Antes do aparecimento dos antibióticos, um remédio drástico, para a febre das mabatas, era a administração, em injecções, do célebre 914. Constituição deste “remédio”: mercurio. Dizia-se que o nome 914 era devido ao facto de se terem feito 914 experiências até se conseguir uma fórmula de mercurio assimilável pelo organismo e que não matava o doente. As injecções eram dadas nas veias por um enfermeiro experiente. E era assim: espetava-se agulha e depois injectava-se um pequeníssimo volume e esperava-se pela reacção do doente. Se nada houvesse, injectava-se mais uma pequena dose e esperava-se. E assim até à dose total. Ou letal se houvesse infelicidade. As injecções de 914 eram o terror de toda a gente. Eram usadas, também, para combater a sifílis e as doenças venéreas renitentes. Muita gente julgava que o nome provinha da guerra de 1914.Mais tarde descobriu-se o salvarsan cujo componente era o arsenio, outro veneno.
O nome científico da “doença do sono” é Tripanossomíase Africana que é causada por um protozoário flagelado. O nome popular da Tripanossomíase Americana é “doença de Chagas”. A doença do sono caracteriza-se por febres intermitentes, inflamação dos gânglios linfáticos, inchaços generalizados e, claro, por uma sonolência incontrolável. A doença foi devastadora noutras épocas. Ironicamente foi ela que evitou a matança total dos grandes mamíferos africanos, em especial do elefante. Este animal, sentindo-se acuado, por causa da procura do marfim, refugiou-se em áreas de grande incidência da doença do sono ou em áreas com falta de água.
O mal é transmitido através de uma pequena mosca a Glossina Palpalis ou tsé-tsé como é conhecida em toda a África. Os hospedeiros do ciclo evolutivo da doença são a mosca e os mamíferos. Destes exceptuam-se os animais selvagens africanos aclimatados e com anti-corpos para a doença. O gado bovino não estava imune e morria quando se fixava em uma região com aquela mosca. Mais uma vez, ironicamente, foi a mosca que evitou a formação de pastos para os bois e, consequentemente, a devastação da flora natural. Alguns grandes parques naturais devem muito da sua existência à mosca tsé tsé. Foi só em 1910 que se correlacionou a doença com o vector mosca.
A tsé tsé ingere os tripanossomas aspirando o sangue humano ou de outro qualquer mamífero. O ciclo evolutivo na mosca é de cerca de 20 dias findos os quais o tripanossoma aloja-se na saliva. A partir daqui a transmissão dá-se com qualquer picada do insecto. O período de incubação nos mamíferos é de 2 a 3 semanas. A picada no homem fica com 2 cm de diâmetro e apresenta uma côr amarela esbranquiçada que desaparece em poucos dias. As febres são intermitentes, podendo atingir mais de 40ºC. Duram semanas. Depois começam as sonolências que conduzem à morte se a doença não for tratada. Na fase terminal o sono é tão profundo que induz as pessoas a suporem que o paciente já morreu. Existiam vários remédios que sustinham a doença na fase inicial. O mais conhecido em Angola era a pentamidina que era administrada através de injecções intramusculares. As célebres Brigadas de Pentamidinização operaram um verdadeiro milagre sanitário em Angola com a redução da doença a níveis mínimos, sem expressão estatística. Os médicos e enfermeiros eram dos melhores do continente africano.
A Tripanossomíase Americana , mais conhecida por “doença de Chagas”, tem a mesma etiologia da “doença do sono” africana. Os doentes apresentam inchaços nos gânglios linfáticos, no fígado, no baço e no coração. O agente Tripanossoma Cruzi é transmitido através de insectos da família dos Reduviidae parecidos com baratas de cor preta. No Brasil são conhecidos popularmente por barbeiro ou chupão. Esta doença ataca também os mamíferos.
Foi o médico brasileiro Carlos Chagas (1879/1934) que descobriu o Tripanossoma Americana e baptizou-o com o nome de Cruzi em homenagem ao médico brasileiro, seu mestre, Osvaldo Cruz. Sózinho Carlos Chagas fez o estudo completo da doença sob os aspectos etiológicos, patogénicos, anatómicos, patológicos, sintomáticos, suas formas clínicas, meios de transmissão, epidemiológicos, e profiláticos. Um estudo completo, caso único na história da medicina mundial. Chagas estabeleceu a correlação da doença e seus vectores. Uma história que, talvez, pertença ao folclore brasileiro narra que a criança com 7 anos de idade a quem o médico Chagas retirou o sangue, onde descobriu o tripanossoma, viveu para lá dos oitenta anos, um caso de convivência amigável com a doença.
