Espaço público
Escutas: coisas simples duma coisa complexa
1. O país vem sendo sacudido por um terramoto jurídico-político, com epicentro nos problemas normativos e semânticos suscitados pelo regime das escutas telefónicas. Uma discussão em que se fez ouvir um coro incontável de vozes, vindas de todos os azimutes. E todas a oferecer vias hermenêuticas de superação dos problemas. E a reivindicar para si o fio de Ariana capaz de nos fazer sair do labirinto. Foi como se, de repente, Portugal se tivesse convertido numa imensa Escola de Direito. Mas o lastro que as ondas vão deixando na praia está longe de ser gratificante. Mais do que uma experiência de academia, fica-nos a sensação de um regresso a Babel: se é certo que quase todos falam do mesmo, quase ninguém diz a mesma coisa. Não sendo possível referenciar uma gramática comum, capaz de emprestar racionalidade ao debate e sugerir pontes de convergência intersubjectiva. Se bem vemos as coisas, uma das causas deste “desastre hermenêutico”, com réplicas tão profundas como perturbadoras no plano político, ter-se-á ficado a dever ao facto de se terem perdido de vista as coisas mais simples. Que, por serem as mais lineares e aproblemáticas, poderiam valer como apoios seguros, a partir dos quais se lograria a progressão nas áreas mais minadas pelas dificuldades e desencontros. É um exercício neste sentido, feito sobre a margem das coisas simples, que valerá a pena ensaiar.
2. Manda a verdade que se comece por sinalizar um primeiro dado: o problema ficou em grande medida a dever-se a uma pequena intervenção no Código de Processo Penal, operada em 2007. Que introduziu no diploma um preceito, filho espúrio do caso “Casa Pia”. E, por sobre tudo, um preceito atrabiliário, obscuro, desnecessário e absurdo. Logo porquanto, a considerar-se merecida e adequada uma certa margem de prerrogativa processual para titulares de órgãos de soberania, então nada justificaria que ela se circunscrevesse às escutas. E se silenciassem outros meios, nomeadamente outros meios ocultos de investigação, reconhecidamente mais invasivos e com maior potencial de devassa (vg. gravações de conversas cara a cara, acções encobertas, etc.). A desnecessidade resulta do facto de, já antes de 2007, a lei portuguesa conter um equilibrado regime de privilégio para aquelas altas instâncias políticas. Já então se prescrevia que as funções de juiz de instrução fossem, em relação a elas, exercidas por um conselheiro do STJ. Assim, a Reforma de 2007 deixou atrás de si um exemplar quadro de complexidade. Nos processos instaurados contra aquelas altas figuras de Estado, há agora um normal juiz de instrução: um conselheiro que cumpre todas as funções de juiz de instrução, menos uma, precisamente a autorização e o controlo das escutas. Ao lado dele intervém um segundo e complementar juiz de instrução, o presidente do STJ, entrincheirado num círculo circunscrito de competência: só se ocupa das escutas. Isto não obstante os problemas das escutas serem, paradigmaticamente, actos de instrução; e, pior do que isso, não obstante aquele primeiro juiz de instrução ter competência para todos os demais actos de instrução, inclusivamente daqueles que contendem com os mais devastadores meios de devassa que podem atingir os mais eminentes representantes da soberania. Manifestamente, o legislador (de 2007) não quis ajudar. Mesmo assim, nem tudo são sombras no quadro normativo ao nosso dispor. Importa, para tanto, tentar alcançar uma visão sistémica das coisas. E agarrar os tópicos mais consolidados e inquestionáveis, convertendo-os em premissas incontornáveis do discurso. E, por vias disso, fazer deles pontos de partida, lugares obrigatórios de passagem e de regresso, sempre que pareça que as sombras se adensam e as luzes se apagam.
3. A começar, uma escuta, autorizada por um juiz de instrução no respeito dos pressupostos materiais e procedimentais prescritos na lei, é, em definitivo e para todos os efeitos, uma escuta válida. Não há no céu — no céu talvez haja! — nem na terra, qualquer possibilidade jurídica de a converter em escuta inválida ou nula. Pode, naturalmente, ser mandada destruir, já que sobra sempre o poder dos factos ou o facto de os poderes poderem avançar à margem da lei ou contra a lei. Mas ela persistirá, irreversível e “irritantemente”, válida! Sendo válida, o que pode e deve questionar-se é — coisa radicalmente distinta — o respectivo âmbito de valoração ou utilização. Aqui assoma uma outra e irredutível evidência: para além do processo de origem, ela pode ser utilizada em todos os demais processos, instaurados ou a instaurar e relativos aos factos que ela permitiu pôr a descoberto, embora não directamente procurados (“conhecimentos fortuitos”). Isto se — e só se — estes conhecimentos fortuitos se reportarem a crimes em relação aos quais também se poderiam empreender escutas. Sejam, noutros termos, “crimes do catálogo”. De qualquer forma, e com isto se assinala uma outra evidência, a utilização/valoração das escutas no contexto e a título de conhecimentos fortuitos não depende da prévia autorização do juiz de instrução: nem do comum juiz de instrução que a lei oferece ao cidadão comum, nem do qualificado juiz de instrução que a mesma lei dispensa — em condições de total igualdade, descontada esta diferença no plano orgânico-institucional — aos titulares de órgãos de soberania. De forma sincopada: em matéria de conhecimentos fortuitos, cidadão comum e órgãos de soberania estão, rigorosamente, na mesma situação. Nem um, nem outro gozam do potencial de garantia própria da intervenção prévia de um juiz de instrução, a autorizar as escutas.
