em vez de procurar acalmar a situação, parecia "lançar mais achas para a fogueira".
Disse-lhes desconhecer a política ultramarina do governo central e que apenas tinha conhecimento de que essa política passaria por uma consulta às populações, como aliás o Dr. Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, afirmara recentemente numa entrevista ao "Século"; "Portugal teria o respeito mais absoluto pela vontade das populações livremente expressa, aceitando a independência como uma das opções possíveis do direito dos povos à autodeterminação."(...)
Pg.362
(...)"Agora já não tinha dúvidas de que a constituição da Comissão de Inquérito não passara de um mero expediente, concretizado à última hora, na sequência da minha recusa para "tomar conta de Angola", para se prosseguir dentro de uma linha de acção que visava, prioritariamente, a reabilitação da imagem do MPLA de que o encontro entre Agostinho Neto e Mário Soares era um exemplo e a ida a Lisboa da tal delegação chefiada por Diógenes Boavida, outro indicador bastante claro.
Após o almoço, fomos informados de que, ao fim da tarde, teríamos uma reunião com a coordenadora do MFA de Angola na fortaleza de S. Miguel onde estava instalado o Comando-Chefe da Forças Armadas. Já durante o café, conversei com o Pavão Machado que, como referi, exercia as funções de comandante da Região Aérea. Comentando a situação afirmou que "Angola estava entregue à bicharada mas nem por isso a Força Aérea deixava de cumprir as missões que lhe estavam atribuídas com o mesmo empenho de antes do 25 de Abril."