No Brasil, como já se afirmou, o agente vector do Tripanossoma Cruzi é conhecido, popularmente por barbeiro ou chupão, devido à picada sangrenta que ele faz, geralmente, na cara das pessoas, porque o resto do corpo está tapado durante o sono. A área preferida para a picada, por ser de pele macia, é a das pálpebras.
Uma mãe leva a filha ao médico, A moça anda pálida e sem forças. O médico faz análises de sangue, chama a mãe e diz-lhe: eu já desconfiava, a sua filha foi chupada pelo barbeiro. Bem que me parecia, comentou a mãe, e o safado dizendo a toda a hora que era engenheiro civil!
A bilharzíose ou esquistossomíase é originada por helmintos (lombrigas) que se alojam nos intestinos ou na bexiga. A doença existia em águas estagnadas. Há duas variedades a africana ou bilharzíose urogenital e a americana ou bilharzíose intestinal. Em Angola a doença não estava tão generalizada como no Brasil o que se pode explicar pela morfologia fluvial: os rios de Angola são, regra geral, turbulentos com poucas águas estagnadas. O tratamento era feito à base de antimónio que, já de si, é um veneno. Eram as célebres injecções de Fuadine, temidas por todos os pacientes.
A amebiana ou amebíase é provocada por um parasita protozoário que se aloja nos intestinos, podendo invadir o fígado. O agente é a Entameba histolística. A água de alguns rios angolanos é portadora desta doença. Só a água que saía das rochas ou do solo (ressurgências) era de confiança. A característica principal desta doença era a diarreia violenta que evoluia para hemorragias. O tratamento era longo, os doentes atingiam fases dramáticas de emagrecimento. Os antibióticos contribuiram bastante para reduzir a periculosidade da doença, embora não fossem milagrosos como, por exemplo, na febre das mabatas.
Era inexistente a cólera em Angola devido ao bom estado sanitário das cidades. Nas aldeias africanas, apesar de não haver saneamento básico, nunca se verificou a mínima ameaça de tal doença, porque os aglomerados eram pequenos, e havia cuidados rudimentares de profilaxia. A unica ameaça, no século 20 no tempo colonial registou-se nos princípios dos anos 70, mas a prevenção foi tão eficaz que se registaram muito poucos casos.
O tétano era uma ameaçadora doença até meados dos anos 30, o índice mortal era de 100%. È provocado por um bacilo que resiste a altas e a baixas temperaturas. Forma esporos e fica incubado durante anos até encontrar um hospedeiro. Não tem agente transmissor mas sabe dissimular-se, geralmente está incubado em velhos ou enferrujados objectos metálicos (parafusos, pregos,facas, canivetes, garfos, arcos de barril etc). Os solos contaminados com fezes são também um habitat natural do bacilo. Quem pisasse um prego ferrujento estava sujeito, com grandes probabilidades, em contrair o tétano. A doença provoca espasmos e convulsões. As contracções espasmódicas nos maxilares são um indício certeiro da doença.Os médicos em Angola empreenderam, desde cedo na década de 30, um ataque frontal à doença: a vacina anti-tetânica era obrigatória e gratuita, o soro anti-tetânico era o primeiro a ser injectado nos feridos que apareciam nos hospitais. No fim do Tempo Extra a doença praticamente não fazia vítimas devido à boa cobertura sanitária. Sabia-se que ela continuava nos seus locais predilectos, especialmente em pregos ferrugentos. Por isso era obrigatória a vacina anti-tetânica.
Em Angola corria uma lenda: um alfaiate inadvertidamente palitou os dentes com uma crina de cavalo daquelas que se usavam antigamente nos colarinhos dos casacos para lhes dar mais rigidez. Em duas semanas morreu com o tétano.
O bócio é o aumento da glândula tireóide ( maçã de Adão), por isso é denominada hipertireoidismo. Uma característica é o aumento do pescoço formando uma pronunciada papada.A doença é também conhecida por papeira, embora este nome pertença a outra moléstia a parotidite ou inflamação das glândula salivares, no Brasil denominada caxumba. Outra característica do bócio é o esbugalhamento dos olhos. Esta moléstia é provocada por deficiência de iodo nas águas e nos alimentos. Em Angola esta doença era muito comum nos planaltos, com grande incidência em regiões típicas, como por exemplo grande parte da bacia do rio Luando, na área do habitat da Palanca Preta, e nas Lundas. O sal marinho com iodo, que se tornou obrigatório, o uso quotidiano de tintura de iodo, vendida pelos comerciantes, e a difusão do peixe seco do mar(ombisse, corruptela da palavra peixe), de Moçâmedes de Porto Alexandre e da Baía dos Tigres, baixaram drasticamente o índice desta enfermidade.