4. Uma outra e complementar evidência soa assim: as escutas podem configurar, no contexto do processo para o qual foram autorizadas e levadas a cabo, um decisivo e insuprível meio de prova. E só por isso é que elas foram tempestivamente autorizadas e realizadas. Mas elas podem também configurar um poderoso e definitivo meio de defesa. Por isso é que, sem prejuízo de algumas situações aqui negligenciáveis, a lei impõe a sua conservação até ao trânsito em julgado. Nesta precisa medida e neste preciso campo, o domínio sobre as escutas pertence, por inteiro e em exclusivo, ao juiz de instrução do localizado processo de origem. Que, naturalmente, continua a correr os seus termos algures numa qualquer Pasárgada, mais ou menos distante de Lisboa. Um domínio que não é minimamente posto em causa pelas vicissitudes que, em Lisboa, venham a ocorrer ao nível de processos, instaurados ou não, aos titulares da soberania. Não se imagina — horribile dictum — ver as autoridades superiores da organização judiciária a decretar a destruição de meios de prova que podem ser essenciais para a descoberta da verdade. Pior ainda se a destruição tiver também o efeito perverso de privar a defesa de decisivos meios de defesa. Por ser assim, uma vez recebidas as certidões ou cópias, falece àquelas superiores autoridades judiciárias, e nomeadamente ao presidente do STJ, legitimidade e competência para questionar a validade de escutas que, a seu tempo, foram validamente concebidas, geradas e dadas à luz. Não podem decretar retrospectivamente a sua nulidade. O que lhes cabe é tão-só sindicar se elas sustentam ou reforçam a consistência da suspeita de um eventual crime do catálogo imputável a um titular de órgão de soberania. E, nesse sentido e para esse efeito, questionar o seu âmbito de valoração ou utilização legítimas. E agir em conformidade. O que não podem é decretar a nulidade das escutas: porque nem as escutas são nulas, nem eles são taumaturgos. O que, no limite e em definitivo, não podem é tomar decisões (sobre as escutas) que projectem os seus efeitos sobre o processo originário, sediado, por hipótese, em Pasárgada, e sobre o qual não detêm competência.
5. É o que, de forma muito concentrada, nos propomos, por ora, sublinhar. Quisemos fazê-lo com distanciação e objectividade, sine ira et studio. Mantendo a linha, o tom e a atitude de anos de investigação e ensino votados à matéria. E sem outro interesse que não o de um contributo, seguramente modesto, para a reafirmação e o triunfo da lei. Pela qual devemos bater-nos “como pelas muralhas da cidade” (Heraclito). E certos de que, também por esta via, se pode contribuir para o triunfo das instituições. E, reflexamente, para salvaguardar e reforçar o prestígio e a confiança nos titulares dos órgãos de soberania cujos caminhos possam, em qualquer lugar, cruzar-se com os da marcha da Justiça.
9 comentários:
Sabem quem é Costa Andrade, o professor em que o juiz de Aveiro, suporta a sua defesa? - antigo deputado do PSD - mas palavras para quê!
O comentário anterior tipifica exemplarmente a mentalidade socrática: a argumentação, por mais racional e vigorosa, contra o supremo mundo socrático não passa de soez e traiçoeiro ataque político... Subentendido implicitamente o conceito dos pequeninos Sócrates de que a independência e a honradez não existem nos outros, tudo se resume à cabala e à conspiração política contra o novo deus. E em terra de cegos essa gente vai-se governando...
a respeito dos segredos de estado alegados por muitos como uma das causas para não se escutar o presidente e primeiro ministro queria dizer que presidente e primeiro ministro so com pessoas do conselho de estado e altos dignatários estrangeiros e neste ultimo caso só se o interesse nacional o exigir e que podem falar de segredos de estado não sei se armando vara e amigos pertencem a alguma destas categorias senão tem que se por os energúmenos na cadeia,presidente e o caso espionagem triste figura primeiro ministro pgr presidente do stj idem vamos recorrer a quem a imprensa censurada aonde tem que se passar por censores pidescos e 120caracteres para comentar ou melhor para precisamente não se comentar al capone jardim e outros figurantes portugal esta moribundo e os portugueses no geral também isto podia ter solução o problema mais grave e que pior que o cego e aquele que não e cego mas não quer ver ou seja a maioria do povo caminhamos a passos largos e rápidos para a ditadura depois como sempre venham chorar sobre o leite derramado.
