BEM-VINDOS A ESTE ESPAÇO

Bem-Vindos a este espaço onde a temática é variada, onde a imaginação borbulha entre o escárnio e mal dizer e o politicamente correcto. Uma verdadeira sopa de letras de A a Z num país sem futuro, pobre, paupérrimo, ... de ideias, de políticas, de educação, valores e de princípios. Um país cada vez mais adiado, um país "socretino" que tem o seu centro geodésico no ministério da educação, no cimo do qual, temos um marco trignométrico que confundindo as coordenadas geodésicas de Portugal, pensa-se o centro do mundo e a salvação da pátria.
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domingo, 6 de setembro de 2009

4 - ESQUELETOS NOS ARMÁRIOS - OS OSSOS DA DESCOLONIZAÇÃO (PARTE 3)

Voltamos a enfatizar: sem exército, sem força aérea, sem marinha, sem magistratura, sem diplomatas, sem encaixe monetário ouro, com o comércio de exportação totalmente nas mãos dos metropolitanos, sem fortunas, em flagrante inferioridade numérica, com clivagens internas graves, somatório de centenas de anos de injustiças, contra toda a opinião pública mundial, quais eram as chances de uma independência unilateral ? Os europeus de Angola estavam desinformados, optavam pela Metrópole por uma questão de sobrevivência, mas nunca embarcariam no barco furado, que era a independência pensada em Lisboa e montada pelos militares metropolitanos desejosos de abandonarem a colónia. Pensada em Lisboa, indiciando um oportunismo deslavado e descarado. Talvez imaginando que depois, se tudo corresse bem, poderiam voltar, que os grandes privilégios seriam mantidos, afinal “somos todos portugueses!”
Como um dique que rebenta, assim começou o êxodo, perante a estupefação dos líderes do Movimento das Forças Armadas. Estes julgavam que as pessoas se agarrariam aos seus bens. Pensavam que “ia ser igual ao Brasil”. Tinham como certo que os colonos usufruíam de uma vida insubstituível. Que não havia mais mundo para eles! Que não sabiam “fazer pela, vida fora de Angola”! “Que só sabiam explorar os pretos!” “Que não iam deixar o seu património de imóveis”. Mas qual era esse património? Apenas casas modestas ou apartamentos (cochichos copiados dos de Lisboa, sem garagens, com um sanitário por apartamento, as mais das vezes tipo “câmara de expurgo” sem janela). Recordamos, de novo, a frase de Marcelo Caetano:« O português não tem têmpera para suportar demorada e pacientemente contrariedades. Há que assisti-lo a cada passo, sobretudo quando longe da terra natal». O que não funcionou neste caso! Marcelo Caetano abandonou-os.

Em Angola a maioria da população europeia pertencia ao C.F.A. ou seja comércio, funcionalismo e administrativos, habituada a constantes mudanças de residência, as célebres e inopinadas transferências, eram autênticos caracóis sempre com a casa às costas. O apego à terra era reduzido. Só as actividades agro-pecuárias, de dezenas de gerações, criam o sentimento telúrico, abordado na literatura universal de que nos lembramos em “E tudo o vento levou”, “O tempo e o vento”, “Guerra e paz”, “ Dr. Jivago”, “Os Cisnes Selvagens” e outros. Só o somatório de muitas gerações a viverem e trabalharem em uma terra, é que cria o amor telúrico. Quase ninguém, entre a população europeia, tinha vínculos seculares à terra, porque a sua presença era apenas de pouco mais de meio século. A colonização europeia começou em 1848 mas só tomou expressão em 1920. Quase toda ela se cingiu ao comércio. Havia pouco contacto com o “mato”, na maioria das pessoas, o que pode filiar-se na ausência do cavalo e, posteriormente, do jipe cuja aquisição não era fácil.