Referiu-me que tinham activado há uns dias atrás, no Tot� a UTCI (Unidade Táctica de Contra-Infiltração) pois haviam recebido notícias, através de mensagens interceptadas, que alguns grupos de guerrilheiros da FNLA se preparavam para entrar em Angola e reactivar a luta armada.(...)"
Pg.392
"Evidentemente que tudo isto era uma perfeita mistificação porque, no fundo, quem realmente detinha o poder continuava a ser a tal antena da 5.a Divisão ou do estado maior do senhor Kallenini principalmente através dos oficiais milicianos altamente politizados nos anos 68/69 e introduzidos nas Forças Armadas com o objectivo de as controlar e neutralizar. No fim eram estes senhores, coadjuvados por activistas do MPLA e tendo por conselheiros elementos do PCUS, entretanto infiltrados, que conduziam toda a estratégia, no interior de Angola, para entregar o poder ao MPLA. Era, sem dúvida, um dos "jogadores" a pôr em prática a sua ordem de batalha para alargar a sua influencia a este imenso e riquíssimo território. Havia, no entanto, uma questão que ainda os preocupava e que era por vezes abordada ao nível da Junta: a não resolução do problema da chefia do MPLA onde o entendimento entre as três facções parecia difícil. O congresso agendado para o dia 8 de Agosto nos subúrbios de Lusaka, passados dois dias, ainda não tivera início e grossas nuvens pareciam pairar sobre a sua realização. A luta pelo poder iria ser renhida e, teoricamente, só um vencedor seria aceite pelas entidades que reconheciam ou davam apoio ao MPLA: Agostinho Neto. O próprio Mário Soares, no seu livro, Portugal Amordaçado, dá como certa a nomeação do Dr. Agostinho Neto chefe do Estado Angolano. Mas o congresso não arrancava e a imprensa de Lusaka refere os acontecimentos de Angola, em especial, os incidentes que decorreram nos muceques de Luanda da responsabilidade de grupos afectos ao MPLA e à FNLA. Tratava-se não duma qualquer limpeza étnica, mas tão-só da luta pela conquista da supremacia política em Luanda através da acção do Poder Popular e duma comunicação social orientada para a defesa dos princípios ideológicos da doutrina comunista.
Entretanto o congresso acaba por arrancar, mas no dia 25 de Agosto, Agostinho Neto fica em minoria após a apreciação de um relatório onde constavam as suas actividades durante a guerra de libertação e que conduziu a um total fracasso e à suspensão de todos os apoios do exterior, principalmente da URSS.(...)
Pg.402
"Mas a esperança de ver nascer a companhia de Páraquedistas depressa se transformou em profunda desilusão. Dos vinte e oito homens que tinham recebido a boina verde, cerca de dois terços desertaram nos dias seguintes e todo o projecto morria aqui. Perdia esta batalha, como muitas outras que já havia perdido ao longo da minha vida e mais algumas que, no futuro, ainda haveria de perder. Mas a vida é mesmo assim. Nem sempre se é vencedor e quando, por qualquer razío, a derrota nos bate à porta, temos apenas que considerá-la como um normal incidente de percurso e prosseguir. Os desertores acabaram por ir engrossar o poderio militar do MPLA e os restantes foram passados à disponibilidade, ignorando-se qual o destino que tiveram mas admitindo-se que tenham sido aliciados a ingressar noutro movimento. Tudo tinha sido preparado durante a fase de instrução e aqueles homens de Angola, contrariamente ao que se pensava, não iriam contribuir para a paz e concórdia entre todos os angolanos, mas fortalecer uma das partes em luta pelo poder.
Desta forma, o movimento de libertação MPLA que na altura do 25 de Abril tinha caído ao seu nível mais baixo de sempre, parecia, a pouco e pouco, ressurgir do lodaçal onde estava atolado. Após duas tentativas frustradas em Lusaka para resolver o problema da direcção, acaba por encontrar uma solução, já em meados de Setembro, no Congo-Brazzaville quando neste país decorria uma conferência de líderes africanos. Agostinho Neto saiu vencedor e Pinto de Andrade e Chipenda, tornados vice-presidentes, depressa desapareceram da cena política. Resolvida esta questão, era importante pensar na componente militar reduzida à sua mais ínfima expressão. Primeiro conseguiram criar o chamado poder popular cuja acção foi determinante para a obtenção da supremacia política dentro de Luanda. Em seguida, com base nos efectivos angolanos que, integrados nas nossas Forças Armadas, iam passando à disponibilidade começaram, com a ajuda de alguns elementos do MFA, a entrar para as FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola). Era a reabilitação do MPLA iniciada por Mário Soares a 2 de Maio em Bruxelas no seu encontro com Agostinho Neto e que não mais tinha cessado de crescer".(...)
Pg.404
"Entrava-se no mês de Setembro e a problemática da descolonização continuava um mundo de contradições e indefinições. Ninguém responsável conseguira definir a política ultramarina na sequência do 25 de Abril. Cada um agia de acordo com a sua consciência, os seus interesses ou as directivas recebidas de quem detinha o poder neste campo específico da vida nacional. No exterior, Mário Soares, Almeida Santos, Melo Antunes e outras personalidades de menor relevo, movimentavam-se intensamente para resolver o que consideravam ser o problema primeiro do País.
Mário Soares, curiosamente o que menos conhecia da realidade dos territórios africanos ligados a Portugal, era o mais activo. Mantivera, durante o exílio, alguns contactos com os principais líderes dos movimentos de libertação que, movidos por interesses raramente coincidentes com os das populações, lhe transmitiam uma imagem parcial, distorcida e falseada que não podia servir de base à accão que vinha desenvolvendo. Ao considerar os movimentos de libertação como os únicos legítimos representantes dos povos desses territórios, não incluía a grande massa de trabalhadores que nunca tinha pegado em armas mas que dera um contributo altamente válido para o desenvolvimento e progresso dessas regiões".(...)
Pg.405
Poderá e deverá perguntar-se, porque corria Mário Soares?
- Para libertar essses povos do jugo colonial?
- Numa manobra de puro protagonistno em busca duma reafirmação pessoal no espaço nacional e internacional?
- No cumprimento de directivas dos verdadeiros e mais interessados promotores do problema ultramarino com objectivos bem precisos?
Analise-se com cuidado o percurso de Mário Soares, desde o 25 de Abril até ao 11 de Março de 1975, ou mesmo antes, quando começou a tomar consciência de que o "poder" que tanto ambicionava e pelo qual lutara tão arduamente durante tanto tempo, parecia escapar-se-lhe e ameaçava cair nas mãos dos comunistas. É, no mínimo, curioso verificar que Cunhal, talvez um dos principais interessados em entregar à URSS a tutela dos territórios ultramarinos, nunca se envolveu directamente no processo de descolonização, limitando-se a sua acção a meras declarações de circunstância. Em quantos encontros desde Bruxelas, Londres, Dakar, Argel, Lusaka e outros locais, onde se decidiu o futuro das colónias portuguesas, participou o Dr. Álvaro Cunhal? Mas alguém, minimamente avisado, acredita que o patrão dos comunistas portugueses, esteve inactivo nesta matéria ou se limitou a simples espectador? Seria demasiado ingénuo pensar-se assim. Não deu a cara, como aliás a maioria dos comunistas, para não criar um clima de suspeição e até medo, mas não se limitou a ser um observador atento apesar de as coisas lhe correrem de feição. A sua acção e dos seus correligionários directos manteve-se oculta, mas altamente eficaz. Manobrava na sombra e sempre muito atento ao que se ia desenrolando em todos os quadrantes da vida nacional. Conhecia perfeitamente os objectivos da descolonização (...)"
Pg.407/9
"Nelas participavam portugueses, nossos concidadãos, traidores, que não enviando ultimatos, mas escondendo-se sob manto hipócrita dos Direitos do Homem, aí decidiram a estratégia para acabar com o tal Portugal pluricontinental e multi-racial. Mas contém essa carta de Norton de Matos um último ponto da maior relevância: "Temos dentro da nossa casa o inimigo na pessoa dos comunistas". Comunistas que foram, sistemática e arduamente, combatidos pelo Estado Novo e, aparentemente, sem sucesso. Obrigou-os a actuar na clandestinidade e causou-lhes alguns "incómodos". Mas permaneceram, engrossaram, disseminaram-se e nos últimos tempos, graças a uma boa fatia dos elementos do MFA e com Vasco Gonçalves na chefia do Governo, quase foram capazes de controlar o País, dominando todos os sectores da vida nacional. O polvo lançara os seus tentáculos, movendo-se com rapidez e segurança para garantir os tais objectivos decididos algures na Europa com a presença de compatriotas nossos e pouco tinha a ver com as tais "amplas liberdades" e a almejada democracia (...)".
Foram poucos os protagonistas na implementação desta estratégia mas muitos os "usados", os "oportunistas" e os "ingénuos". O cérebro da chamada dcscolonização foi materializado, no contexto nacional, por Melo Antunes, utilizando Mário Soares como motor de arranque que n�o parou até ter entregue nas mãos dos nacionalistas africanos ligados à URSS os destinos daqueles ricos e estratégicos territórios.
Pg.408
(...) "Depois entregou-se, de alma e coração, à luta pelo poder no pequeno rectângulo com os apêndices das ilhas atlânticas. Haverá mais um protagonista da descolonização bastante badalado que, na minha opinião, se limitou a apanhar o comboio mas sem conhecer exactamente o destino desse comboio. Afirmou-se, inicialmente, pela defesa de princípios genuinamente democráticos, mas depressa compreendeu o desvario que parecia ter-se instalado no processo da descolonização. Apesar de tudo, o seu envolvimento forçado pelas funções que desempenhava — Ministro da Coordenação Interterritorial — mostrou em muitas situações, particularmente difíceis, tentar rumar contra a maré e encontrar as soluções mais adequadas naquela completa e perfeita tragédia que caiu sobre aqueles povos e os arrastaria para o lodaçal onde ainda hoje alguns sobrevivem e outros se arrastam para a morte. Trata-se, naturalmente, de Almeida Santos"(...).
Ao rever o programa do movimento das Forças Armadas, ainda antes do 25 de Abril, quando foi chamado a protagonizar o golpe militar, em nada alterou do que nele constava a respeito da política ultramarina apesar de tal questão já ter sido objecto de acesa polémica entre os "abrilistas" com várias versões, mas vencendo a que deixava tudo em aberto e que não mereceu qualquer reparo do Gen. Spínola até ao eclodir da revolução. Após a sua concretização vitoriosa e antes de se divulgar o plano, o já Presidente da Junta de Salvação Nacional exige alterações de fundo na definição da política ultramarina que conduziram a todo um conjunto de cisões entre os revolucionários que acabaram por facilitar a missão aos verdadeiros promotores da descolonização e seus agentes. Seria inimaginável alterar os planos cuidadosamente elaborados pelos responsáveis do golpe em matéria de política ultramarina. Recorde-se, que mesmo antes do programa se tornar público, já Mário Soares se encontrara com Agostinho Neto em Bruxelas e com Aristides Pereira em Dakar. Não foi certamente tratar de assuntos privados mas, sem dúvida, preparar o terreno para o que viria a constituir uma das maiores tragédias da história contemporânea de Portugal (...)"
Pg.430
"MPLA – Completamente destroçado militar e politicamente, sem força e com graves problemas internos, inicia a sua recuperação logo a 2 de Maio no encontro de Mário Soares com Agostinho Neto em Bruxelas e, dias depois, com o diplomata Nunes Barata em Genebra. A partir daqui desconheço as diligências das nossas autoridades para conseguirem o cessar-fogo. Apenas tive conhecimento das dificuldades que o MPLA sentiu para encontrar um líder que só poderia ser Agostinho Neto ao qual restavam umas dezenas de guerrilheiros estacionados no conjunto fronteira de Cabinda.
Consegue, entretanto, criar o poder popular e instalar o caos e a inseguran�a em Luanda. Acaba por assinar um cessar-fogo nas "terras liberadas" da chana no Leste de Angola que, para além de tudo mais, deixou a porta aberta para a formação do seu exército (as famosas FAPLA) à base da maioria dos quadros e soldados que passavam à disponibilidade com a extinção da quase totalidade das unidades das nossas forças armadas do recrutamento local. Mais uma vez numa clara posição de força, deu-se tudo - mais uma vitória do MFA com a prestimosa colaboração de Mário Soares".
Pg.463
(...) "É importante salientar que Mário Soares, tendo iniciado uma autêntica maratona em prol da descolonização, logo após o 25 de Abril, e que teve como ponto de partida Bruxelas, onde se encontrou com Agostinho Neto e depois, para além de outros países europeus, se estendeu a África, nomeadamente Argélia, Zâmbia, Zaire, Senegal, Tunísia, nunca considerou ser importante fazer uma visita aos territórios que eram objecto de negociações visando a sua independência. Naturalmente que isso seria o mínimo que se poderia esperar de qualquer dos principais obreiros da descolonização se, de facto, eles estivessem preocupados em defender os interesses de Portugal dos povos desses territórios.
Pelos fins de Novembro, já ninguém em Angola tinha dúvidas de que apenas os movimentos de libertação seriam os únicos interlocutores nas negociações com Portugal. Para além de outras vozes discordantes, a FUA reage através de um comunicado, denunciando a traição de que estava a ser vítima a grande maioria do povo angolano (...)"
Pg.466
(...)" Com este comunicado a FUA, de Fernando Falcão, parece ter acordado e denuncia toda a traição que tem envolvido o processo e confirmada pelas falsas declarações dos principais responsáveis quanto à participação de outras forças políticas. Só agora, em princípios de Dezembro, o Eng. Falcão tomou consciência do logro em que tinha caído com as falsas promessas de Rosa Coutinho e Melo Antunes. Mas esqueceu-se de Mário Soares que, mesmo antes do enunciado dos princípios que deviam presidir à descolonização em Angola pela Junta de Salvação Nacional, já afirmava que os únicos e legítimos representantes das suas populações eram os movimentos de libertação.
Pg.468
(...) "A situação era nestes finais de Dezembro altamente complexa, parecendo que os campos se extremavam e que iríamos ter os dois "jogadores" em confronto no palco de Angola. Já não tinha dúvidas quanto à intenção do Rosa Coutinho e da "rapaziada" da estrutura do MFA de Angola de que tudo deveria ser conduzido de molde a dar o poder ao MPLA, como referira Mário Soares em Portugal Amordaçado. O repórter do "London Observer" escreve de Luanda a 30 de Janeiro de 1975: "O Almirante Rosa Coutinho — então Alto-Comissário português — e muitos outros oficiais portugueses aqui presentes manifestam simpatia pelo MPLA e este facto levanta suspeitas, entre os outros dois grupos e grande parte dos brancos de Angola, de que a administração planeia apoiar o MPLA." Muito posteriormente, em 1987, quando Rosa Coutinho participou no programa canadiano "Novas Guerras de Libertação — Angola afirmou: "Eu sabia perfeitamente que não se poderia realizar naquela altura eleições, porque Angola se encontrava ainda a viver um período de turbulência... Eu afirmava então que a única saída seria reconhecer o MPLA como única força capaz de dirigir o território e que Portugal devia fazer um acordo separado com o MPLA e transferir o poder para aquele movimento na data fixada para a independência, 11 de Novembro de 1975."(...)
Pg.473
(...)"A FUA luta desesperadamente para, conforme sucessivamente prometido, ter um papel activo no processo de descolonização. Esqueceu-se Fernando Falcão, curiosamente como secretário de Estado adjunto que, já em Maio, Mário Soares considerava os movimentos de libertação os únicos e legítimos representantes dos povos dos territórios colonizados e chegou a afirmar que só o MPLA e a FN LA deviam ser considerados, o que não deixa de ser insensato uma vez que estes dois movimentos tinham extremado as suas posições tornando impossível qualquer tipo de consenso. Afinal representavam confessadamente interesses externos que não se combatiam de armas na mão, conforme se deduz das palavras de Kissinger, ao apoiar a FNLA para impedir o alastramento do comunismo soviético em qualquer parte do mundo. Entretanto outras cartas são lançadas para o baralho para mais complicarem o jogo já de si muito pouco claro e com "batota" evidente da maioria dos jogadores (...)"
Pg.504/6
"11 de Janeiro de 1974, Hotel da Penina. (...) A peça teatral, sem qualquer ensaio pr�vio, visava mascarar a traição ao povo angolano e iria ter com certeza o aplauso duma parte do mundo. A farsa resultara em cheio, mas o drama catastrófico viria depois e iria arrastar-se por longos e infindáveis anos até ao holocausto final. E aquela grande parte do mundo que rejubilou na altura, hoje nem tem consciência da tragédia que ajudou a promover. Ou talvez a tenha, mas cobardemente opta por tudo branquear sem coragem para assumir a sua quota-parte de responsabilidade. Dois exemplos claros podem ser apresentados. Muito recentemente, neste Verão de 1999, Melo Antunes considerou como tragédia a descolonização da qual ele foi um dos principais condutores, enquanto o seu parceiro de acção, Mário Soares, confiando na falta de memória do povo e no oportunismo intelectual dos que sabem o que realmente se passou, cala e não tem coragem para assumir a sua própria e grande irresponsabilidade, escondendo-se por detrás de banalidades, falando da descolonização possível.
Pg. 540
"(Rosa Coutinho) Naturalmente não saiu satisfeito, sendo esta a primeira e a última vez em que falámos a sós. Não encontrara em mim um Rosa Coutinho disposto a apoiá-lo e a levá-lo ao poder. Entretanto também não podia contar com o seu amigo Mário Soares que se tinha aposentado da descolonização, porque outras questões mais importantes se perfilavam na sua frente como a subida ao poder em Portugal (...)"

