BEM-VINDOS A ESTE ESPAÇO

Bem-Vindos a este espaço onde a temática é variada, onde a imaginação borbulha entre o escárnio e mal dizer e o politicamente correcto. Uma verdadeira sopa de letras de A a Z num país sem futuro, pobre, paupérrimo, ... de ideias, de políticas, de educação, valores e de princípios. Um país cada vez mais adiado, um país "socretino" que tem o seu centro geodésico no ministério da educação, no cimo do qual, temos um marco trignométrico que confundindo as coordenadas geodésicas de Portugal, pensa-se o centro do mundo e a salvação da pátria.
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

RIO CUANZA, O ELO ENTRE O SUL E O NORTE, ENTRE O PASSADO E O FUTURO (IV)


Fig 19- Reserva Natural Integral do Luando. Estabelecida na década de 30, quando ainda ninguém, no mundo, se preocupava com os danos ambientais.Esta Reserva foi sempre vigiada e mantida com muito rigor, durante o tempo colonial. Albergava a célebre Palanca Preta um dos símbolos de Angola. A Palanca Preta (Hipotragus Niger Variani)é única no mundo. Possui patas adaptadas à água que se espraia pelas imensas planícies durante a época das chuvas. A Reserva compreende, principalmente, a área entre os rios Cuanza e Luando.É uma região muito plana com deficiências de drenagem das águas pluviais. Em alguns locais chega a verificar-se promiscuidade de águas dos dois rios.Pode afirmar-se que é uma Mesopotâmia Africana com os seus 7 000 km2 .
Os afluentes do Luando correm sobre a superfície, sem vales profundos.As linhas de água distinguem-se pelas suas matas ciliares (ripícolas ou ribeirinhas).É um ecossistema muito sensível.Por isso esta área não pode receber projectos mirabolantes engendrados pelos modernos gestores. O seu interesse resume-se nas actividades antrópicas feitas pelos seus habitantes seculares, que praticam uma surpreendente sustentabilidade e por um turismo seleccionado e prudente.
Viajantes que a percorreram no século 19 notaram uma elevada prevalência, nos africanos que ali viviam,de papeira ou bócio. É uma doença provocada pela falta de iodo. Os colonos, a partir de 1920 no governo de Norton de Matos, introduziram o sal marinho e o peixe seco de Moçâmedes que passou a fazer parte da dieta diária. Os serviços sanitários vulgarizaram o iodo. A doença regrediu ultrapassando todas as expectativas.




