Pouco a pouco os colonos portugueses começaram a absorver as tecnologias bóeres, indiscutivelmente adaptadas a África, e o povoamento europeu começou, timidamente, a consolidar-se, graças aos carroções. A implantação de três ferrovias de penetração, a partir de 1903,embora uma só delas se tenha internacionalizado , e a chegada do automóvel(1910), tornaram, finalmente, possível a fixação de colonos no interior.Tinham acabado os carregadores, uma fonte de azedumes e violências. Já se podiam importar as pesadas máquinas de cerâmica, revolucionando a construção de habitações.Como escreveu o geógrafo Orlando Ribeiro«A penetração africana é esporádica,tardia e incompleta».
O povoamento de Angola com europeus, ou seja a passagem de feitoria a colónia, teve início em 1910, muito embora só tenha tomado expressão a partir de 1920. Mas logo ficou evidente que o
Fig 6 - Luanda em 1885. Era a cidade mais desenvolvida na costa ocidental africana.
povoamento europeu não seria de índole agro-pecuária mas sim de índole comercial. Os africanos produziam e os europeus comercializavam. Foi uma simbiose que deu certo. À data da independência (1975) Angola detinha, em termos de diversidade de géneros agrícolas, a melhor balança comercial internacional. Exportavam-se mais de 30 géneros agrícolas, pecuários e de pescas.
Muito diferente do Brasil, onde os solos e pastos são incomparavelmente melhores. A boa adaptação dos gados cavalar e bovino, a fertilidade dos solos, e um comércio interno aberto e de grandes consumos foram o suporte de uma promissora agro-pecuária em terras brasileiras. Não sucedeu isto em Angola.
Factor climático ou de saúde – Resolvido o velhíssimo problema dos transportes começou o povoamento, de início timidamente e, depois, com rapidez. A partir de 1920 foram fundadas
centenas de povoações que logo se converteram em vilas e, algumas, em cidades. Com o comboio e o automóvel foi possível atacar os dois maiores flagelos da colónia: o paludismo e a doença do sono. Foram secados pântanos nas cidades, com a plantação de eucaliptos, o uso do quinino generalizou-se, foram adoptadas medidas rigorosas de prevenção. O paludismo ou malária começou a declinar de tal maneira que em 1960 já nem se falava em anti-palúdicos. O combate à doença do sono começou na década de 20, embora se não dispusesse de remédios directos como, por exemplo, o quinino para a malária.
Apesar de tudo, os resultados foram notáveis pois a doença do sono começou a diminuir. Tal como com a malária, o principal combate incidiu sobre a prevenção, ou seja eliminando os habitantes dos mosquitos e da mosca tsé-tsé. Nos primórdios da independência ninguém se recordava mais da malária ou da doença do sono. As outras doenças, como por exemplo a raiva, o tétano e a varíola foram eliminadas com vacinas ou medidas profiláticas, num épico combate dia a dia. As rigorosas medidas de higiene, com pisos cimentados nas casas, foram um factor decisivo para o melhoramento sanitário da colónia.
Fig 7 - Hospital Maria Pia em Luanda em 1885. Era o melhor edifício da colónia e era, também, o melhor hospital da África Ocidental.
Factor geopolítico – Portugal, pequeno país europeu, possuir vastas regiões em África foi sempre motivo de grandes invejas e ameaças de desapropriação. Países maiores e mais fortes economicamente não se conformavam com esta distribuição. As ameaças vinham de longe, desde a Conferência de Berlim em 1885, Ultimato em 1890, um conluio entre a Alemanha e a Inglaterra em 1905, com a primeira grande guerra em 1914, com a Sociedade das Nações em 1920, com o Relatório Ross em 1925, com os apetites de Hitler e a expulsão dos judeus em 1935, com Roosevelt durante a guerra 39-45. Portugal esteve quase sempre atemorizado com as ameaças de esbulho.