Perante este "excelente" currículo de Mário Soares referente à descolonização de Angola poderemos concluir que ele foi um dos grandes culpados pela tragédia que se abateu sobre o povo de Angola, brancos, pretos e mestiços e que provocou a destruição de um país, milhares de mortos e estropiados e que, de um país próspero e rico que era em 1975, hoje é um dos países mais pobres que tem de recorrer à ajuda internacional para subsistir porque a riqueza está nas mãos de alguns camaradas, dos kuribecas e dos previligiados.
Por isso, o almirante vermelho Rosa Coutinho e Mário Soares são as pessoas mais execradas pelos portugueses que nasceram e viveram em Angola !

HOLOCAUSTO EM ANGOLA - UM LIVRO A NÃO PERDER

Autor: Américo Botelho
Editora Vega
Formato 24,5 x 17,5 - 612 páginas
Ano 2007 - 1ª edição
Preço 25,00 €
Angola 1975


Enquanto em Luanda, sob o troar dos canhões na batalha de Kifangondo, Agostinho Neto proclama, perante a África e o Mundo, a independência de Angola, em simultâneo, em Carmona, hoje Uige, e em Nova Lisboa, hoje Huambo, os ainda aliados, Holden Roberto e Jonas Savimbi, proclamavam a efémera República Democrática de Angola.
O que resultou dessa dupla e antagónica proclamação foi uma das mais sangrentas guerras fratricidas que dizimou para cima de 100.000 pessoas para só falar de angolanos.
A maior parte deles, presos, torturados e assassinados sumariamente sem culpa formada e sem um julgamento legal.
Sobretudo pós 27 de Maio quando, face ao golpe Nitista, os ânimos e ódios se extremaram e Agostinho Neto, sedento de poder único e absoluto, não olha a meios, mesmo os mais sanguinários, para o conquistar e deter.
As prisões e campos de concentração vão-se enchendo de cidadãos, nacionais e estrangeiros, acusados dos crimes mais diversos e inimagináveis.
A terra angolana cobre-se assim de sangue numa escalada de violência e de crimes nunca vista.
Com o auxílio dos soviéticos e dos cubanos, o MPLA, Agostinho Neto e as forças da ordem, Disa e militares, não poupam nenhum dos considerados opositores ou discordantes do regime ditatorial que pretendem impor e os fuzilamentos em massa começam a entrar na ordem do dia.
É neste cenário terrível que o Autor deste livro, Américo Cardoso Botelho, se vê detido e mergulhado na masmorra de uma prisão onde diariamente são cometidos os maiores atentados à vida e aos direitos humanos.
Durante cerca de 5 anos, Américo Cardoso Botelho conhece os horrores desse inferno prisional e mercê de uma coragem excepcional não só resiste às provações que lhe são impostas como consegue registar tudo o que vê e lhe contam outros prisioneiros, alguns deles hoje ainda vivos e citados no livro.
Os casos de barbárie e crueldade humana a que assiste e lhe são transmitidos são narrados com uma isenção exemplar, não por ajuste de contas ou retaliação das penas sofridas, mas por uma assunção de justiça e julgamento dos principais autores desses crimes (alguns deles a ocuparem hoje lugares de relevo no governo de José Eduardo dos Santos), pela memória de todos quantos foram vítimas desses crimes e em respeito às famílias que ainda hoje ignoram onde param os corpos dos seus parentes para fazerem o luto e as honras funerárias.
Contextualizando as circunstâncias históricas e politicas que estão na raiz dessa luta sangrenta e fazendo eco do sofrimento, tortura e morte de muitos dos seus colegas de prisão, Américo Cardoso Botelho dá-nos um testemunho impressionante e de inestimável valor para que, à semelhança do que aconteceu em Nuremberga em relação ao holocausto nazi, as entidades internacionais se detenham nesse outro holocausto e promovam o julgamento de todos quantos estão na sua origem.

