BEM-VINDOS A ESTE ESPAÇO

Bem-Vindos a este espaço onde a temática é variada, onde a imaginação borbulha entre o escárnio e mal dizer e o politicamente correcto. Uma verdadeira sopa de letras de A a Z num país sem futuro, pobre, paupérrimo, ... de ideias, de políticas, de educação, valores e de princípios. Um país cada vez mais adiado, um país "socretino" que tem o seu centro geodésico no ministério da educação, no cimo do qual, temos um marco trignométrico que confundindo as coordenadas geodésicas de Portugal, pensa-se o centro do mundo e a salvação da pátria.
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domingo, 6 de setembro de 2009

6 - ESQUELETOS NOS ARMÁRIOS - OS OSSOS DA DESCOLONIZAÇÃO (PARTE 3)

Imposição era a directriz trazida de Lisboa. Nada de consensos.Nada de referendos. Tudo estava já resolvido. Ingenuidade foi uma das facetas da população. Os angolanos de ascendência portuguesa e os europeizados, habituados a serem sempre conduzidos, ingenuamente acreditaram que os novos governantes saberiam honrar as suas promessas e que o exército “sabia o que estava a fazer”. Ingenuidade foi, também, a da população autóctone que acreditou que a nova era traria, finalmente, a felicidade que tanto esperavam. Ingenuidade foi, também, a dos futuros donos que se convenceram que as suas novas doutrinas facilmente seriam implementadas, e que eram a chave da felicidade universal. Exemplos da felicidade universal: a ex-União Soviética e os dois relictos comunistas Coreia do Norte e Cuba, paradigmas de modernidade , e exemplos dos direitos humanos. Mas o pior da ingenuidade dos angolanos foi o facto de aceitarem, como normal, o abandono perpetrado por Portugal, de aceitarem como normal o facto de Portugal não querer assumir as suas responsabilidades históricas, de aceitarem como normal o facto de um exército bandear-se para o lado contrário, para o inimigo (ou “in” como era mencionado nos comunicados militares). Esta ingenuidade funda-se na falta de informação e, sobretudo, na falta de cultura política.

Indisciplina foi a principal característica do exército português, ressalvando umas poucas, mas honrosas, excepções. O exército português que conseguiu dominar toda uma guerrilha, com poucos recursos e muita competência, de repente desbundou. A disciplina esvaiu-se, a autoridade conferida pela hierarquia – um pilar indiscutível em um exército- escorregou para os escalões mais baixos e, então, viu-se o inimaginável: cabos mandarem em oficiais, capitães darem ordens a generais.
Em Angola sucederam casos que foram testemunhados por pessoas que, ainda hoje, os recordam com amargura. Em Cabinda um grupo de capitães prendeu um general numa pequena sala, no Moxico um batalhão foi desarmado e posto em cuecas, por isso ficou conhecido como a "batalhôa". Desarmado, só faltou desfilar por uma Avenida das Forças des-Armadas. Eu vi um soldado de suspensórios vermelhos, o que não deixa de ser lógico, era a cor da revolução. Só faltou pôr um cravo na orelha.
O episódio de Cabinda foi tragi-cómico. O general governador do distrito acumulando com o cargo de comandante em chefe das forças armadas foi preso, com o seu staff, por um bando de revoltosos. Foram trancafiados numa pequena sala. É um caso gravíssimo de indisciplina que, num exército a sério, conduz a fuzilamentos. Abriu-se um rigoroso inquérito. Nesse ano a frota pesqueira portuguesa, que ia para a Terra Nova pescar bacalhau norueguês, vendido depois como português, não precisou de se fazer ao mar alto, aproveitou as “águas de bacalhau” em que se transformou o tal rigoroso inquérito.
O general Silva Cardoso (42) conta que uma reunião na fortaleza de S.Miguel em Luanda, onde compareceram oficiais generais, foi dirigida, com a maior “cara de pau”, por um major (Pezarat Correia), neste caso seria o major “cara de pau”.
Kapuscinski, um repórter-escritor polaco, recentemente falecido (Janeiro 2006), presenciou o seguinte(122) em Angola: « Regressei num camião que transportava soldados portugueses.Eram tropas num estado de total dissolução.Tinham barba comprida e não usavam bonés nem cinto. Vendiam as suas rações no mercado negro e arrombavam carros. Tinham ordens para se manterem neutros, não dispararem, não se envolverem.Estavam a carregar os navios com tudo. A última unidade partiria daí a uma semana».