A filariose (elefantíase) era provocada por helmintos sendo o homem o principal hospedeiro, embora os macacos, os gatos e os cães estivessem sujeitos à doença. A filariose é transmitida por insectos hematófagos com especial relevância para os mosquitos. O helminto adulto circula pelo corpo onde parasita os vasos linfáticos, o tecido conjuntivo sub-cutâneo e as cavidades do corpo: as larvas circulam no sangue onde se acumulam em camadas superficiais sob a pele. Estas camadas entopem as veias e dão origem a inchaços brutais originando, quando nas pernas, a característica “pata de elefante” daí derivando o nome de elefantíase. A confirmação desta doença era feita através de observações microscópicas. Não havia cura, embora houvesse tratamentos mitigadores desagradáveis porque eram à base de substâncias venenosas. As medidas de prevenção, instituídas em Angola, baixaram bastante os indices desta doença. A prevenção era feita sobre os insectos hematófagos, em especial sobre os mosquitos. Uma variedade desta doença era a oncocercose, com as mesmas caracteríticas da filariose, mas que levavam à cegueira. O mosquito, vector da oncocercose, só vive em ambientes de água batida, ou seja, próximo de quedas de água. Por isso era conhecida por doença das mupas ( quedas de água).
Em Angola houve sempre muita aversão em viver-se próximo de rios, por isso a doença não era vulgar. O mesmo já não acontecia no Congo Belga (actual República Democrática do Congo) onde era comum encontrarem-se aldeias inteiras de cegos. Faziam uma vida normal, o que deixou completamente espantado um antropólogo belga. Apenas um único pormenor saltava à vista: caminhavam em fila, sempre que se deslocavam, o guia era o que ainda tinha uma certa visão. Mas uma pessoa menos avisada não dava pela cegueira total na região, onde os habitantes tinham controle sobre quaisquer pessoas estranhas que lá entrassem.
A febre amarela é originada por um vírus através de um mosquito o aedes aegypti que transmite a doença, por picada, depois de um período de incubação de duas semanas.A fêmea infectada, ao picar um mamífero para recolher sangue, transmite o vírus. Ela põe os ovos em qualquer recipiente húmido, como por exemplo vasos de plantas dentro das próprias casas. Só em 1926 é que várias comissões internacionais, que estiveram em estudos em África, concluiram que a febre amarela é um vírus transmitido através do mosquito referido. Os hábitos do mosquito aedes aegypti só foram conhecidos muito tempo depois e, por isso, as brigadas sanitárias desesperavam porque não conseguiam erradicar os insectos. Eles estavam dentro das habitações, em especial nos vasos de plantas.Cabe aqui a frase “dormindo com o inimigo”. Em Angola os meios de erradicação dos mosquitos e, especialmente a vacinação obrigatória extinguiram a doença.
A lepra era causada pelo bacilo de Hansen por isso é que a imprensa denominava a doença por hanseníase, tirando assim a carga negativa que aquele nome carregava desde a Idade Média. Os serviços de saúde angolanos concentraram-se, em força, na erradicação da doença. Boas gafarias, muita higiene e a administração de sulfonas estavam acabando com a doença. Estou convencido que hoje seria apenas uma má recordação do passado.
A poliomielite foi uma doença universal que infelizmente se propagou por Angola. Foi das primeiras regiões no mundo a usar a vacina Salk, depois substituida por uma vacina oral a Sabin. Em 1964 já era obrigatória a vacina quádrupla em crianças: Sarampo, tétano, difteria e poliomielite. Esta doença estava, praticamente, erradicada.