Fig 20 – Região de Nova Sintra hoje denominada de Catabola. Na verdade o primeiro nome era Catabola. Mas havia outra Catabola no distrito do Huambo dando origem a grandes perturbações nos correios. Em um referendo entre os colonos foi baptizada de Nova Sintra.Os solos eram bons, sob o ponto de vista tropical. As frutas de clima temperado davam-se bem.Os citrinos eram abundantes e de bom paladar. Na fazenda Nova Esperança( em cima a verde) existiam castanheiros, de grande porte, que produziam bem, embora com um pormenor:as castanhas tinham côr preta mas em tudo eram iguais às europeias.
Foi uma região muito procurada quando começou o povoamento europeu na década de 20 do século passado.Em 1880 instalou-se na região uma Missão Evangélica Canadiana a célebre Chissamba(a azul no mapa). Nela pontificou o médico Dr.Walter Carl Strangway que o povo denominava de Dr. Strângula. Este médico viveu 40 anos na Missão onde prestou valiosíssimos contributos na área de medicina.Fez milhares de operações algumas muito melindrosas. Uma vez que os nomes portugueses em Angola ainda sofrem uma apertada iconoclastia, que repudia a História e tudo quanto seja antigo,é da mais elementar justiça que o nome de Catabola, que continua a confundir-se com o do Huambo, seja substituído por Strangway, homenageando-se, assim, o insigne cidadão e médico Dr.Walter Carl Stangway que deu toda a sua vida minorando as doenças dos angolanos.É uma homenagem dos angolanos para quem tanto os ajudou no capítulo da saúde.
O médico João Pessoa( fig21) foi outra personagem marcante no Planalto Central. Era médico em Cantanhede e ficou empolgado com a colonização de Angola após a chegada de Norton de Matos a Angola em 1919, pela segunda vez.Tinha sido governador geral em 1912/1914. O médico vendeu todos os seus bens a partiu para Angola, aceitando um convite do Caminho de Ferro de Benguela.Mas o seu sonho era uma fazenda de café.Na área assinalada a verde, onde diz Missão da Chitalela, implantou uma fazenda(Fazenda Chitalera) com água retirada do rio Cunje.Tudo correu mal, a começar pela vala que foi muito difícil de abrir e que não irrigou o que se esperava.Os rendimentos dos cereais eram decepcionantes Ficou ajoujado com dívidas ao Banco Nacional Ultramarino.Quando Salazar instituiu o Acto Colonial não houve contemplações:a Fazenda foi a hasta pública mas ninguém a arrematou; o Estado ficou com ela e as instalações foram aproveitadas para um internato de raparigas desavindas. Era uma obra meritória e de referência. O dr.João Pessoa morreu em Nova Lisboa no limiar da miséria e esquecido pelo governo.
As áreas assinaladas a verde são polígonos florestais. A ferrovia a vapor teve um impacto brutal nas savanas limítrofes.Encontrou-se uma solução nos eucaliptos que se desenvolviam surpreendentemente bem. Ao longo da ferrovia implantaram-se centenas de polígonos florestais de eucaliptos,depois melhorados com outra espécies exóticas como os cupressus, os cedros, as casuarinas, os pinheiros e as grevíleas que supriam, muito bem, as necessidades de lenha, carvão e madeiras para construção de casas e pontes. Estes polígonos acabaram por influir, positivamente, numa velha riqueza de Angola: as abelhas.As fazendas também se viram na necessidade de plantarem polígonos florestais de eucaliptos para proverem todas as suas actividades de energia.
O major-engenheiro inglês Laessoe, chefe da topografia da ferrovia de Benguela, também se instalou na região de Catabola, empolgado com a pujança da região e com o entusiasmo que lavrava entre os colonos. Instalou-se a poucos km de Nova Sintra, fundando a fazenda Casal da Serra. Tencionava instalar uma fábrica de cigarros.Mandou confeccionar milhares de embalagens para maços de 20 cigarros. Embalagens luxuosas que, por não terem préstimo, satisfizeram as brincadeiras da nossa infância. Mais uma vez a mesquinhez metropolitana cerceou todos os entusiasmos. Entraves e mais entraves, burocracias e mais burocracias foram empatando o projecto. A guerra 39/45 levou-o a regressar a Inglaterra onde morreu.
Um italiano, de nome Vitório Favero, instalou-se próximo da aldeia Etape. Ali fundou uma fazenda e iniciou uma industria de refrigerantes ou gasosas como se dizia na altura. Ainda hoje, em Angola, quando se desejam propinas, alude-se às” gasosas”.A FAIVE-Fazenda Agrícola Vitória Etape teve o mesmo destino de todas as fazendas de raiz angolana: sem consumo, devido ao baixo salário dos africanos (que apreciavam imenso as gasosas do Favero mas não as podiam comprar!), sem comercialização, sem energia barata, sem crédito com bonificações a longo prazo, a industria arrastou-se durante anos.Em resumo, Salazar conseguiu o que queria: aniquilou todo o capital de raiz angolana. Tudo passou a ser metropolitano, com isso “segurava” a colónia de laivos independentistas. Esqueceu-se que os ventos da história sempre sopram, na altura certa e com muita violência, levando tudo na frente.