Insensibilidade foi o que se instalou nas mentes dos portugueses na Metrópole. Uma bem urdida campanha, de descrédito e de falsas culpabilidades, instilou na alma generosa dos portugueses a noção de que os problemas coloniais diziam respeito, exclusivamente, a quem vivia nas colónias. Talvez a frase mais demolidora tenha sido: “nem mais um soldado para as colónias”, numa situação em que era fundamental proteger as populações indefesas, era mais necessário garantir a ordem nas cidades, era premente salvaguardar um património feito por milhões de angolanos. É conveniente lembrar que em Angola, durante os 13 anos de guerra, não se registou um único acto de violência dentro de cidades, ao contrário, por exemplo, da Argélia ou do Vietname onde os actos de barbárie nas cidades atingiram níveis incomportáveis. Qual foi a causa de se não terem registado actos violentos nas cidades? Humanismo dos movimentos ? Inépcia dos movimentos ? Segurança eficaz feita pelas forças armadas portuguesas ? Ou um sentimento de paz bem instalado nas populações ? Perfilho esta última hipótese.
O geógrafo Orlando Ribeiro(182) escreveu: «A exigência de mais nenhum soldado para o Ultramar mostra que não ocorreu à multidão e aos políticos que, para garantir uma correcta transferência de poderes, seria preciso reforçar ou render algumas guarnições. Angola mergulhou no caos e abriu-se à intervenção estrangeira. Sob o sorriso imperturbável de um governador português inepto. O Governo, que ainda parecia decidido a negociar, seguiu logo o caminho mais fácil da abdicação total. Bens materiais, influência cultural, acção espiritual, de tudo se abriu mão. O destino dos que, noutro lugar, chamei “africanos brancos” não foi acautelado, nem lá, nem cá, deixado aos azares de uma trágica debandada».
Onde a infeliz frase,” Nem mais um soldado para as colónias” deixou um rasto de horrores foi em Timor. A fuga da autoridade, baseada na tal frase, deixou um vazio que acabou por ser preenchido, a contra-gosto, pela Indonésia. O Governador de Timor protagonizou uma fuga caricata, para uma pequena ilha, abandonando o cargo e as populações que nele confiavam.
Há um contraste entre a independência do Brasil e a de Timor. Quando perguntaram ao Imperador Pedro I o que faria se Lisboa o mandasse regressar, a resposta foi: fico. Quando perguntaram ao Governador de Timor qual seria a sua atitude se Lisboa o mandasse ficar, a resposta foi: fujo.

Outro esqueleto foi a imprudência. Ao fim de 13 anos de guerra existiam milhares de armas e munições nos quartéis em Angola. E de que se lembrou o Presidente da Junta Governativa Rosa Coutinho? Nada mais nada menos do que distribuí-las pelos três movimentos, reforçando, deste modo, o poder bélico e a vontade de “atirar por tudo ou por nada” e “atirar antes de conversar”. O Presidente da Junta acabou por satisfazer a velha vontade de Salazar(159): «pôr os brancos contra os brancos em África, e os pretos contra os pretos, e brancos e pretos uns contra os outros...». E, para piorar, foram oferecidas milhares de granadas que contribuíram para uma diminuição drástica do peixe nos rios de Angola e para a morte de milhares de crocodilos e hipopótamos. Além dos horrores em pessoas e bens. Igual razia sucedeu com os elefantes.
Norton de Matos em 1921 apaziguou Angola e lançou-a no caminho da paz e do progresso, culminado com o aumento surpreendente de todas as produções, ao desarmar as populações. Rosa Coutinho e outros, imprudentes e irresponsáveis, tiraram o descanso merecido à alma do grande general, e abriram o caminho para uma longa e medonha guerra civil e para uma delapidação da fauna e da flora. E, mais grave, alguns militares portugueses tornaram-se, depois, agentes de venda de armas e de recrutamento de mercenários. Alguns chegaram a participar em combates. Não há dúvida de que “não queriam mais guerras”!

Imediatismo foi outra das facetas da descolonização. A frase de Mário Soares diz tudo: «Quanto mais depressa nos virmos livres das colónias, melhor». Resolver tudo de imediato, e, depois, justificando com a estafada frase: “fez-se o que era possível”. Um pouco seguindo a lei Belungas. Esta historieta passou-se no futebol. Vindo dos bicanjos (berças em Portugal, grotão no Brasil) chegou Belungas um beque (defesa) com a fama de limpador de área. Dizia-se que onde ele assentava a chuteira nunca mais nascia capim. O que se confirmou em parte, pois os campos eram pelados. O capitão do time recomendou-lhe várias vezes: a bola não pode entrar na grande área, o objectivo numero um é “afastar o perigo”, chutão para a frente. Minutos decorridos vem uma bola por alto e o nosso beque aplica-lhe um chuto de voleio (ou seja sem deixá-la tocar no chão). Em que direcção ? Para a própria baliza, golo contra. O capitão, espumando de raiva, interpela-o, mas a desculpa dele deixa-o imobilizado de espanto: Ó sr. Jaime, pelo menos eu “afastei o perigo”.

Intrujice foi a palavra sempre presente em todos os actos da descolonização. Intrujice do exército português que teve sempre medo de dizer a verdade. Intrujice do colonialismo onde nunca campeou a verdade. Intrujice dos movimentos de libertação que traziam uma conversa, mas actuavam ao contrário. Intrujice dos descolonizadores ou visão curta em geopolítica e estratégia histórica?

Fig Debandada do exército português. Ele não soube (ou não quis?) arranjar uma solução política para uma guerra que estava, à partida, perdida. Todas os exércitos que lutam contra a história estão condenados à derrota. Se o exército Português tivesse formado um irmão mais novo (um exército Angolano com quadros superiores angolanos e integral capacidade de decisão) Angola hoje não apresentaria uma tal magnitude de destruição.