Uma temível doença em Angola era a hidrofobia, popularmente conhecida por raiva. Trata-se de um vírus, que se instala na saliva dos animais infectados, animais domésticos especialmente, e que se transmite através de mordidas. Os sintomas da doença são febre, inquietação e depressão. A inquietação acaba por se transformar em excitação incontrolável: o doente espuma e tem espasmos na garganta que o impossibilitam de beber qualquer líquido. Daí o nome hidrofobia. A morte é inevitável, não há qualquer espécie de cura, mas há o soro anti-rábico que é eficaz em quase 100% dos inoculados, desde que não haja atrasos nas aplicações.. Desde muito cedo, ainda na década de 20, que esta doença foi atacada com todos os recursos. Qualquer pessoa, em qualquer ponto do país, mordida por um animal, era imediatamente submetida a uma bateria de injecções dolorosas, na barriga. A doença nos animais era vigiada pelos Serviços de Veterinária. Estava praticamente extinta, o ultimo caso, devido a uma lamentável displicência, foi em 1964.
A doença mais terrível em África foi a varíola, de resto foi ainda mais violenta no continente americano. Recordamos que as civilizações Incas, Maias e Astecas, assim como as diversas nações nativas nos Estados Unidos, esfacelaram-se em parte devido à aterradora moléstia.
Para África a doença foi trazida da Europa e encontrou indivíduos com muito pouca resistência ao vírus. Os resultados, em toda a África foram devastadores. De uma expedição de Silva Porto ao Barotze (Zâmbia), em 1880, composta por centenas de pessoas, regressaram umas dezenas, figuras fantasmagóricas com o olhar carregado de terror. A doença começa com umas manchas vermelhas localizadas principalmente na cara, nos braços e nas pernas. Sob febres violentíssimas as manchas transformam-se em pápulas, em vesículas que se juntam umas às outros formando “tubos” que, depois, rebentam em pústulas.
O aspecto do doente é aterrador, até o pessoal médico acaba por esquecer o juramento de Hipócrates e trata de escapar com vida, segundo o velho lema “Presença de espírito e Ausência de corpo”. Jorge Amado, no livro “Tereza Batista cansada de guerra” descreve uma epidemia de varíola no interior do estado de Sergipe. O capítulo intitula-se “ABC da peleja entre Tereza Batista e a Bexiga Negra”. O abecedário é percorrido em 48 páginas de um dramatismo acompanhado de cenas picarescas descrevendo o cinismo e a cobardia dos responsáveis pela cidade de Boquim no interior do estado de Sergipe. E destacando a valentia das mulheres populares, verdadeiras heroínas dentro do pânico que se instalou na cidade. O capítulo é uma obra prima da literatura.
Uma das primeiras medidas de Norton de Matos, ainda no seu primeiro governadorado em 1912, foi a cobertura de todo o território com a vacina contra a varíola. Na década de 30 estava praticamente erradicada, mas a vacinação, obrigatória, ostensiva e gratuita só foi abolida após a Organização Mundial da Saúde ter declarado a doença como extinta em 1980. Em Angola a varíola foi extinta 40 anos antes de a Organização Mundial de Saúde ter declarado que mais nenhum caso se tinha verificado em todo o mundo.
Antes do aparecimento das sulfamidas e, depois, dos antibióticos (a penicilina como eram designados quando apareceram), era vulgar infectar-se qualquer ferimento. Qualquer ferida, mesmo “desinfectada”, tinha uma grande probabilidade de ficar infectada e, às vezes, fora de controle.
Manda a verdade que se diga que os desinfectantes (alcool, água oxigenada mercuro-cromo e tintura de iodo) não eliminavam totalmente as bactérias que nos rodeavam. Eram vulgares os panarícios, as unhas encravadas e o acne originarem infecções. Quando a infecção se tornava grave podia dar origem a uma septicemia. Esta doença é provocada pelo envenenamento do sangue com bactérias, e provocava a morte, antes do aparecimento das sulfamidas e dos antibióticos. Nas cidades havia postos médicos, abertos todo o dia, destinados a fazer curativos de feridas, a darem injecções de quinino e de pneuquinol para as bronquites,e a inocularem vacinas ( varíola, tétano, febre amarela e soro anti- rábico especialmente). Mudar o penso a uma ferida era um hábito corriqueiro. Conheci um funcionário de finanças, filósofo (infelizmente não pôde continuar os estudos) , que dizia que “ir ao posto de socorros tem o seu quê de metafísico, “porque penso, logo existo”.
Só a partir de 1920 é que os partos em Angola, das mulheres europeias, deixaram de ser um motivo de inquietação. Relatos antigos elucidam-nos sobre as parturientes europeias em Angola: quase sempre os partos eram fatais para mãe e filha. A febre puerperal, que vitimava as parturientes, não estaria relacionada com a facilidade infeccional que existia em Angola?