Mais de 90% das cidades, vilas e povoados, em termos urbanos europeus, só apareceram depois de 1920, coincidindo com a difusão do automóvel. A maior parte dos europeus vivia nas cidades em actividades terciárias. E isso pesou muito quando eles resolveram partir. Abandonaram Angola, cada um deixando para trás apenas uma casa(a maioria das vezes alugada) e alguns haveres e, infelizmente, muito tempo perdido que mais se não conseguia recuperar. Ao contrário dos haveres, que facilmente se repõem. E até melhores.E em menos tempo.
Ninguém em Angola deixou para trás uma Tara, a fazenda dos O´Hara do filme “E Tudo o Vento Levou” carregada de força telurica. Os donos das boas fazendas, com sedes luxuosas, viviam em Lisboa. As sedes das fazendas dos que residiam em Angola eram modestas e muito recentes. Viviam do seu trabalho. Exceptuando as regiões do café, no resto não eram fazendas, apenas chitacas que não enriqueciam os donos.
Eu só me apercebi disto quando visitei fazendas no Brasil com instalações opulentas. E foram muitas as boas fazendas que visitei no Brasil onde viviam permanentemente os donos. Não viviam no Rio de Janeiro nem em S.Paulo. Ficavam vigiando a manada porque o “melhor pasto é o olho do dono”. Não é sem razão que a cidade de S.Paulo ostenta, orgulhosamente, a divisa:”mando, não sou mandado”. A cidade nunca esperou por decisões vindas de fora! Eles é que decidiam!

Hoje as saudades, exteriorizadas por alguns desangolanizados, são mais sentimentais do que epidérmicas. Já passaram trinta anos. A maioria já tem mais anos de Europa ou estrangeiro do que de Angola. A vida em África era dura, cheia de privações e de muitas frustrações. Por muito mal que se passe em Portugal, no Brasil, nos E.U.A, no Canadá e na Finlândia (até há “retornados” neste país) dispõem-se de muito mais oportunidades e facilidades do que em Angola. Em Portugal há algumas contrariedades: as filas no trânsito, as esperas nos hospitais que, apesar de tudo, são de melhor qualidade do que em África, as escandaleiras do dia a dia, as politiquices de baixo nível, os políticos profissionais e preguiçosos, as constantes ameaças de que o nível de vida vai baixar “nestes próximos anos”, as inconcebíveis derrotas internacionais em futebol, as incríveis peripécias nos tribunais onde até se roubam máquinas multibanco etc.
No tempo do “marsupialismo colonial” tudo era feito pelos angolanos, mas nada era decidido por eles. Ficava-se sempre à espera das decisões e ordens de Lisboa. Depois da independência, tudo é decidido em Luanda, mas os angolanos, agora, podem esperar eternamente. Tudo é feito pelos doadores, pelas ONG´s, e, ultimamente, pelos chineses. Quando é que Angola começa a “carburar”como país deixando de lado tantos cooperantes ? Alguém acredita que há benfeitores dispostos a ajudar, desinteressadamente, os angolanos ? Alguém acredita que os estrangeiros vão ensinar as suas tecnologias?

Uma das desculpas do descalabro final :“era a descolonização que era possível”. Não concordamos. É certo que, devido à intransigência de Salazar e, depois, às irresoluções de Marcelo Caetano, tinha-se atingido um “no return point” ou seja um ponto de não retorno.
Politicamente era uma situação muito complexa agravada pela permanente inacção política, em que se encontravam as gentes de Angola. Inacção filiada na ignorância.E que caracterizou, também, a postura do exército. O exército, em 13 anos de guerra, nunca pensou em soluções políticas, apesar de os militares já estarem saturados de acções no terreno. Infelizmente nunca pressionaram o governo para arranjar uma saída política para o “saco de gatos” em que se tinha transformado o Ultramar.
O exército mantinha-se afastado dos civis, não dialogava com eles, os militares ficavam confinados às suas messes, restaurantes, casões e casulos. Os militares do Quadro só intervinham na vida civil quando “ abichavam um tacho”. E os civis em Angola desinteressaram-se da guerra, “isso é com os militares” dizia a maioria. Mas alguns, com fanfarronices, diziam”qualquer dia vamos nós resolver o problema”. Estes, possivelmente, já tinham comprado sapatos de maratonas, ou até sapatilhas de corridas de 100 m. E tinham um “apartamentozito” em Portugal.

Apesar de Marcelo proclamar que o comboio da autonomia progressiva estava em andamento, a realidade era diferente. Não havia comboio, andava-se apenas em um tapete rolante. Em 1974 Angola não apresentava nenhuma RN ( referência nacional )ou, se quiserem,uma RP (referência provincial ). Ninguém com expressão para aparecer como representante das gentes angolanas, do povo que residia permanentemente em Angola. Mas no estrangeiro eram às dezenas os nacionalistas angolanos, alguns conhecidos internacionalmente e com grande prestígio, como é o caso de Viriato Cruz, Gentil Viana,Agostinho Neto, Mário de Andrade, Joaquim de Andrade e outros.
Portugal nunca encarou uma independência endógena, isto é, de dentro para fora (feita pelos residentes angolanos) e o resultado viu-se. Foi uma independência exógena, de fora para dentro, desastrada, em que forasteiros, sem qualquer vínculo com Angola, “esgaravataram”, perante a impotência, a tristeza e muita raiva, dos filhos de Angola. Onde estão agora, e o que fazem, as centenas de “barbudinhos portugueses” que caíram em Angola, como enxames de marimbondos (que me desculpem estes simpáticos ,e úteis insectos, pela comparação), e espalharam o ódio e a discórdia ? E, depois, desapareceram como tinham chegado: sorrateiramente. Será que ainda são marxistas?

