Em 1962, em plena guerra diplomática entre Salazar e Kennedy, os Estados Unidos propuseram planos para a independência de Angola, todos eles tendentes a estabelecer um governo de maioria africana, de absoluta confiança de Washington. Prazo: dez anos. Os interesses e haveres dos que quisessem abandonar a colónia teriam sido levados em conta, como uma das prioridades. Os americanos comprometiam-se a indemnizações, a garantia de direitos, e previam grandes êxodos.
Apareceram vários planos, todos eles feitos por “especialistas”, dos quais os mais importantes eram o Plano Sakwa e o Plano Anderson. O Plano Sakwa foi preparado por Paul Sakwa funcionário da CIA e preconizava o seguinte: em troca da alienação das colónias, Portugal receberia uma compensação financeira, de tal modo avultada que era suficiente para que o país “ levantasse a cabeça”. O dinheiro recebido permitiria que o país duplicasse o seu rendimento por habitante, em cinco anos. Em Angola era acelerado o ensino de modo a preparar as populações para um auto-governo. Seriam feitas em 1967 eleições locais (autarquias?), em 1969 seriam feitas eleições regionais (distritos ?) e em 1970 seria o coroamento dos planos com eleições nacionais e proclamação da independência. Estavam previstas indemnizações para todos os que quisessem abandonar Angola.
Em 1974, e uma vez que a continuidade da leuco-comunidade em Angola estava seriamente comprometida, podia-se ter reavivado o Plano Sakwa, adaptando-o aos tempos actuais, de modo a defender os muitos interesses: as pessoas que quizessem abandonar o território seriam indemnizadas e colocadas, pacificamente, em qualquer país que as quizesse receber.
Mas tudo se fez estouvadamente. O país recebeu, de muitos países, milhões de dólares e toneladas de donativos que foram distribuidos sem “rei nem roque”. Os fugitivos de Angola- mais de metade não conheciam a metrópole- receberam o nome de retornados e foram alojados em hoteis de turismo (3, 4 e 5 estrelas). Estas unidades hoteleiras estavam a caminho da falência pois os turistas já não suportavam mais os arroubos revolucionários de uma minoria de portugueses. O aboletamento dos “retornados” nos hoteis foi a forma miraculosa de evitar um colapso na então recente estrutura turística de Portugal.
A descolonização não foi mais do que a cereja ácida em cima do bolo amargo(feito de farinha de quina) do colonialismo, como já foi afirmado. Uma e outro completam-se, têm muitos pontos de contacto. Foi intitulada de revolução mas a grande verdade é que os protagonistas da descolonização (militares portugueses) estavam seriamente comprometidos com o colonialismo, alguns foram figuras-chave nos dois processos. Acabaram por beneficiar de promoções, e até condecorações, nos dois sistemas. E, cúmulo dos cúmulos, ainda se acham prejudicados porque “a revolução do 25 de Abril “ atrasou as suas carreiras militares”. No mínimo, é bizarro querer ser recompensado dos próprios erros cometidos! Mais bizarro, ainda, é exibir condecorações recebidas em dois sistemas antagónicos!
A descolonização foi tão atabalhoada que o colonialismo ficou esquecido. As pessoas que perderam os seus haveres, para não citar os anos perdidos, culpam a descolonização por todos os males que dela advieram. Mas a verdade é que as maiores culpas recaiem sobre o colonialismo e algumas, também, sobre a colonização. O colonialismo, incluindo nele os militares que aguentaram a guerra da independência (e o regime ditatorial também), não soube encontrar uma solução para o impasse político que persistiu ao longo de treze anos (1961-1974). Os governos de Lisboa, apesar de terem atenuado algumas injustiças, não souberam, ou não quiseram, arranjar uma saída de acordo com o bom senso, ou seja acompanhando o “main stream” mundial (corrente dominante). Depois da guerra 1939/1945 as colónias passaram a ser olhadas, mundialmente, como anacronismos incómodos. Nenhum país concordava com o colonialismo, alguns deblateravam-no cruelmente.