sábado, 29 de dezembro de 2007

2008 - PORTUGAL NO SEU MELHOR - UM ANO DE ATROPELOS E VERGONHAS POLÍTICAS

O ano de 2007 foi pródigo em gafes e atropelos nas explicações dadas pelos nossos políticos sobre decisões e acontecimentos polémicos.
Desde a licenciatura do primeiro-ministro que, durante a Primavera, foi o tema predilecto dos quadros humorísticos dos Gato fedorento na RTP, até ao apelo de Cavaco Silva a um maior pendor procriativo por parte das gentes lusas - um repto descontraído e até um pouco gracejante, fora do registo do presidente da República -, muitos foram os exemplos.
Noutros casos - cómicos por ser penoso ver um governante falar sem noção das consequências - mais valia os políticos em causa terem reflectido um pouco antes de dizer o quer que seja.
Como aconteceu com os ministros da Economia, Manuel Pinho, na visita oficial à China, e o das Obras Públicas, Mário Lino, quando comparou a margem sul a um deserto. Para meses depois admitir que o novo aeroporto em Alcochete até pode bem ser uma solução interessante.
Não tendo o presidente da Assembleia da República, o socialista Jaime Gama, tido a mesma notoriedade anedótica do antecessor, o social-democrata Mota Amaral, quando se referiu a um "curioso número", restaram os protagonistas do costume. Falamos, é claro, das habituais picardias corrosivas do presidente do Governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, ao Governo da República - sobretudo por causa da lei das Finanças Regionais - e a igualmente costumeira deselegância de Mário Soares sobre qualquer assunto, ainda que a sua opinião possa embaraçar o Executivo ou o partido de que foi fundador.
Também um "habitué" em questões de lapsos e de rápidas rectificações, Marcelo Rebelo de Sousa apostou com firmeza que a liderança do PSD se manteria em Marques Mendes e teve de dar o dito pelo não dito ao confirmar-se a vitória de Luís Filipe Menezes. Isto para além do reparo que o professor teceu à presidente da Mesa do Congresso, Manuela Ferreira Leite, por não ter manifestado, de forma inequívoca, o seu apoio a Marques Mendes. A ex-ministra considerou que a opinião do comentador e antigo líder social-democrata foi de teor pessoal e abusiva e, desse modo, terminou uma amizade com algumas décadas de existência.
Em suma, momentos para relembrar antes do fim de 2007 e numa época em que os políticos andam mais comedidos... com as palavras. Licenciatura de Sócrates explicada em directo. Em Abril, em entrevista à RTP, José Sócrates justifica ter pedido transferência do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) para a Universidade Independente (UnI) por, na UnI, haver uma licenciatura e o curso do ISEL apenas lhe dar equivalência.
Além disso, refere, a UnI "era perto do ISEL" e tinha regime pós-laboral. Havia, contudo, uma questão que pareceu não incomodar o então deputado socialista o curso da UnI não era reconhecido pela Ordem dos Engenheiros. Luís Arouca, reitor da UnI aceitou a candidatura sem lhe ter sido entregue o certificado de habilitações do ISEL e as classificações de quatro cadeiras foram lançadas num domingo de Agosto.
Sócrates alega que "um aluno não é responsável pelo funcionamento" da universidade que frequenta. O primeiro-ministro diz ainda que integrava uma turma "especial, de alunos oriundos de outras instituições", razão pela qual foi Arouca o docente de Inglês Técnico e não o regente da cadeira.
Uma enorme coincidência foi a explicação dada para o facto de António José Morais, filiado no PS e antigo ocupante de cargos dirigentes nos governos de Guterres e de Sócrates, ter sido, ao mesmo tempo, professor de três disciplinas que faltavam ao futuro líder do PS. Quanto ao constar, na sua biografia de deputado, como "engenheiro civil", o chefe de Governo disse não se lembrar por já ter sido há 14 anos.
Cavaco pede entusiasmo para se fazer mais filhos.
No final de uma visita de dois dias aos concelhos da Guarda e de Gouveia, no dia 24 de Novembro, o presidente da República quis saber "Por que é que nascem tão poucas crianças?".
E questionou: "O que é preciso fazer para que nasçam mais crianças em Portugal?".
Numa das suas intervenções mais espontâneas ao longo deste ano, Cavaco ainda referiu não acreditar "que tenha desaparecido nos portugueses o entusiasmo por trazer novas vidas ao mundo".
Contribuam para tornar Portugal mais... pobre.
Foi a 21 de Maio, no Parlamento, no discurso que abriu o plenário sobre a Lei da Nacionalidade, que da garganta do primeiro-ministro saiu uma das gafes mais hilariantes do ano. José Sócrates queria pedir a todos os portugueses que contribuíssem para tornar Portugal um país mais próspero, mas foi traído na verbalização. "Quero deixar-vos também uma palavra de confiança, confiança em vós, nas vossas famílias e a certeza que cada um dará o seu melhor para um país mais justo, para um país mais pobre... perdão, para um país mais solidário, mais próspero, evoluído", foi o que se ouviu.
Cavaquismo inspira corte nas férias judiciais
Em meados de Janeiro, em entrevista ao "Expresso", o ministro da Justiça, Alberto Costa, afirma que a redução das férias judiciais para apenas um mês foi uma sua medida de "inspiração cavaquista" e elogia o "ímpeto reformista" dos governos de Cavaco Silva no final da década de 80.
Manuel Pinho elogia baixos salários nacionais.
Na visita oficial à China, num seminário em Pequim, a 1 de Fevereiro, perante 300 empresários chineses, o ministro da Economia diz que a mão-de-obra portuguesa é barata, logo uma vantagem competitiva a aproveitar. Foi esta a terceira razão apontada por Manuel Pinho para se investir em Portugal "Somos um país competitivo em termos de custos, nomeadamente, os custos salariais são mais baixos do que a média da União Europeia."Ministro anuncia postos de trabalho que já existiam.
Face o despedimento de 500 trabalhadores da fábrica Delphi, em Maio, o ministro garantiu, em Bruxelas, que a multinacional tinha criado 250 postos de trabalho em Castelo Branco. Só que esses empregos já se encontravam preenchidos desde 2006.
Piada sobre Sócrates suspende professor.
Segundo a nota de culpa da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), no dia 19 de Abril, o professor de Inglês e ex-deputado do PSD, Fernando Charrua, disse "Somos governados por uma cambada de vigaristas e o chefe deles todos é um f... da p...". Charrua alega que o insulto é "falso" e adianta que o comentário foi sobre a licenciatura de Sócrates, ocorreu dia 20 de Abril, num restaurante, onde estava com um colega e a directora da DREN, Margarida Moreira, que até terá respondido que, através do programa Novas Oportunidades, o primeiro-ministro poderia sanar essa questão. A suspensão de Charrua foi retirada semanas mais tarde. Pela própria ministra da Educação.
Frase de Correia de Campos exonera funcionária.
Foi no final de Junho. Um médico amplia um artigo de jornal em que o ministro da Saúde, Correia de Campos, diz nunca ter ido a um SAP (Serviço de Atendimento Permanente). O clínico agarra numa caneta e acrescenta "Façam como o ministro, não venham ao SAP". No inquérito que foi realizado, o médico admite a autoria da fotocópia e da frase. A administrativa do Centro de Saúde de Vieira do Minho, Maria Celeste Vilela Fernandes Cardoso, acaba por ser exonerada.SEC propõe que se diga mal do Governo, mas em casa.
Dias depois, a 5 de Julho, na apresentação do relatório anual do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, a secretária de Estado adjunta e da Saúde, Carmen Pignatelli diz "Vivemos num país em que as pessoas são livres de dizer aquilo que pensam... desde que seja nos locais apropriados". E foi ainda mais explícita: "Eu sou secretária de Estado, aqui nunca poderia dizer mal do Governo. Aqui. Mas posso dizer na minha casa, na esquina, no café. Tem é de haver alguma sensibilidade social.
"Lino diz que é engenheiro civil inscrito na Ordem".
A 4 de Maio, quando a polémica sobre a licenciatura do primeiro-ministro começava a ser esquecida, Mário Lino puxa dos galões e na abertura do 3.º Congresso do Oeste, em Alcobaça, para acusar de pouco sérios os argumentos dos que defendem o aeroporto na margem sul, brada "Digo isto com consciência profissional, evocando a minha condição de engenheiro civil, engenheiro inscrito na Ordem dos Engenheiros". A gargalhada foi geral. Ministro afunda-se no deserto da margem sul.
A 23 de Maio, num almoço da Ordem dos Economistas, o ministro das Obras Públicas recusa construir o aeroporto em Alcochete. "O que eu acho faraónico é fazer o aeroporto na margem sul, onde não há gente, onde não há escolas, onde não há hospitais, onde não há cidades, nem indústria, comércio, hotéis e onde há questões da maior relevância que é necessário preservar. "Lino não acerta na data e recua na localização.
Na mesma ocasião, Lino fala do calendário do projecto "Vamos lançar o concurso no segundo semestre de 2009". De repente, dá conta do lapso e rectifica: "Vamos lançar o concurso no segundo semestre de 2007". E a 12 de Junho - apenas 15 dias depois - anuncia ter pedido ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) um estudo comparativo entre a Ota e Alcochete.
Alberto João Jardim escapa ao "espeto"Quinze antes das eleições legislativas antecipadas, a 6 de Maio, na Madeira, causadas pela sua demissão, Alberto João Jardim disse "Os socialistas contavam que roubando o dinheiro à Madeira, pegavam no Alberto João, pegavam no PSD, metiam no espeto, punham o Alberto João a grelhar ao lume e o Alberto João saía que nem um franguinho assado". "Só que eu gosto de frango e de frangas, mas servir de espeto...", é que não, percebeu-se. Jardim foi reeleito por mais quatro anos. Com maioria absoluta.
Almeida Santos diz que Ota é melhor contra terrorismo.
A 24 de Maio, no fim de uma reunião da Comissão Nacional do PS, Almeida Santos lança um novo argumento pró-Ota é menos vulnerável ao terrorismo. "Um aeroporto na margem sul tem um defeito: precisa de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada? Quem quiser criar um grande problema em Portugal, em termos de aviação internacional, desliga o Norte do Sul do País".
Santana sai de entrevista por causa de Mourinho...
Dia 26 de Setembro à noite, Pedro Santana Lopes abandona, a meio, a entrevista que estava a dar à SIC Notícias sobre a eleição para a liderança do PSD. Por ter sido interrompido pelo directo da chegada de José Mourinho a Lisboa. "Eu vim com sacrifício pessoal e sou interrompido por causa da chegada de um treinador de futebol... Acho que o país está doido."... e compara Sócrates ao homem da Regisconta.
11 de Dezembro, no debate mensal com o primeiro-ministro, Santana Lopes diz a Sócrates "O senhor primeiro-ministro não pode querer ser o homem da Regisconta, que é uma máquina. E a Regisconta até faliu...".
Telemóvel do PGR faz "barulhos esquisitos"
A 20 de Outubro, Pinto Monteiro diz, em entrevista ao "Sol", que desconfia que é escutado. "Eu próprio tenho muitas dúvidas que não tenha telefones sob escuta. Como é que vou lidar com isso? Não sei. Como vou controlar isto? Não sei". "Penso que tenho um telefone sob escuta. Às vezes, faz uns barulhos esquisitos.
"Soares chama "desgraça" à eleição de Menezes..."
Foi uma desgraça o que aconteceu no PSD", disse Mário Soares à TSF, a 30 de Setembro, sobre a eleição de Luís Filipe Menezes. "Aquilo que sucedeu é uma coisa que não nos agrada". E explica porquê "Um Governo precisa de uma Oposição forte e estruturada, porque senão o Governo pode dizer que não há alternativa e que pode fazer o que quiser".... e manda Sócrates virar um pouco à Esquerda"
Gostaria que o PS agora se voltasse um bocadinho mais para a esquerda", afirma o ex-chefe de Estado, no dia 11 de Novembro, ao "Diário de Notícias", opinando que a partir de agora, o PS deverá "dialogar com os sindicatos".
Um tratado "porreiro" ou demasiado confuso
Dias antes do Tratado de Lisboa ser assinado e dois meses após Sócrates ter murmurado a Durão Barroso "Porreiro, pá!", acerca do consenso obtido entre os 27 estados- -membros, Mário Soares deu, em Coimbra, a sua sincera opinião sobre o documento: "O Tratado de Lisboa não é muito especial. No que conheço, é muito confuso.
Nem é pequeno nem é claro. É o mais confuso possível".