Factor Metrópole ou centralismo – Às grandes dificuldades intrínsecas que Portugal encarou, em relação à colonização de Angola, somaram-se as manobras dos africanistas, residentes em Lisboa, que tudo fizeram para atrasar o processo histórico de Angola. Os governos de Lisboa governavam obcecados com a síndrome do Brasil. A oligarquia que se assenhoreou dos destinos de Angola e, principalmente, das suas riquezas e da sua mão de obra dócil e barata, logo que ela passou de feitoria a colónia, não dava margem para autonomia e, muito menos, para o desenvolvimento de um capitalismo sólido. O processo histórico da independência brasileira povoou, sempre, a mente dos governantes em Lisboa e, especialmente, dos oligarcas donos das riquezas e do trabalho de Angola.
Nos governos da Primeira República, talvez sob influência maçónica, romântica, houve alguns períodos de “abertura” , infelizmente de pouca duração. O primeiro governo de Norton de Matos estendeu-se de 1912 a 1914; o segundo governo, com poderes de Alto-Comissário (podia lavrar decretos), durou quatro anos, de 1921 a 1924. Estes governos ainda trouxeram uma aragem de modernidade. Com Salazar em 1930, tudo piorou. Os poderes dos Altos Comissários foram cerceados, até se extinguirem, em simultâneo com o nome. Novamente os Governadores Gerais, mas agora meras correias de transmissão. As grandes fortunas internas (na relatividade angolana) diluiram-se em falências, desistências e sob leis sufocadoras. O número de europeus em Angola em 1930 era de cerca de 60 000; em 1940 eram 40 000. Neste ano já o grande capital era todo metropolitano. Investir-se em Angola passou a ser um favor que os oligarcas metropolitanos concediam a Angola. Para piorar, não se autorizavam quaisquer empréstimos ou entradas de capital estrangeiro. E havia bancos estrangeiros desejosos de entrar em Angola. Não havia bancos comerciais com empréstimos de longo prazo. Um atroz mercantilismo mais consentâneo com o século 19.
O regime de Salazar, no que toca ao povoamento europeu,esteve sempre afundado num paradoxo. Porfiava-se no povoamento rápido por europeus, mas mantinham-se e criavam-se leis que o obstaculizavam. Para um português viver em Angola necessitava de uma “carta de chamada” um precursor dos actuais vistos de permanência.Não se asfaltavam as estradas, um motor de arranque para o desenvolvimento de um país virgem. Não se construíam grandes barragens das quais se podia obter electricidade muito barata, um chamariz para indústrias. Não se autorizavam bancos comerciais que pudessem financiar grandes projectos agro-pecuários. Os bancos portugueses, únicos detentores do capital, estavam “entocados” em Lisboa. Nenhum banco metropolitano cogitou abrir agências em Angola. Só a partir de 1961 é que isso se verificou, mas com muitas deficiências: o crédito agro-pecuário de longa duração só se tornaria efectivo na década de 70, já muito próximo da independência.
Fig 8 -Cameron, um inglês que passou em Angola em 1875, escreveu:«Benguela é, como importância, a segunda das cidades portuguesas da costa ocidental; ela tem com o interior um comércio considerável de cera e marfim e alguns dos comerciantes têm pescarias na costa. As ruas são largas, as casas brancas, as portas e as janelas pintadas de cores vivas, que dão à cidade um ar de limpeza. No centro há um jardim público, feito com gosto, um jardim bem conservado onde a banda militar toca todos os domingos à tarde. Quanto a edifícios há a Alfandega, um muito bom hospital, o palácio do governador, o tribunal e uma igreja que só é aberta para baptismos e enterros;»
O ensino esteve abandonado até 1961, o maior erro colonial. O ensino universitário era tabu. Os diamantes não podiam ser garimpados, tudo era monopólio de uma multinacional. Possuir diamantes era um crime do mesmo jaez de um homicídio. E, por último, os africanos, inegavelmente uma formidável força de trabalho, “uns imigrantes que jogavam em casa”, uma massa buliçosa e criativa, não foram aproveitados, pelo contrário, viveram sufocados por leis incríveis de trabalho compelido, deficits de cidadania e proibições de mobilidade. E, principalmente, com o ensino totalmente vedado.Era com os africanos que se deveria ter feito “o povoamento” de Angola, era com eles que se poderia ter feito um novo Brasil.