Fig 21 –O médico João Pessoa, a mulher e a filha nascida no Chinguar. Até ao início do século 20 era uma temeridade, para uma mulher europeia, ter um filho em Angola. Os partos originavam complicações relacionadas com infecções. A melhoria sanitária de Angola foi a maior realização dos colonos.

Fig. 22 – Belo exemplar de Palanca Preta

Fig 23 – Outro belo exemplar da Palanca Preta, verdadeiro símbolo de Angola.



4 - O rio Cuanza e as cidades

As cidades aconchegam-se junto aos rios. Esta frase não se aplica ao rio Cuanza. Apenas uma cidade foi implantada nas suas margens:Dondo. Esta cidade nasceu pela imperiosa necessidade de servir de base, no interior, para a escravatura. Ainda se julgava que era possível demandar o interior através das vias fluviais. Puro engano. Em Cambambe, como já vimos, começava a Escarpa Atlântica que não mais proporcionaria quaisquer veleidades de penetração no interior. Mas se a Escarpa Atlântica foi um impedimento geográfico outros se impuseram, até com mais força. O clima e as doenças, especialmente o paludismo, foram os maiores vectores que impediram a formação de cidades ribeirinhas.
É notória a aversão dos angolanos pela implantação de povoados à beira de grandes rios. Nenhuma cidade ou vila de raiz europeia-e foram mais de uma centena- se posicionou nas margens de um grande rio. Pungo Andongo, de raiz africana, “não quiz nada com o rio”, ficou a 13 km dele,S.Pedro da Quilemba ficou a 6 km, Cangandala dista 19 km do rio, o Alto Cuanza dista 10 km da ponte ferroviária, Umpulo fica a 6 km do rio, Mutumbo 6 km, Soma Cuanza 4 km e Catota dista 10 km. Como curiosidade é-nos lícito afirmar que os crocodilos e os hipopótamos também deram a sua contribuição.
A maioria das cidades de Angola possui pequenos rios no seu perímetro urbano: eram linhas de águas cristalinas e potáveis que as abasteceram , durante muitos anos, sem quaisquer tratamentos. O posterior adensamento urbano obrigou à utilização de um dos maiores amigos do homem citadino e, actualmente, até do rural: o cloro.
A água do rio Cuanza é potável, porque não tem cidades nas suas margens e, também, porque é extraordinariamente oxigenada devido às imensas quedas, cachoeiras e corredeiras ao longo do seu estirão, como acabámos de expor atrás.
Assim os angolanos a saibam conservar. É uma herança colonial: o rio está bem conservado e possui águas cristalinas de elevada potabilidade. É, talvez, uma das últimas jóias fluviais no mundo. Deus nos livre das multinacionais “bem intencionadas”!

Luiz Chinguar
Novembro 2008

Esta matéria é extraída do livro
Mucandas do Tempo do Caparandanda
em fase de pré-prelo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tenho andado a pesquisar sobre os Favero em Nova Sintra e por acaso dei com este blog. Os meus pais tinham um pomar onde aparece a Fazenda Chissingue, a norte da Chissamba, marcada a azul no mapa. A minha mãe era enfermeira e recebia os doentes operados pelo Dr. Strangway porque este estava proibido de operar brancos, mas era tal a sua competência que nada impediu que o fizesse. Mas os operados não podiam ficar no Hospital. O Casal da Serra era fazenda que pertencia desde os anos 50 à família Videira da Costa, sendo a senhora a famosa professora D. Zélia. Minha professora também. Escrevi também um livro, "Os verdes do mato não acabam" com muita informação sobre o que foi a colonização portuguesa de 1849 a 2000. E muita dessa acção se passa em Nova Sintra e nele se fala do Dr. Strangway.
Parabéns pelas memórias que o artigo trouxe. Se alguém quiser continuar a falar de Nova Sintra estou aberto no e-mail jeancautin@netmadeira.com.
Um grande abraço

João Coutinho