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O CRIME ORGANIZADO

Ou há democracia e o direito é igual para todos ou então ... comem todos

E se as coisas continuarem assim, não me admira NADA que um dia destes se caminhe para uma situação idêntica a esta.
Qualquer dia, o sector privado quer ter os mesmos direitos que o governo e, acho muito bem!!!
Obviamente!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Por Alice Vieira - Escritora
Li num jornal que a senhora ministra da Educação está contente. E, quando os nossos governantes estão contentes, é como se um sol raiasse nas nossas vidas. E está contente porque, segundo afirmou, a violência nas escolas portuguesas, afinal, não existe.
Ao que parece, andamos todos numa de paz e amor, lá fora é que as coisas tomam proporções assustadoras, os nossos brandos costumes continuam a vingar nos corredores de todas as EB, 2/3, ou como é que as escolas se chamam agora. Tenho muita pena de que os nossos governantes só entrem nas escolas quando previamente se fazem anunciar, com todas as televisões atrás, para que o momento fique na História.
É claro que, assim, obrigada, também eu, anda ali tudo alinhado que dá gosto ver, porque o respeitinho pelo Poder é coisa que cai sempre bem no coração de quem nos governa, e que as pessoas gostam de ver em qualquer telejornal. Mas bastaria a senhora ministra entrar incógnita em qualquer escola deste país para ver como a realidade é bem diferente daquela que lhe pintaram ou que os estudos (adorava saber como se fazem alguns dos estudos com que diariamente se enchem as páginas dos jornais) proclamam.
É claro que não falo daquela violência bruta e directa, estilo filme americano, com tiros, naifadas e o mais que houver. Falo de uma violência muito mais perigosa porque mais subtil, mais pela calada, mais insidiosa. Uma violência mais "normal". E não há nada pior do que a normalização, do que a banalização da violência. Violência é não saberem viver em comunidade, é o safanão, o pontapé e a bofetada como resposta habitual, o palavrão (dos pesados...) como linguagem única, a ameaça constante, o nenhum interesse pelo que se passa dentro da sala, a provocação gratuita ("bata-me, vá lá, não me diga que não é capaz de me bater?
Ai que medinho que eu tenho de si...", isto ouvi eu de um aluno quando a pobre da professora apenas lhe perguntou por que tinha chegado tarde...) Violência é a demissão dos pais do seu papel de educadores - e depois queixam-se nas reuniões de que "os professores não ensinam nada". Porque, evidentemente, a culpa de tudo é sempre dos professores - que não ensinam, que não trabalham, que não sabem nada, que fazem greves, qualquer dia - querem lá ver? - até fumam... Os seus filhos são todos uns anjos de asas brancas e uns génios incompreendidos.
Cada vez os pais têm menos tempo para os filhos e, por isso, cada vez mais os filhos são educados pelos colegas e pela televisão (pelos jogos, pelos filmes, etc.). Não têm regras, não conhecem limites, simples palavras como "obrigada", "desculpe", "se faz favor" são-lhes mais estranhas do que um discurso em Chinês - e há quem chame a isto liberdade. Mas a isto chama-se violência.
Aquela que não conta para os estudos "científicos", mas aquela da qual um dia, de repente, rompe a violência a sério. E então em estilo filme americano. Com tiros, naifadas e o mais que houver.
Alice Vieira escreve no JN, quinzenalmente, aos domingos

domingo, 9 de dezembro de 2007

A EDUCAÇÃO, A BATERIA E A ESPECIALIZAÇÃO



Ao contrário da Economia, da Justiça ou da Saúde, em que são habitualmente chamados a pronunciar-se os profissionais da área respectiva, na Educação todos se sentem habilitados a dar palpites sobre o sector e sobre as reformas que são ou não necessárias. Cada vez mais, o estatuto da Educação se assemelha ao do futebol: como toda gente deu pontapés na bola na infância e na adolescência, acha que domina a arte de colocar a bola no fundo da baliza.
Na Educação, também todos passámos pelos bancos da escola e/ou somos pais e, por isso, nos sentimos habilitados a dar palpites sobre Educação e a fazer os mais definitivos diagnósticos sobre o sector.

Basta ligar a televisão ou um qualquer jornal, para vermos políticos, economistas, psicólogos, psiquiatras, advogados, jornalistas ou fabricantes de garrafas a pronunciarem-se de cátedra sobre o assunto. E aqui reside o principal erro que se comete em Portugal em matéria de Educação. Há a ideia generalizada de que este não é uma matéria que exija especialização. Contudo, qualquer professor consciente sabe que, pelo contrário, é um sector que exige uma enorme especialização e experiência.

Há muitos anos atrás, quando um grupo de adolescentes queria formar uma banda de garagem, quem ficava a tocar bateria era quem não sabia tocar nenhum outro instrumento. Hoje a bateria é motivo de teses de mestrado, mas numa época de pouco conhecimento considerava-se que qualquer pessoa era capaz de dar umas batidas nos pratos. Na política portuguesa também é assim: para ministro da Justiça escolhe-se um advogado ou um juiz, para a pasta da Economia escolhe-se um economista, para a pasta da Saúde vai um médico ou professor de Saúde Pública. Para a Educação, vai qualquer um. Não é necessário nem especialização nem o conhecimento do sector. Extraordinário!

Ninguém se lembraria de escolher um veterinário para ministro das Finanças, mas toda a gente achou natural que a economista Manuela Ferreira Leite ascendesse à pasta da Educação. Também toda a gente achou normal que os engenheiros mecânicos Couto dos Santos e Marçal Grilo (este com algum contacto com o sector) passassem a inquilinos do prédio da 5 de Outubro.
Ou que David Justino, autarca e professor do ensino superior, ocupasse as mesmas funções.

Nada mais pacífico, por isso, que Santana Lopes tivesse convidado uma especialista de telecomunicações para o cargo, com os resultados trágicos que se conhecem. Posto isto, quem se admiraria ao ver José Sócrates convidar uma professora de Sociologia, sem qualquer currículo conhecido na área do ensino básico ou secundário para o cargo? Aliás, parece que todas as profissões dão excelentes currículos para ministro da Educação, excepto uma: a de professor dos ciclos de ensino respectivos!

Quando foi conhecido o nome de Maria de Lurdes Rodrigues para a pasta da Educação, todos se interrogaram quem seria a nova titular, uma vez que ninguém a conhecia. Além de algumas obras publicadas, que nada tinham a ver com o ensino secundário, sabia-se que era presidente do Observatório das Ciências em Portugal. Contudo, logo os jornalistas descobriram uma "qualidade" na nova ministra que a qualificava para o cargo: era conhecido o seu mau feitio. Não demorou muito a que os portugueses demorassem a descobrir que o critério "mau feitio" era extensivo aos seus secretários de Estado. Um critério, no mínimo estranho, numa pasta que envolve milhões de pessoas e em que a capacidade de comunicação deveria ser prioritária.

Existem quase 150 mil professores em Portugal a trabalhar no ensino básico e secundário, mas, ao que parece, nenhum sabe suficientemente de educação para desempenhar o cargo. É caso para perguntar o que fazem estes milhares de professores durante dias, meses, anos ou décadas de profissão. Se dia após dia, não se estão a especializar em Educação, então o que estão a fazer?

Aprender a fazer horários, conciliando uma complexidade de factores, não é especialização? Dirigir uma escola não é especialização? Gerir uma turma de alunos desestruturados não é especialização? Contudo, parece que em Portugal, todo este conhecimento fundamental não habilita nenhum dos profissionais de Educação a dirigir o ministério respectivo. Extraordinário!

Ao invés, parece que o que habilita alguém para o cargo é nunca ter dado uma aula na vida no sector que vai dirigir! Ou que não faça a mínima ideia do que sejam as dinâmicas dentro de uma sala de aula. Não será esta sistemática ostracização dos professores, afinal, uma falta de consideração da classe política para com os profissionais de Educação deste País?

Como se pode conceber que conhecer o sistema por dentro nada valha para a classe política? Como se admite que, se não me falha a memória, nem um único professor tenha sido convidado para ocupar o cargo de ministro ou de secretário de Estado neste País nas últimas décadas? Será que aos professores do ensino básico e secundário está reservado o estatuto de menoridade mental e profissional, apesar das provas de bom senso que revelam todos os dias?