A partir de 1951, ano em que a ONU “começou a meter o nariz”, passou a ser tudo metropolitano, ratificando o slogan “Do Minho a Timor”. Angola passou outra vez a designar-se por província ultramarina. Lisboa tudo decidia, ficou célebre o facto de se pedir autorização ao Ministério das Colónias para se mudar o nome de uma rua de Luanda. Foi um retrocesso que se revelou fatal, decorridos 25 anos. Angola ficou sempre fragilizada, sob o aspecto político, militar, cultural e financeiro. Tudo era resolvido por Salazar. Infelizmente foi ele quem preparou tudo para
Fig 9 – Hospital de Benguela em 1879. Como foi mencionado na Fig 8 Cameron referiu-se a ele «...um muito bom hospital...». E tinha as suas razões porque nele foi bem tratado, de um violento ataque de escorbuto que o pôs às portas da morte.
que Angola não fosse usufruída por aqueles que contribuíram na sua formação de nação moderna, europeus e africanos. Mas que, tendenciosamente mal informados, sempre o apoiaram julgando que ele era o mais sábio.Lisboa manteve,sempre, uma interface entre as duas comunidades, a africana e a europeia, de modo a complicar quaisquer veleidades autonómicas.Dividir para governar de acordo com a velha máxima de Roma. A independência acabou por chegar, mas vinda de fora.No processo da independência só intervieram os metropolitanos comissionados e os angolanos no exílio.
Lei Joaquim da Silva: “queres que a tua firma entre em colapso? Entrega-a a um gerente que resida a mais de 7 000 km, não conhece os teus negócios, e pior, os negócios dele colidem com os teus. E,sobretudo, ele prima sempre pela ausência, governa com conselheiros, infelizmente mal intencionados”.
De 1930 a 1974 o factor que mais pesou no atraso histórico de Angola foi, indubitavelmente, a obsessão metropolitana de tudo controlar, de manter a colónia rigorosamente portuguesa. Até 1930 o maior factor de atraso tinha sido o das doenças, seguido dos transportes. Depois de ultrapassados todos os obstáculos físicos, que impediam uma colonização europeia, iria aparecer uma última barreira, mas humana: a intransigência de Salazar, levada quase aos extremos de obsessão.
Os colonos em Angola, de parceria com os angolanos, conseguiram vencer, em meio século, todas as adversidades, de geografia, de clima, de solos pouco férteis, de doenças-talvez entre as piores do mundo-de transportes e comunicações e até conseguiram acalmar as diversas nações do tecido angolano.Depois da chegada dos colonos, só a partir de 1920, Angola entrou em um verdadeiro regime de paz.
Os portugueses em Angola fundaram, em meio século, mais de 30 cidades, mais de 150 vilas e mais de 2000 povoações comerciais.Os colonos de Angola aglutinaram todas os povos em uma Nação Única, sob uma língua oficial.Estava consolidada a tardia “pax angolensis”, ao fim de séculos. Angola estava unificada, com as fronteiras bem definidas e com uma boa administração secundária.Os colonos só não conseguiram vencer a obsessão psicótica de Lisboa em relação ao “complexo Ipiranga”.
Em quase 500 anos de permanência em Angola os governos em Lisboa quiseram ser, sempre, os donos incontestáveis da situação, de actuação e mandos absolutos. E foram, infelizmente. Nunca abdicaram do poder, nem mesmo na infame descolonização.
Fig 10 - Uma rua de Diamantina (Brasil). A cidade foi fundada em 1713 devido ao aparecimento de diamantes. Ainda hoje mantém a traça colonial, carinhosamente preservada. As injustiças e violências que se verificaram com o garimpo de diamantes não constituíram motivo para destruições.
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