O que levou os militares a entrarem na guerra colonial quando se sabia, pela própria história universal, que o desfecho lhes seria adverso? E após terem passado por uma humilhação colonial na Índia em 1961? Por que não coadjuvaram o desastrado general Botelho Moniz que quis destituir Salazar? Porquê tantos altos-estudos militares, em que se estudavam todas as espécies de guerrilhas e os seus desfechos? Por que, durante os 13 anos de guerra, não forçaram o Governo a arranjar uma solução política, que teria sido fácil, como depois se verificou, quando se viram as fragilidades dos movimentos de libertação e a boa vontade da ONU, dos E.U.A. e de muitos países, até africanos? Como se pode explicar a atitude estática das forças armadas? Como pode um exército ser tão despolitizado, e reagir tão tarde? Como pode a população civil ser tão despolitizada e acomodada?


Treze anos é tempo mais do que suficiente para se ter compreendido que tinha que se arranjar uma solução política e pacífica. E, sobretudo, o exército já tinha uma triste experiência de rendição na Índia Portuguesa. E tinha o conhecimento sobre Dien Bien Phu na Indochina (tratado mais adiante neste livro) e sobre o êxodo da Argélia.
Os militares convenceram-se de que o processo ia ser pacífico ou quiseram imolar as populações que nunca se revoltaram contra a ditadura ? A primeira hipótese é pouco abonatória da sua percepção política da história; a segunda hipótese, a imolação, revela maldade própria de quem se quer ver livre de um problema de que foi o principal causador, mas do qual quer sair como imparcial. Se possível levando vantagens. E levaram-nas, mas a história, aos poucos, vai repondo as verdades.


De início o propósito do MFA era passar todo o ónus de 500 anos para os colonos, e abandoná-los, uma espécia de imolação que pode ser comparada com a fuga da tripulação de um barco, não deixando baleeiras ou salva-vidas. Era uma espécie de naufrágio do Lusitanic.
O MFA, denotando uma confrangedora perspectiva da História, esperava uma reacção independentista dos colonos, tipo Rodésia. Mas enganaram-se. Os colonos, muito sabiamente, resolveram partir em bloco. Um independência dos “brancos” era um rematado suicídio. Angola não era, nem de longe, um Brasil! Felizmente que houve unanimidade, os angolanos não eram tão ingénuos como supunham os militares descolonizadores. Há um limite para as mentiras e para a insensatez!


Houve actos da parte do presidente da Junta governativa (Rosa Coutinho) que nos levam a acreditar que ele tentou “empurrar” os “brancos” para uma independência tipo Rodésia. Assim viam-se livres de um pesado ónus histórico! De uma penada livravam-se do pesadelo originado pelo êxodo de meio milhão de pessoas.Nas arengas quotidianas de Rosa Coutinho transparece claramente a alusão, e o desejo de uma independência rodesiana.


Impunidade é outro esqueleto da descolonização. Os militares que empreenderem todo o processo revolucionário cometeram excessos que nenhum sistema judiciário deixaria passar em claro. E o que fizeram para “limpar o caminho” ? Nada mais nada menos do que forjarem, aproveitando a revolução, leis que isentavam de culpa os desmandos que eles próprios tinham feito. Mas com essas leis que eles forjaram admitiram implicitamente as culpas, chegando a denominá-las de crimes nos laudos das novas leis descriminalizantes.


Em 25 de Abril eclodiu o golpe de estado seguido de um vale tudo. Quebraram-se juramentos de lealdade, saltou-se por cima das leis, espezinharam-se regulamentos, ignoraram-se direitos e tradições. Em tempo de paz social estes desmandos são punidos com tribunais comuns ou cortes marciais, mas nada se verificou. Apareceram leis, feitas pelos próprios contraventores, isentando-os de qualquer culpa. Em 1979, quando ainda estava muita poeira no ar, os próprios revoltosos fizeram leis para limpar todas as áreas.Em 23 de Novembro de 1979 saíu a Lei 74/79 cuja alínea 1 do artigo 1º exarava:«São amnistiadas as infracções criminais e disciplinares de natureza política, incluindo as sujeitas ao foro militar cometidas depois de 25 de Abril de 1974, nomeadamente as conexionadas com os actos insurreicionais de 11 de Março de 1975 e 25 de de Novembro de 1975». Uma autêntica auto-faxina em cima de atropelos e desmandos, em alguns casos atingindo níveis criminosos. Um revoltoso, que se auto isenta de ter atropelado as leis, é marxismo puro. Não de Karl Marx mas sim de Groucho Marx. Este cómico de Hollywood ficou famoso pela suas tiradas de “non sense”. Num dos seus filmes um interlocutor diz-lhe:”Vou propô-lo para sócio do meu clube.” Responde-lhe Groucho: “Não posso aceitar essa oferta, porque eu não quero ser sócio de um clube que me vai aceitar como sócio”.

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