O herpes labial era uma afecção que aparecia, regra geral, após um ataque de paludismo.Para curar o herpes havia os três Ps: prazo, paciência e um penso para esconder a ferida.
Faziam parte da vida das pessoas os desinfectantes creolina, permanganato de potássio, mercuro-cromo, tintura de iodo e o inócuo alcool. Na higiene avultavam os sabonetes mercuriais Lifebuoy ( nada tem a ver com o actual) e Sapocian (liquido especial para relações sexuais suspeitas).
O nome científico da “doença do sono” é Tripanossomíase Africana que é causada por um protozoário flagelado. O nome popular da Tripanossomíase Americana é “doença de Chagas”. A doença do sono caracteriza-se por febres intermitentes, inflamação dos gânglios linfáticos, inchaços generalizados e, claro, por uma sonolência incontrolável. A doença foi devastadora noutras épocas. Ironicamente foi ela que evitou a matança total dos grandes mamíferos africanos, em especial do elefante. Este animal, sentindo-se acuado, por causa da procura do marfim, refugiou-se em áreas de grande incidência da doença do sono ou em áreas com falta de água.
O mal é transmitido através de uma pequena mosca a Glossina Palpalis ou tsé-tsé como é conhecida em toda a África. Os hospedeiros do ciclo evolutivo da doença são a mosca e os mamíferos. Destes exceptuam-se os animais selvagens africanos aclimatados e com anti-corpos para a doença. O gado bovino não estava imune e morria quando se fixava em uma região com aquela mosca. Mais uma vez, ironicamente, foi a mosca que evitou a formação de pastos para os bois e, consequentemente, a devastação da flora natural. Alguns grandes parques naturais devem muito da sua existência à mosca tsé tsé. Foi só em 1910 que se correlacionou a doença com o vector mosca.
A tsé tsé ingere os tripanossomas aspirando o sangue humano ou de outro qualquer mamífero. O ciclo evolutivo na mosca é de cerca de 20 dias findos os quais o tripanossoma aloja-se na saliva. A partir daqui a transmissão dá-se com qualquer picada do insecto. O período de incubação nos mamíferos é de 2 a 3 semanas. A picada no homem fica com 2 cm de diâmetro e apresenta uma côr amarela esbranquiçada que desaparece em poucos dias. As febres são intermitentes, podendo atingir mais de 40ºC. Duram semanas. Depois começam as sonolências que conduzem à morte se a doença não for tratada. Na fase terminal o sono é tão profundo que induz as pessoas a suporem que o paciente já morreu. Existiam vários remédios que sustinham a doença na fase inicial. O mais conhecido em Angola era a pentamidina que era administrada através de injecções intramusculares. As célebres Brigadas de Pentamidinização operaram um verdadeiro milagre sanitário em Angola com a redução da doença a níveis mínimos, sem expressão estatística. Os médicos e enfermeiros eram dos melhores do continente africano.
A Tripanossomíase Americana , mais conhecida por “doença de Chagas”, tem a mesma etiologia da “doença do sono” africana. Os doentes apresentam inchaços nos gânglios linfáticos, no fígado, no baço e no coração. O agente Tripanossoma Cruzi é transmitido através de insectos da família dos Reduviidae parecidos com baratas de cor preta. No Brasil são conhecidos popularmente por barbeiro ou chupão. Esta doença ataca também os mamíferos.
Foi o médico brasileiro Carlos Chagas (1879/1934) que descobriu o Tripanossoma Americana e baptizou-o com o nome de Cruzi em homenagem ao médico brasileiro, seu mestre, Osvaldo Cruz. Sózinho Carlos Chagas fez o estudo completo da doença sob os aspectos etiológicos, patogénicos, anatómicos, patológicos, sintomáticos, suas formas clínicas, meios de transmissão, epidemiológicos, e profiláticos. Um estudo completo, caso único na história da medicina mundial. Chagas estabeleceu a correlação da doença e seus vectores. Uma história que, talvez, pertença ao folclore brasileiro narra que a criança com 7 anos de idade a quem o médico Chagas retirou o sangue, onde descobriu o tripanossoma, viveu para lá dos oitenta anos, um caso de convivência amigável com a doença.
No Brasil, como já se afirmou, o agente vector do Tripanossoma Cruzi é conhecido, popularmente por barbeiro ou chupão, devido à picada sangrenta que ele faz, geralmente, na cara das pessoas, porque o resto do corpo está tapado durante o sono. A área preferida para a picada, por ser de pele macia, é a das pálpebras.