Com o devido respeito, enquanto cidadão, considero que os professores têm cumprido incomparavelmente melhor as suas funções do que a classe política. Se alguma dúvida houvesse, bastaria ver o estado em que encontra este País.
Por outro lado, convém lembrar que a responsabilidade das políticas educativas erráticas e inconsequentes é da classe política, não dos docentes, que apenas as executam

AS ESTATÍSTICAS E O SUCESSO EDUCATIVO

Os portugueses têm assistido, com alguma perplexidade, às queixas da senhora ministra da Educação sobre as taxas de insucesso e abandono escolar. Afinal, a um ministro da República não se pede que se queixe, mas que resolva os problemas. Para isso tem, primeiro, de conhecer a realidade. Contudo, os argumentos que a senhora ministra e os seus secretários de Estado têm trazido para a comunicação social mais não revelam que um profundo desconhecimento do trabalho produzido nas escolas.

As questões são simples e quem está no terreno conhece as soluções há muitos anos. O entendimento entre os professores não é difícil e, regra geral há consenso sobre a forma de resolver os problemas. Aliás, os profissionais, seja qual for o ramo de actividade, conhecem sempre muito bem os problemas da sua área de actuação e, por isso, as soluções também são geralmente consensuais.
As dificuldades surgem quando aparecem políticos, que não conhecem a verdadeira dimensão dos problemas, a Governar sectores que não dominam. O resultado traduz-se invariavelmente em contestação dos profissionais em causa e medidas avulsas e inconsequentes.

Há anos que os professores deitam as mãos à cabeça com as medidas apresentadas pelos sucessivos governos, cada uma pior que a outra. Com a sua proverbial paciência, professores e conselhos executivos tentam implementar o que, muitas vezes, não tem qualquer viabilidade ou aderência à realidade.
Se a autonomia das escolas lhes permitisse rejeitar muitas das directivas absurdas que lhes chegam anualmente, por certo, muito dinheiro pouparia o País e muita eficácia ganhariam as escolas.

Mas vamos às queixas da senhora ministra. Para responder a estas questões, não precisamos de comissões de sábios ou de espertos (tradução livre do Inglês), qualquer professor esclarecido conhece as soluções. Porque é que os alunos não completam o 12º ano? A resposta é curta e simples: o elevado grau de abstracção dos actuais programas do 12º ano não é compatível com o perfil de uma parte significativa da população escolar.

O problema não está nos alunos nem nos professores nem nos pais nem sequer no sistema de ensino, mas nos programas, que foram criados com a função de preencher anos pré-universitários. Ora, quem não tem perfil universitário - e são muitos - também não tem perfil para frequentar o actual 12º ano. Se o País quer que a generalidade dos alunos completem o 12º ano tem de lhes propor outras competências, de menor abstracção e complexidade, seja através de cursos profissionais ou outros. E ponto final.

Volto à questão da necessidade de especialização da escola. O Ministério da Educação olha para a população escolar como uma massa uniforme e, por norma, propõe soluções universais para problemas bem distintos. Erro crasso. Já dizia, Descartes que os problemas complexos se devem decompor em problemas simples, para que se possam resolver.

Ora, com a democratização do ensino, toda a população jovem passou a ter acesso à escola. E com ela chegaram novos problemas às escolas que exigiriam soluções diferenciadas. Contudo, o Ministério da Educação continua a comportar-se como se a população escolar tivesse a mesma homogeneidade de há 30 anos. Não tem. A população escolar de hoje é altamente heterogénea, uma consequência da universalidade do ensino.

OS TRÊS NÓS GÓRDIOS DO ENSINO SECUNDÁRIO



1) O atraso mental ligeiro
Numa linguagem simplificada, eu diria que há três tipos de novos utentes que acederam à escola nas últimas duas ou três décadas e que têm sido ignorados pela classe política. Uma dessas classes, de que nunca se fala, é a população escolar menos favorecida intelectualmente. Não há que ter pudor ou vergonha em falar no assunto, eles existem, há que assumir essa realidade.
Há 30 anos, não passavam do 1º ciclo, hoje frequentam o terceiro ciclo e pretende-se que cumpram no futuro 12 anos de escolaridade.

A população escolar não deve ser dividida numa grande maioria, inteligente, e numa pequena minoria, deficiente. Não. Há uma fatia intermédia da população escolar que, não sendo considerada deficiente, possui, no entanto, o que definiria, ainda que sem rigor científico, como grau de atraso mental ligeiro.
Todavia, não é politicamente correcto admitir que existem alunos intelectualmente limitados, todos preferem assobiar para o lado e fingir que o problema não existe.

Por certo, até hoje nenhum ministro da Educação se lembrou de pedir o
perfil da população escolar em termos de Quociente de Inteligência (QI). Seria um exercício interessante confrontar esses resultados com as exigências dos programas escolares. Ora, o Ministério da Educação continua a exigir a estes jovens menos dotados intelectualmente aquilo a que eles não conseguem corresponder.
Numa estimativa meramente empírica, baseado na minha própria experiência de professor, diria que esta população não andará longe dos 10%, o que, concordemos, é um número muito significativo.

Na minha opinião, há que olhar para este problema de forma integrada
pois os cursos profissionais apenas o resolverá em parte. Não esqueçamos que, num mundo globalizado, cada vez se exige mais dos profissionais, seja qual for a área. E hoje, exige-se muito a um electricista, um jardineiro ou um mecânico, bem mais do que estes alunos poderão eventualmente dar.

Por isso, mesmo depois de formados, dificilmente estes jovens poderão competir de igual para igual no mercado de trabalho. As limitações intelectuais não desaparecem só porque frequentaram cursos de formação e, por isso, seria importante que o Governo criasse bolsas de trabalho protegidas, quer no Estado quer no sector privado, através de protocolos com as empresas.

Não entendo, por exemplo, porque é que pessoas com QI médio ocupam postos de trabalho no sector da limpeza, quando este, por ser menos exigente, deveria ser um sector de mercado de trabalho protegido dirigido para pessoas de QI baixo, que dificilmente conseguirão emprego estável noutras áreas. O que a sociedade não pode é marginalizar estes jovens nem deixar de lhes oferecer uma colocação profissional compatível com as suas limitações intelectuais. E ao ignorar as suas limitações, o Estado está a empurrar involuntariamente estes jovens para a marginalidade social.

2- a) O mundo das famílias desestruturadas
O segundo tipo de utente que tem acedido à escola nas últimas décadas é o das chamadas famílias desestruturadas. Antes de 25 de Abril de 1974, estes jovens eram perseguidos e marginalizados pelos próprios professores, seguindo as directrizes e as práticas do Ministério da Educação. Se não eram expulsos, eram tão maltratados que acabavam por abandonar as escolas na primeira oportunidade.

Contudo, hoje fazem parte da população escolar e, reconheça-se, de pleno direito. No entanto, mais uma vez, o Ministério da Educação não os reconhece como segmento de população escolar diferenciado e remete a solução dos problemas que causam no normal desenrolar da vida escolar para as escolas, sem os correspondentes meios.

Aqui, as soluções para a resolução deste problema dividem-se. A Alemanha decidiu criar escolas de nível regular, médio e máximo e dar aos pais a opção de escolherem a escola dos seus filhos. A formação dos professores, ao que me informaram, também é diferenciada: os das escolas regulares têm competências reforçadas ao nível do comportamento e integração social e os das outras escolas ao nível científico. Confesso que me inclino, cada vez mais, para esta opção porque é a que mais atenção dá aos diversos públicos-alvo.

A outra opção passa por manter a actual heterogeneidade das turmas. Contudo, também aqui há limites inultrapassáveis, como o número de alunos problemáticos a nível de comportamento por turma. Por norma, um professor consegue gerir satisfatoriamente uma turma com um ou dois alunos problemáticos, mas jamais conseguirá gerir com sucesso turmas com 10 ou 15 alunos problemáticos. Neste caso, o rendimento escolar fica irremediavelmente comprometido.
Bem pode o professor "fazer o pino", pois em Educação não há milagres.

Ora, hoje em dia o Ministério da Educação impõe que as turmas só possam ser desdobradas se tiverem mais de 30 alunos, exceptuando se tiverem alunos com algum tipo de deficiência. Ora, os alunos desestruturados não são deficientes e, por isso, hoje há turmas com 10 ou 15 alunos problemáticos integrados em turmas de 30 alunos. O resultado só pode ser trágico, quer para os alunos problemáticos, que não têm a atenção que lhes é devida, quer para os restantes, que não conseguem aprender o que deviam. Obviamente, a culpa aqui não é dos professores, mas das regras absurdas impostas pelo Ministério da Educação.