Insultos, NÃO !!!!
As pessoas podem comentar à vontade, não podem é insultar, apenas pelo facto de não concordarem, pese embora sejam FACTOS REAIS e VERDADEIROS que nem o Sócrates ainda desmentiu.
Todos nós sabemos como Sócrates se tem comportado desde o curso que tirou a um domingo na Independente até à pouca vergonha das escutas da Face Oculta mas parece que ainda há pessoas que achando que é mentira o que o Sócrates anda a fazer, disparam insultos a torto e a direito.
Se o sr. "Luis Novo" quer discordar, muito bem, agora insultar, ... isso é que não.
Em primeiro lugar o texto inicial está escrito de uma maneira (linguagem jurídica excessiva) que parece propositada para dificultar a análise e contraposição de argumentos. Depois, o senhor que escreveu o texto têm todo o direito à sua opinião jurídica, mas isso não a faz, de certeza, mais correcta. Eu gostaria de ouvir mais substancia e não tanto barulho. Não é o facto de algumas pessoas chamarem muitas vezes o PM de corrupto que o faz corrupto. Por uma vez, gostaria de ver factos, e não boatos.
Depois de ler a explanação apresentada a propósito da destruição de escutas telefónicas em que o Primeiro-Ministro é apanhado por tabela,fiquei com a perfeita noção de que qualquer acto praticado no âmbito de um processo de investigação judiciária desde que válidamente executado não pode ser destruído apenas pelo simples facto das escutas a orgãos de soberania só poderem ser aprovadas pelo Presidente do Supremo tribunal de Justiça ou ainda que este possa opinar sózinho da imputabilidade ou não de um Cidadão-Orgão de Soberania( se pode é porque mal vai quem cria leis destas,claramente feitas por encomenda para dar possibilidade de branqueamento e deixar impunes quem entra na teia do poder) porque aquilo a que acabamos de assistir foi claramente o encobrimento por parte do Procurador-geral e do Presidente do Supremo de actos lesivos de pessoas e da sociedade...PERGUNTA-SE QUAL A TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES A PRATICAR PELOS DETENTORES DE ORGÃOS DE SOBERANIA PARA QUE O PRIMEIRO-MINISTRO FOSSE ACUSADO...TENHAM DÓ,PODE HAVER NESTE CANTINHO À BEIRA MAR PLANTADO MUITO PARVO...MAS A MAIORIA NÃO É.
Não sou a favor do poder na rua e penso que a ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA ESCORADA COM O PODER JUDICIAL ATRAVÉS DO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA É QUE DEVERIA TER O PODER DE OPINAR SOBRE ASSUNTOS A ORGÃOS DE SOBERANIA.
O sr. Hugo diz o seguinte:
"Eu gostaria de ouvir mais substancia e não tanto barulho. Não é o facto de algumas pessoas chamarem muitas vezes o PM de corrupto que o faz corrupto. Por uma vez, gostaria de ver factos, e não boatos."
Quer factos e substância quer?
- Os documentos das falsas habilitações de Sócrates não são factos reais (palpáveis) e com substância?
- Os documentos das falsificações dos registos biográficos na Assembleia da República não são factos reais (palpáveis) e com substância?
- Os projectos do amigo da Câmara Municipal da Guarda assinados pelo Sócrates não são factos reais (palpáveis) e com substância?
- Os offshores da sua casa e da casa da mãe, não são factos reais (palpáveis) e com substância?
- O Freport e a Cova da Beira não têm factos reais e de substância que quando chegam à estrutura superior da justiça ... se atrasam?
- Na face oculta, os telefonemas foram inventados? Não existiram? Não são factos reais e com substância?
PORQUÊ que Sócrates não nega as conversas e está preocupado com a sua publicação? Quer é que as conversas sejam anuladas e inválidas, POR QUE SERÁ?
As conversas são privadas? Também as do professor Charrua eram e ele foi despedido da DREC.
Os telefonemas são inválidos?
Mas para a professora de Espinho foram utilizadas as gravações para a suspender por 1 ano sem direito a vencimento.
Sócrates não é o quarto, nem o terceiro, nem sequer o segundo ministro. É O PRIMEIRO, aquele que deve dar o EXEMPLO.
Pelo andar da carruagem, já se percebeu o promíscuo que ele é.
RICO EXEMPLO !!!!!!!
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