Uma mãe leva a filha ao médico, A moça anda pálida e sem forças. O médico faz análises de sangue, chama a mãe e diz-lhe: eu já desconfiava, a sua filha foi chupada pelo barbeiro. Bem que me parecia, comentou a mãe, e o safado dizendo a toda a hora que era engenheiro civil!
A bilharzíose ou esquistossomíase é originada por helmintos (lombrigas) que se alojam nos intestinos ou na bexiga. A doença existia em águas estagnadas. Há duas variedades a africana ou bilharzíose urogenital e a americana ou bilharzíose intestinal. Em Angola a doença não estava tão generalizada como no Brasil o que se pode explicar pela morfologia fluvial: os rios de Angola são, regra geral, turbulentos com poucas águas estagnadas. O tratamento era feito à base de antimónio que, já de si, é um veneno. Eram as célebres injecções de Fuadine, temidas por todos os pacientes.
A amebiana ou amebíase é provocada por um parasita protozoário que se aloja nos intestinos, podendo invadir o fígado. O agente é a Entameba histolística. A água de alguns rios angolanos é portadora desta doença. Só a água que saía das rochas ou do solo (ressurgências) era de confiança. A característica principal desta doença era a diarreia violenta que evoluia para hemorragias. O tratamento era longo, os doentes atingiam fases dramáticas de emagrecimento. Os antibióticos contribuiram bastante para reduzir a periculosidade da doença, embora não fossem milagrosos como, por exemplo, na febre das mabatas.
Era inexistente a cólera em Angola devido ao bom estado sanitário das cidades. Nas aldeias africanas, apesar de não haver saneamento básico, nunca se verificou a mínima ameaça de tal doença, porque os aglomerados eram pequenos, e havia cuidados rudimentares de profilaxia. A unica ameaça, no século 20 no tempo colonial registou-se nos princípios dos anos 70, mas a prevenção foi tão eficaz que se registaram muito poucos casos.
O tétano era uma ameaçadora doença até meados dos anos 30, o índice mortal era de 100%. È provocado por um bacilo que resiste a altas e a baixas temperaturas. Forma esporos e fica incubado durante anos até encontrar um hospedeiro. Não tem agente transmissor mas sabe dissimular-se, geralmente está incubado em velhos ou enferrujados objectos metálicos (parafusos, pregos,facas, canivetes, garfos, arcos de barril etc). Os solos contaminados com fezes são também um habitat natural do bacilo. Quem pisasse um prego ferrujento estava sujeito, com grandes probabilidades, em contrair o tétano. A doença provoca espasmos e convulsões. As contracções espasmódicas nos maxilares são um indício certeiro da doença.Os médicos em Angola empreenderam, desde cedo na década de 30, um ataque frontal à doença: a vacina anti-tetânica era obrigatória e gratuita, o soro anti-tetânico era o primeiro a ser injectado nos feridos que apareciam nos hospitais. No fim do Tempo Extra a doença praticamente não fazia vítimas devido à boa cobertura sanitária. Sabia-se que ela continuava nos seus locais predilectos, especialmente em pregos ferrugentos. Por isso era obrigatória a vacina anti-tetânica.
Em Angola corria uma lenda: um alfaiate inadvertidamente palitou os dentes com uma crina de cavalo daquelas que se usavam antigamente nos colarinhos dos casacos para lhes dar mais rigidez. Em duas semanas morreu com o tétano.
O bócio é o aumento da glândula tireóide ( maçã de Adão), por isso é denominada hipertireoidismo. Uma característica é o aumento do pescoço formando uma pronunciada papada.A doença é também conhecida por papeira, embora este nome pertença a outra moléstia a parotidite ou inflamação das glândula salivares, no Brasil denominada caxumba. Outra característica do bócio é o esbugalhamento dos olhos. Esta moléstia é provocada por deficiência de iodo nas águas e nos alimentos. Em Angola esta doença era muito comum nos planaltos, com grande incidência em regiões típicas, como por exemplo grande parte da bacia do rio Luando, na área do habitat da Palanca Preta, e nas Lundas. O sal marinho com iodo, que se tornou obrigatório, o uso quotidiano de tintura de iodo, vendida pelos comerciantes, e a difusão do peixe seco do mar(ombisse, corruptela da palavra peixe), de Moçâmedes de Porto Alexandre e da Baía dos Tigres, baixaram drasticamente o índice desta enfermidade.