Angola era um campo fértil para todos estes aventureiros “salvadores do mundo”, que iam implantar a justiça social (que nunca existiu no mundo), porque os governos coloniais sempre persistiram em não ceder qualquer espécie de governo ou de representação aos angolanos. Fazia parte do folclore angolano: o governo central, na década de 50, desviou para Macau o prestigiado director das finanças , filho da Huíla, Simões de Abreu, porque ele era natural de Angola. Mas Simões de Abreu, dotado intelectualmente, nunca tinha mostrado qualquer pendor político.
O governo central via fantasmas na própria sombra. Marcelo Caetano não se cansava de falar na autonomia progressiva que estava em marcha. Em teoria. Em 1972 foi designado para Presidente da Câmara de Luanda um metropolitano, sem qualquer consulta aos luandenses. Não desmerecendo do ilustre presidente, mas, deste modo, onde é que estava a tal autonomia progressiva? O mesmo se passou em outras Câmaras de Angola. E em quase todos os governos de distrito! Só quando o colonialismo estava agonizante é que houve alguns governadores de distrito angolanos, mas de ascendência europeia.

Para tratar da descolonização foi nomeada uma troica, que, à boa maneira portuguesa, era composta por quatro elementos. Tomaram posse mas nada resolveram. Deixaram tudo ao sabor dos acontecimentos. Por ignorância ? Por maldade ? Por preguiça ? Por pragmatismo que, levado ao extremo, é acomodação ? Por ideologia ? Só os futuros historiadores poderão responder, mas para nós fica a impressão de que foi uma mistura de todas estas interrogações. Mas podem-se fazer, desde já, algumas conjecturas. Os “troiquianos” chegaram a pensar que Angola era um novo Brasil, que as pessoas não deixariam os seus bens. Nos discursos iniciais transparece uma certeza misturada com um optimismo patético e um irrealismo atroz: os europeus não abandonariam a colónia, inicialmente haveria alguns confrontos que se iriam amortecer com o tempo. É sintomática a frase do Presidente da Junta Governativa Rosa Coutinho(42): «...eles sabem que vão perder privilégios mas vão ganhar noutros campos...» Estes militares, apesar dos inúmeros altos estudos que faziam (ou seriam estudos por alto?), estavam altamente por fora de tudo o que fosse sociologia ou geo-estratégia mundial, estavam confrangedoramente ausentes das realidades.

Logo a seguir ao 25 de Abril, em uma conferência de imprensa do general Costa Gomes, em que este fez um discurso tranquilizador (e mentiroso, também ), um jornalista perguntou se o governo garantia o transporte das “bicuatas” (imbambas, trastes ou tarecos) de quem quisesse partir. O que ele foi dizer! Foi brutalmente deblaterado, tudo sob o efeito das patriotadas que acompanharam a vida de Angola ao longo de meio século. As pessoas, e os governantes, refugiavam-se em cenários continuistas, do género “isto aqui é diferente”. Quem assim falava, repetimos, já era dono de um apartamento nas avenidas novas em Lisboa.
Mas a “troica” de quatro elementos, um autêntico cavalo de Troia (ou um cavalo da Troica ?), dois dos quais com comissões militares em Angola, tinha obrigação de sentir o problema e ver que, pelos factos negativos, acumulados em centenas de anos, apontados ao longo deste livro, e pela acção nefasta dos comunistas em Lisboa, haveria que acautelar os interesses dos angolanos envolvidos neste furacão africano. O que teria então que ser feito? Com uma transição de alguns anos dar tempo a uma retirada com dignidade, salvaguardando os haveres, as economias e, principalmente, os documentos pessoais. A própria ONU perfilharia uma transição de, no mínimo, 5 anos. O então Secretário Geral da ONU Kurt Waldheim esteve em Lisboa em Agosto de 1974 e ofereceu os seus préstimos ao sugerir uma transição. Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Melo Antunes não aceitaram a oferta de Kurt Waldheim, achavam que era desprestigiante para Portugal. Mas aceitaram os milhões de dólares doados pelos Estados Unidos e outros países. O dinheiro foi todo desbaratado. Este dinheiro obstou a que o turismo em Portugal não entrasse em falência. Facto nunca visto, os desalojados foram aboletados em hotéis de cinco estrelas, mas o tratamento era o de um quartel.