Ainda nesta opção, é absolutamente indispensável que a indisciplina orgânica não se torne norma na aula. A sala de aula é um local de trabalho, não o prolongamento do recreio. Contudo, cada vez é mais difícil distinguir o recreio da sala de aula. Ou é o auscultador que o aluno coloca mais ou menos discretamente no ouvido, ou é o telemóvel, ou o caderno e o livro que não são trazidos para a aula, ou a conversa irreverente com o parceiro do lado enquanto o professor tenta explicar a matéria, tudo isto perturba enormemente uma aula e reduz drasticamente a aprendizagem.

Ora, esta indisciplina orgânica deve ser muito mais penalizadora para o aluno do que é actualmente. A solução, do meu ponto de vista, passa por criar um núcleo disciplinar dentro de cada escola. Se um aluno desrespeita sistematicamente as regras de comportamento na sala de aula, deve ser obrigado a sair, mas não para regressar 10 ou 15 minutos depois à aula seguinte, continuando a ter o mesmo comportamento. Alguém que é expulso de uma aula por mau comportamento deveria ficar até ao final do horário escolar numa sala disciplinar, acompanhado por dois professores, com o perfil adequado para o efeito. Isto já é feito, com êxito, em escolas americanas.

Outra medida poderia passar pela mudança compulsiva de turma ou até, de estabelecimento de ensino, bastando para tal uma avaliação negativa do comportamento do aluno, devidamente fundamentada, por parte do conselho de turma. Só assim, o combate à indisciplina será suficientemente dissuasor. O actual modelo do processo disciplinar, burocrático, interminável e permissivo, não tem qualquer eficácia e deveria ser reservado apenas a casos de violência, física ou verbal. Muitas vezes, quando chega ao fim o processo disciplinar, já acabou o ano lectivo. E, na maior parte das vezes, a pena é tão simbólica que põe o sistema a ridículo.

2-b) A violência na escola
Ainda dentro do capítulo das famílias desestruturadas, é preciso considerar o caso-limite da violência nas escolas, que afecta, sobretudo, a periferia das grandes cidades. O Ministério da Educação não pode remeter o problema para as escolas, lavando daí as suas mãos como Pilatos. Pior ainda quando decide acusar de incompetência os professores e as escolas em dificuldade, com o extraordinário argumento de que há escolas que têm êxito em situações idênticas.

Aliás, nos célebres vídeos da RTP, a estratégia do secretário de Estado passou (surpresa!) por tentar culpabilizar os professores em causa pela violência nas aulas, quando se percebe claramente que há naqueles alunos uma agressividade perfeitamente anormal que exigiria um apoio especializado acrescido àquelas escolas. Aliás, esta é a estratégia recorrente dos responsáveis do Ministério da Educação: quando algo não está bem, a culpa é invariavelmente dos professores. É a visão simplex da Educação.

No caso dos vídeos na RTP, seria previsível que os responsáveis do ME tomassem medidas para resolver os problemas de violência nas escolas. Todavia, logo surgiu a notícia de que o Ministério iria tentar acusar a direcção das escolas de violação do direito de imagem, apesar de ninguém ser identificado na reportagem. Fantástico!

O PROBLEMA DA MOTIVAÇÃO DO ENSINO EM PORTUGAL



Um terceiro grupo problemático é o dos alunos que, devido a problemas de motivação ou bloqueios emocionais não conseguem ter um rendimento escolar normal. Muitas vezes, falta de motivação e de resultados não implica mau comportamento nas aulas. Muitos factores podem estar associados a estes problemas. Um deles é conhecido como hiperactividade ou défice de atenção.
Segundo o pedopsiquiatra Nuno Lobo Antunes, 7,5% da população escolar tem este problema. Numa escola de 1300 alunos, 100 alunos sofrerão assim deste problema. Uma multidão.

E qual é a resposta do Ministério da Educação para este problema, que exige tratamento médico especializado? A informação que tenho é que a única consulta do Estado na região, localizada no Hospital de Leiria, tem uma lista de espera de 7 meses... No sector privado, uma consulta da especialidade pode chegar aos 100 euros, bem longe do alcance da maioria dos pais.

Diante deste cenário, que razão tem a senhora ministra da Educação
para se queixar dos maus resultados escolares dos alunos? Além destes, existem muitos outros problemas de saúde que explicam o baixo rendimento dos alunos, como dislexia, problemas de visão, audição, etc., muito mais frequentes do que se pode imaginar e que dificilmente os professores conseguem detectar.

Ainda relativamente à motivação, que soluções propõe o Ministério da
Educação para os inúmeros casos de falta de acompanhamento dos alunos por parte dos pais? É um erro de palmatória pensar que os professores podem substituir os pais no acompanhamento parental. Com 5 ou 6 turmas de 25 a 30 alunos e horários rígidos, perfazendo 100 a 150 alunos a seu cargo diariamente, os professores não têm nem tempo nem vocação para fazer esse acompanhamento. O resto não passa de fantasias delirantes. Ponto final.

A "solução" do Ministério da Educação de alargar os horários escolares para permitir o melhor acompanhamento desses alunos dificilmente terá qualquer eficácia. Primeiro, porque não é em 45 minutos ou mesmo 90 minutos que se consegue dar o mínimo de acompanhamento parental a grupos de 5, 10 ou 15 alunos. Em segundo lugar, mais horas num horário escolar já sobrecarregado soa como um castigo extra para os alunos, que, ao fim do dia, já estão cansados e stressados e só querem ir para casa descansar.

Outra medida inconsequente são as chamadas aulas de substituição. Se elas são compreensíveis no 1º ou 2º ciclo, dada a tenra idade dos alunos, que exige uma supervisão apertada, o mesmo não acontece no 3º ciclo e no ensino secundário, onde os alunos já dispõem de razoável autonomia. O argumento da senhora ministra de que se os alunos não estiverem na sala de aula andam pelos cafés a embebedarem-se não colhe.

Em primeiro lugar, se as escolas não estão vedadas, é obrigação do Ministério da Educação fazê-lo. Os alunos devem permanecer no espaço escolar durante o tempo do horário escolar. E a esmagadora maioria dos alunos portugueses não são bêbados nem toxicodependentes, são jovens que precisam de brincar e de socializar, coisa que sempre fizeram de forma saudável.
Com esta medida, a senhora ministra impede os alunos de o fazer no recreio. A consequência é que transformam o espaço da sala de aula, que deveria ser sagrado e reservado ao estudo, no recreio. Os resultados desta medida em termos de cultura escolar são, obviamente, catastróficos.

As medidas piedosas e populistas do Ministério da Educação, que podem parecer óptimas para pais e leigos na matéria, traduzem-se afinal em mais custos para os contribuintes e resultados nulos. Este é mais um exemplo de que a Educação precisa de especialização e que os especialistas deste sector não são gestores, sociólogos ou engenheiros mecânicos, mas professores.

E, já agora, qual é a penalização (ou incentivo) para os pais que nem sequer vão à escola quando são solicitados? Será que o sucesso educativo não passa pela responsabilização de todos os intervenientes no processo educativo? Muito francamente, não me parece sério um discurso que só procura responsabilizar uma das partes e se demite totalmente de responsabilizar os outros intervenientes no processo. Ou será que o Ministério da Educação optou por afrontar apenas os professores por serem apenas 150 mil e não tem coragem de responsabilizar pais e alunos, por estes serem 3 ou 4 milhões?

A avaliação dos professores
a) Os "maus professores"
Em quase 20 anos de ensino, contam-se pelos dedos de uma mão os comportamentos não responsáveis de professores que observei. Por isso, é com perplexidade que ouço falar da necessidade de punir os "maus professores".
De que País estamos a falar: da Somália, do Sudão ou do Burkina Faso?!
Com certeza os professores são humanos, terão seguramente personalidades muito diferentes, qualidades e defeitos, mas, se há classe que me merece confiança, é a dos professores.

De resto, numa profissão sujeito ao escrutínio de tanta gente, dificilmente algum professor não cumprirá as suas obrigações. Qualquer aluno, encarregado de educação ou professor se pode queixar ao conselho executivo da escola e todas as queixas são tidas em conta, consideradas e dado o devido encaminhamento. Os casos poderão depois ser passados à inspecção que os analisa a pente fino e, mesmo assim, raras são as condenações de professores.

Só quem não percebe nada do que são as escolas portuguesas - e muitos são, incluindo a maioria dos jornalistas - consegue acreditar na fantástica tese de que o problema do ensino secundário reside na qualidade dos professores.
Lembro que a quase totalidade dos professores são pessoas formadas e, como já sublinhei, têm de dar diariamente provas de bom senso. Na verdade, o que falta nas escolas são regras eficazes a todos os níveis e flexibilidade na gestão.

Por isso, é lamentável que a campanha de difamação dos professores parta precisamente dos responsáveis do Ministério da Educação. E mais lamentável ainda é que num dia lancem lama sobre a classe, para logo no dia seguinte virem dizer que não era bem assim, e que a culpa é do jornalista que deu a notícia. A senhora ministra acusou os professores de só se preocuparem com as boas turmas e de as colocarem de manhã para os funcionários da escola colocarem lá os seus filhos. Ora, isto é uma acusação claríssima de corrupção.