A filariose (elefantíase) era provocada por helmintos sendo o homem o principal hospedeiro, embora os macacos, os gatos e os cães estivessem sujeitos à doença. A filariose é transmitida por insectos hematófagos com especial relevância para os mosquitos. O helminto adulto circula pelo corpo onde parasita os vasos linfáticos, o tecido conjuntivo sub-cutâneo e as cavidades do corpo: as larvas circulam no sangue onde se acumulam em camadas superficiais sob a pele. Estas camadas entopem as veias e dão origem a inchaços brutais originando, quando nas pernas, a característica “pata de elefante” daí derivando o nome de elefantíase. A confirmação desta doença era feita através de observações microscópicas. Não havia cura, embora houvesse tratamentos mitigadores desagradáveis porque eram à base de substâncias venenosas. As medidas de prevenção, instituídas em Angola, baixaram bastante os indices desta doença. A prevenção era feita sobre os insectos hematófagos, em especial sobre os mosquitos. Uma variedade desta doença era a oncocercose, com as mesmas caracteríticas da filariose, mas que levavam à cegueira. O mosquito, vector da oncocercose, só vive em ambientes de água batida, ou seja, próximo de quedas de água. Por isso era conhecida por doença das mupas ( quedas de água).
Em Angola houve sempre muita aversão em viver-se próximo de rios, por isso a doença não era vulgar. O mesmo já não acontecia no Congo Belga (actual República Democrática do Congo) onde era comum encontrarem-se aldeias inteiras de cegos. Faziam uma vida normal, o que deixou completamente espantado um antropólogo belga. Apenas um único pormenor saltava à vista: caminhavam em fila, sempre que se deslocavam, o guia era o que ainda tinha uma certa visão. Mas uma pessoa menos avisada não dava pela cegueira total na região, onde os habitantes tinham controle sobre quaisquer pessoas estranhas que lá entrassem.
A febre amarela é originada por um vírus através de um mosquito o aedes aegypti que transmite a doença, por picada, depois de um período de incubação de duas semanas.A fêmea infectada, ao picar um mamífero para recolher sangue, transmite o vírus. Ela põe os ovos em qualquer recipiente húmido, como por exemplo vasos de plantas dentro das próprias casas. Só em 1926 é que várias comissões internacionais, que estiveram em estudos em África, concluiram que a febre amarela é um vírus transmitido através do mosquito referido. Os hábitos do mosquito aedes aegypti só foram conhecidos muito tempo depois e, por isso, as brigadas sanitárias desesperavam porque não conseguiam erradicar os insectos. Eles estavam dentro das habitações, em especial nos vasos de plantas.Cabe aqui a frase “dormindo com o inimigo”. Em Angola os meios de erradicação dos mosquitos e, especialmente a vacinação obrigatória extinguiram a doença.
A lepra era causada pelo bacilo de Hansen por isso é que a imprensa denominava a doença por hanseníase, tirando assim a carga negativa que aquele nome carregava desde a Idade Média. Os serviços de saúde angolanos concentraram-se, em força, na erradicação da doença. Boas gafarias, muita higiene e a administração de sulfonas estavam acabando com a doença. Estou convencido que hoje seria apenas uma má recordação do passado.
A poliomielite foi uma doença universal que infelizmente se propagou por Angola. Foi das primeiras regiões no mundo a usar a vacina Salk, depois substituida por uma vacina oral a Sabin. Em 1964 já era obrigatória a vacina quádrupla em crianças: Sarampo, tétano, difteria e poliomielite. Esta doença estava, praticamente, erradicada.
Uma temível doença em Angola era a hidrofobia, popularmente conhecida por raiva. Trata-se de um vírus, que se instala na saliva dos animais infectados, animais domésticos especialmente, e que se transmite através de mordidas. Os sintomas da doença são febre, inquietação e depressão. A inquietação acaba por se transformar em excitação incontrolável: o doente espuma e tem espasmos na garganta que o impossibilitam de beber qualquer líquido. Daí o nome hidrofobia. A morte é inevitável, não há qualquer espécie de cura, mas há o soro anti-rábico que é eficaz em quase 100% dos inoculados, desde que não haja atrasos nas aplicações.. Desde muito cedo, ainda na década de 20, que esta doença foi atacada com todos os recursos. Qualquer pessoa, em qualquer ponto do país, mordida por um animal, era imediatamente submetida a uma bateria de injecções dolorosas, na barriga. A doença nos animais era vigiada pelos Serviços de Veterinária. Estava praticamente extinta, o ultimo caso, devido a uma lamentável displicência, foi em 1964.