Isto na pior das hipóteses, porque haveria outras soluções menos radicais que até poderiam passar por um entendimento.Difícil mas possível. O “status quo” da África do Sul era bem pior e conseguiram-se plataformas de conciliação.
Um entendimento para o qual era necessário muito pragmatismo, mas dentro de parâmetros realistas, a ser encarado por políticos excepcionais. O que infelizmente não foi o caso. A clivagem entre as duas comunidades, a europeia e a africana, foi intencionalmente exagerada com o fim de entregar o país ao bloco soviético. Para quê, afinal? Para descambar no impensável: centenas de multinacionais, os tais “cães imperialistas”, que eles apontavam nas suas arengas, instalaram-se em Angola, onde continuam, com a maior das calmas, a explorar todas as riquezas sem que o estado lhes imponha obrigações, ou as fiscalize,como é norma nos países mais evoluídos onde, também, se encontram instaladas. Mas nestes com obrigações trabalhistas.
Em abono da verdade, o que poderiam fazer os angolanos que ficaram, sem quadros e com o país esfrangalhado, face à invasão dos oportunistas e das multinacionais?
E o que fez a Troica ? Nada. Ingenuamente, ou por maldade porque queriam ver-se livres deles, acreditaram que “os brancos não saiem” e limitaram-se a viajar de cidade em cidade, de Alvor para Nakuru, de Nakuru para Lusaca e, nos intervalos, para Nova Iorque, Paris e outras cidades. As agências de viagens podem confirmar. Negociações? Assina-se tudo o que puserem à frente. O chic era aparecer na primeira página da Time, Newsweek, L´Express, Pravda e outros. Mas, já naquela altura, qual era o interesse em aparecer no Pravda ?
Um dos componentes da “Troica” chegou a pronunciar uma frase histórica, uma óbvia conclusão lapaliciana: «Emoção à parte, só não vê quem não quer que a posição de Angola é substancialmente diversa». Mas, pelos vistos, ele não enxergou. O processo foi igual ao da Guiné, sem desmerecimento por este país.

E chegou-se a este extremo: quem saísse de Angola com dinheiro ou haveres era preso no aeroporto. E em pleno governo ainda português. Dinheiro ganho no labor do dia a dia, ao longo de duros anos! Era proibido levar quaisquer valores, uma proibição que deixaria Lenine, Estaline e Hitler completamente embevecidos.
Comigo passou-se um caso hilariante. Tive que sair pelo terminal normal em Agosto de 1975. Apesar de ainda subsistir a autoridade portuguesa fui revistado de alto a baixo, apreenderam-me todos os escudos angolanos, mas consegui sair com 500 dólares, debaixo do saco, onde um apalpanço se torna embaraçoso. Mas o mais hilariante desta revista foi o facto de me terem apreendido um frasco que continha terra de Silva Porto e de Malanje. Desconfiados, julgando ser pó de ouro ou diamantes escondidos. Deve ter sido a primeira terra expropriada e nacionalizada.
A queima de etapas era inevitável. O entusiasmo pela independência atingiu níveis de intolerância difíceis de conter mas, pelo menos, tinha-se que garantir as vidas e os haveres dos angolanos que repudiavam a índole marxista de que se rodeou todo o processo, e a situação caótica que se instalou no dia a dia. Não eram só os colonos que iam ser abandonados. Milhões de africanos estavam na mesma situação e estes não tinham onde se refugiar. Porque o governo português recusou-lhes a nacionalidade, apesar de estar expresso nos seus bilhetes de identidade que eram portugueses. E de se ter afirmado, sempre, “Portugal do Minho a Timor”.
E foi surpreendente. A maioria dos europeus e descendentes resolveu partir, perante a estupefação dos militares que estavam convencidos que Angola era um novo Brasil. E resolveram partir, também, perante a estupefação ainda maior, milhares de africanos, receosos pelo futuro. E como tinham razão. O tempo mostrou-o, sobejamente.

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