Em quase 20 anos de profissão, nunca observei tal prática e, por isso, considero que a senhora ministra difamou os professores. Em primeiro lugar, com a natalidade em queda, não me parece que os professores tenham assim tantos filhos e menos ainda na escola onde leccionam. Da minha experiência, cada escola talvez tenha em média dois ou três filhos de professores a estudar na mesma escola enquanto há 20 ou 30 turmas por escola. Além disso, muitos são os professores que têm os filhos a estudar noutras escolas, públicas ou privadas.

Por aqui se vê que essa acusação não tem qualquer base de sustentação.
No entanto, a ser verdade esta prática nalguma escola, a obrigação da senhora ministra era mandar a Inspecção averiguar, não lançar lama contra uma classe profissional inteira.

Por outro lado, a comparação dos professores com os médicos é, uma vez mais, reveladora do desconhecimento que a senhora ministra tem da profissão docente no ensino secundário. A cura da doença dos pacientes só depende do médico, mas a aprendizagem dos alunos não depende só do professor. Só por desonestidade intelectual e/ou leviandade se podem comparar situações tão distintas.

b) A avaliação fantasma dos pais
Os alunos não aprendem por um conjunto variado de factores, que já atrás referi, e dos quais o Ministério da Educação é o principal responsável. Os professores fazem o melhor que podem e sabem. De resto, a intenção persecutória dos responsáveis do Ministério da Educação contra os professores e as suspeitas públicas quanto ao seu profissionalismo são claras. A última afronta é a proposta de Estatuto da Carreira Docente.

Com efeito, a proposta de avaliação dos professores por parte dos encarregados de educação parte da suspeita não confessada de que os professores não são responsáveis. Assim, os pais (supostamente cidadãos responsáveis) controlariam os professores (supostamente profissionais irresponsáveis).
A medida, tão populista como perversa, mereceu a reprovação da maior parte dos partidos, do Bloco de Esquerda ao CDS, e até da generalidade dos comentadores, sempre tão benevolentes com os actuais responsáveis do 5 de Outubro.

A proposta não sobrevive ao mais rudimentar escrutínio. Primeiro, como podem os pais avaliar professores, se nem sequer os conhecem? Por outro lado, se não os conhecem, as informações em que se baseiam são transmitidas pelos filhos, de 10, 13 ou 16 anos! Ora, que maturidade tem uma criança ou adolescente para avaliar um professor?

Por outro lado, é preciso não esquecer que entre professor e aluno também existe uma relação de poder. E deixar na mão de um adolescente o poder de avaliar o educador é uma total perversão. O poder do educador não pode ser diminuído pelo receio de uma revanche do aluno. No limite, uma turma de marginais terá o professor na mão, porque se este os afrontar leva com uma avaliação negativa e o seu salário será diminuído. Em termos de relação de poder, é como se um juiz passasse a ser avaliado pelas pessoas que tem de julgar! Um completo absurdo.

E nem a tentativa da senhora ministra de tentar fugir à questão, dizendo que este é apenas um acto de avaliação, entre muitos outros, é minimamente admissível. Não é por ter menos peso que a proposta se torna mais séria ou aceitável! Além disso, um trabalhador não pode ver o seu desempenho avaliado por factores subjectivos, de que nunca poderá recorrer, deve ser avaliado em função de critérios objectivos. A avaliação profissional é uma coisa séria, não pode ser uma lotaria.

A insinuação de que os professores não querem ser avaliados é outra peça na campanha contra a classe que circula pelos média. A verdade é que os professores já eram avaliados até aqui, dependendo a aprovação da frequência de acções de formação e do cumprimento das tarefas atribuídas. É certo que o processo de avaliação não era muito exigente, mas a responsabilidade é, naturalmente, dos responsáveis do Ministério da Educação que aprovaram essa legislação, não dos professores, que se limitaram a cumprir o estipulado.

c) O mito da falta de assiduidade
Faço aqui um parêntesis para abordar a questão da assiduidade, que tem sido alvo de uma campanha demagógica contra a classe docente. Em primeiro lugar, o ensino é uma profissão maioritariamente de mulheres. Ora, tradicionalmente, quem cuida dos filhos quando estes estão doentes são as mulheres, sem falar que mulheres engravidam e, por isso, também têm por vezes de faltar por razões de saúde. Por isso, é natural que a assiduidade seja menor entre os professores que noutras profissões. Qual é a alternativa? Querem que as professoras deixem os seus filhos ao abandono?

Por outro lado, a falta de um professor tem uma repercussão social ampliada. Quando um funcionário falta numa repartição o utente raramente dá por isso. No caso dos professores, quando um deles falta um único dia, há 150 alunos que dão pela sua falta e que contam a 300 pais. No total, a falta de um único professor é notada por quase meio milhar de pessoas.

Por outro lado, não entendo porque os professores não podem repor as aulas em que têm de faltar. Bastaria que, para tal, fosse marcado no horário escolar uma mancha para esse efeito. Aqui está um mecanismo de gestão que, incompreensivelmente, não é utilizado e que poderia minorar bastante os efeitos das ausências pontuais dos professores.

Por outro lado, é preciso entender que os professores têm horários extremamente rígidos e a um simples atraso de 5 minutos, devido a trânsito intenso ou outro motivo imprevisto, pode corresponder uma falta de um dia inteiro, se essa for a única aula do dia, ou, no mínimo, a ¼ de dia de falta.
Quantos profissionais deste País têm penalizações tão gravosas, embora compreensíveis, por atrasos de 5 minutos?

Além disso, é uma profissão muito exigente em termos de cansaço e desgaste psíquico. Um dia inteiro a lidar com adolescentes irreverentes é uma tarefa duríssima, sobretudo, quando se tem de lidar com turmas problemáticas, sem falar no trabalho que os professores levam para casa. Por isso, por vezes, quando um professor está "de rastos", nada mais lhe resta que parar um dia, mesmo perdendo um dia de férias, para recuperar energias ou até a sua sanidade mental.

Seguramente, não é por causa da assiduidade dos professores que o ensino está mal. A única excepção sucede quando um professor está de atestado médico menos de um mês, uma vez que a legislação só permite a substituição se a ausência for igual ou superior a um mês. O incumprimento do programa agrava-se ainda mais quando a instabilidade da saúde professor o leva a pôr sucessivos atestados médicos de curta duração.

São casos raros, mas acontecem e penalizam bastante os alunos. No entanto, cabe ao Ministério da Educação modificar essa legislação e encontrar soluções mais criativas para que os alunos não fiquem sem aulas tanto tempo.

d) Avaliação sim, mas objectiva
De qualquer forma, quem não deve não teme e os professores não têm qualquer problema em ser avaliados, desde que os critérios sejam objectivos e estejam relacionados directamente com o seu trabalho. Não é aceitável que a sua avaliação dependa dos resultados dos alunos, pela simples razão de que os resultados dependem de muitos outros factores, além do trabalho do professor.

Por exemplo, um professor com turmas problemáticas nunca pode ter os mesmos resultados que um professor com bons alunos. Por outro lado, isso seria mais um convite ao facilitismo porque, naturalmente, pressionaria os professores a inflacionar as classificações dos alunos.
Por outro lado, é clara a intenção deste Governo ao fixar numerus clausus no acesso ao topo da carreira e não querer pagar aos professores, independentemente do seu mérito ou competência. Ora, como quer o Governo atrair para a carreira bons profissionais se não lhes paga em consonância? A proletarização da classe docente é uma realidade típica de países de Terceiro Mundo, não de países civilizados. E mal vai Portugal se tenciona continuar a desvalorizar a profissão de professor.

Parafraseando a magnífica frase de Medina Carreira há alguns dias na
RTP, também "eu gosto dos determinados, mas é quando acertam." Como já aqui demonstrei, a nomeação desta equipa da Educação é um monumental erro de casting e o País vai pagar caro a política populista e voluntarista que está a ser seguida neste sector. Em vez de mobilizar energias, Maria de Lurdes Rodrigues mais não faz do que incendiar o País e comprar guerras inúteis e despropositadas com os professores.
O descrédito da actual equipa da Educação é total nas escolas portuguesas e, por mais que isto custe a José Sócrates, tal não se deve a questões salariais, mas ao facto da sua competência não ser reconhecida. Não se governa um País com base em estatísticas, sobretudo, quando não se percebe o que está por detrás desses números. E quanto mais Maria de Lurdes Rodrigues brande desajeitadamente as estatísticas, mais expõe a sua ignorância e se põe a ridículo aos olhos dos professores. E muito mal vai uma organização quando os subordinados não reconhecem a competência do chefe.
Mário Lopes