A doença mais terrível em África foi a varíola, de resto foi ainda mais violenta no continente americano. Recordamos que as civilizações Incas, Maias e Astecas, assim como as diversas nações nativas nos Estados Unidos, esfacelaram-se em parte devido à aterradora moléstia.
Para África a doença foi trazida da Europa e encontrou indivíduos com muito pouca resistência ao vírus. Os resultados, em toda a África foram devastadores. De uma expedição de Silva Porto ao Barotze (Zâmbia), em 1880, composta por centenas de pessoas, regressaram umas dezenas, figuras fantasmagóricas com o olhar carregado de terror. A doença começa com umas manchas vermelhas localizadas principalmente na cara, nos braços e nas pernas. Sob febres violentíssimas as manchas transformam-se em pápulas, em vesículas que se juntam umas às outros formando “tubos” que, depois, rebentam em pústulas.
O aspecto do doente é aterrador, até o pessoal médico acaba por esquecer o juramento de Hipócrates e trata de escapar com vida, segundo o velho lema “Presença de espírito e Ausência de corpo”. Jorge Amado, no livro “Tereza Batista cansada de guerra” descreve uma epidemia de varíola no interior do estado de Sergipe. O capítulo intitula-se “ABC da peleja entre Tereza Batista e a Bexiga Negra”. O abecedário é percorrido em 48 páginas de um dramatismo acompanhado de cenas picarescas descrevendo o cinismo e a cobardia dos responsáveis pela cidade de Boquim no interior do estado de Sergipe. E destacando a valentia das mulheres populares, verdadeiras heroínas dentro do pânico que se instalou na cidade. O capítulo é uma obra prima da literatura.
Uma das primeiras medidas de Norton de Matos, ainda no seu primeiro governadorado em 1912, foi a cobertura de todo o território com a vacina contra a varíola. Na década de 30 estava praticamente erradicada, mas a vacinação, obrigatória, ostensiva e gratuita só foi abolida após a Organização Mundial da Saúde ter declarado a doença como extinta em 1980. Em Angola a varíola foi extinta 40 anos antes de a Organização Mundial de Saúde ter declarado que mais nenhum caso se tinha verificado em todo o mundo.
Antes do aparecimento das sulfamidas e, depois, dos antibióticos (a penicilina como eram designados quando apareceram), era vulgar infectar-se qualquer ferimento. Qualquer ferida, mesmo “desinfectada”, tinha uma grande probabilidade de ficar infectada e, às vezes, fora de controle.
Manda a verdade que se diga que os desinfectantes (alcool, água oxigenada mercuro-cromo e tintura de iodo) não eliminavam totalmente as bactérias que nos rodeavam. Eram vulgares os panarícios, as unhas encravadas e o acne originarem infecções. Quando a infecção se tornava grave podia dar origem a uma septicemia. Esta doença é provocada pelo envenenamento do sangue com bactérias, e provocava a morte, antes do aparecimento das sulfamidas e dos antibióticos. Nas cidades havia postos médicos, abertos todo o dia, destinados a fazer curativos de feridas, a darem injecções de quinino e de pneuquinol para as bronquites,e a inocularem vacinas ( varíola, tétano, febre amarela e soro anti- rábico especialmente). Mudar o penso a uma ferida era um hábito corriqueiro. Conheci um funcionário de finanças, filósofo (infelizmente não pôde continuar os estudos) , que dizia que “ir ao posto de socorros tem o seu quê de metafísico, “porque penso, logo existo”.
Só a partir de 1920 é que os partos em Angola, das mulheres europeias, deixaram de ser um motivo de inquietação. Relatos antigos elucidam-nos sobre as parturientes europeias em Angola: quase sempre os partos eram fatais para mãe e filha. A febre puerperal, que vitimava as parturientes, não estaria relacionada com a facilidade infeccional que existia em Angola?
O herpes labial era uma afecção que aparecia, regra geral, após um ataque de paludismo.Para curar o herpes havia os três Ps: prazo, paciência e um penso para esconder a ferida.
Faziam parte da vida das pessoas os desinfectantes creolina, permanganato de potássio, mercuro-cromo, tintura de iodo e o inócuo alcool. Na higiene avultavam os sabonetes mercuriais Lifebuoy ( nada tem a ver com o actual) e Sapocian (liquido especial para relações sexuais suspeitas).
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