Fig As pessoas que viviam em Angola ficaram aturdidas com tantos acontecimentos em tão pouco tempo, um contraste com 40 anos de modorra colonial. E mais ainda com a cobardia e a falta de caracter de todos aqueles que “mudaram de clube” de um dia para o outro. Subitamente aqueles que serviam a “ditadura de direita” passaram-se para a” esquerda”.Em 24 horas praticamente já não existiam pessoas que tivessem servido Salazar. Aqueles patriotismos exacerbados que nos acompanharam durante dezenas de anos esfumaram-se em poucos meses.Em Angola tudo dasaguou em um período “Caixotesco”.
Fig Contrariamente ao que se afirma correntemente ninguém em Angola fazia fortuna. Basta folhear um qualquer jornal de Angola (Provincia de Angola,Diário de Luanda, A Voz do Planalto, O Lobito, O Intransigente, Notícias da Huíla etc) para nos depararmos com notícias do género”morreu na miséria o velho colono Fulano de tal”). Um colono que não tivesse filhos morreria na miséria no fim da vida. Depois do Acto Colonial de 1932, todo o capital estava em mãos metropolitanas.Todas as fortunas feitas em Angola estavam sediadas na Metrópole.Aleatoriamente, porque foram muitas as notícias sobre este assunto, transcrevemos de “A Voz do Planalto” de 01/02/1951 a propósito da morte do velho colono Cristiano de Miranda no Bailundo:«Deixa a viúva na miséria, ultimamente vivia do auxílio de muitas pessoas. Que mocidade tão inutilmente desbaratada e que fim triste e pungente»
A partir de Abril de 1974 já não eram mais silenciosas as quase sempre estreladas e maravilhosas noites de Angola: passou a ouvir-se a Sinfonia dos Caixotes onde sobressaiam os metais, (alicates, torquezes, serrotes) as cordas( de sisal), a percussão (martelos e marretas) e os sopros (um colono bufando depois de uma martelada num dedo).
A partir de 1961, quando se registou uma promissora descompressão, tinha que se arranjar uma solução política e ela só poderia ser a de uma rápida e ousada ascensão dos africanos ao topo da governação, a par de uma notória melhoria nas condições de vida deles. Isto foi proposto por alguns militares mas nem Salazar, nem Caetano estavam dispostos a ceder. Qualquer deles já tinha demonstrado uma intransigência que não se ajustava ao tempo presente, tudo agravado com o facto de Angola já possuir RN (referências nacionais) em nível mundial: o comboio da independencia já estava em marcha e nada o poderia deter. A única saída era uma descolonização, com o apoio da ONU e dos países amigos, facilitando a saída dos europeus. Infelizmente nem isso sucedeu. O tempo era escasso, já não havia tempo para se esbaterem os grandes erros históricos.
Fez-se uma descolonização atabalhoada e vergonhosa, a reboque da ideologia marxista-leninista, ela própria a caminho da auto-destruição. Sem qualquer descolonização nunca se teria chegado a tão desastroso resultado.Pior do que esta descolonização era impossível.
Uma palavra para definir a descolonização feita por um “escol” das Forças Armadas Portuguesas: esculhambação.
Luiz Chinguar
Agosto 2009
Esta matéria é extraída do livro “Mucandas de Tempo do Caparandanda” (Cartas do Tempo do Antigamente) em fase de pré-prelo.
O livro tem a seguinte estrutura:
-Prólogo
-1ª Mucanda: Os Esqueletos nos Armários
-2ªMucanda: O País e os Seus Povos
-3ª Mucanda: 1890-1920 A Formação e Unificação do País
-4ª Mucanda:1921-1930 O Grande Salto
-5ª Mucanda: 1931-1960 A Grande Soneca
-6ª Mucanda 1961-1974 O Tempo Extra
-7ª Mucanda: 1974-1975 A Virada
-8ª Mucanda: 1975-2005 No Tempo de Hêtali (No Tempo de Hoje)
-9ª Mucanda: Para além de 2005: No Tempo de Hênah (No Futuro)
-Epílogo
Fim
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