BEM-VINDOS A ESTE ESPAÇO

Bem-Vindos a este espaço onde a temática é variada, onde a imaginação borbulha entre o escárnio e mal dizer e o politicamente correcto. Uma verdadeira sopa de letras de A a Z num país sem futuro, pobre, paupérrimo, ... de ideias, de políticas, de educação, valores e de princípios. Um país cada vez mais adiado, um país "socretino" que tem o seu centro geodésico no ministério da educação, no cimo do qual, temos um marco trignométrico que confundindo as coordenadas geodésicas de Portugal, pensa-se o centro do mundo e a salvação da pátria.
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terça-feira, 23 de outubro de 2007

O SILÊNCIO QUE GRITA

Fonte: Carlos Gonçalves - Angola Digital
Wednesday, 13 June 2007
Especial Angola Digital.
Existem gritos estrondosos que ressoam e tudo estremecem à sua passagem. Existem gritos finos, secos, curtos e imediatos, brevíssimos de uma agonia fatal e eficaz. Existem gritos agudos cujos decibéis estilhaçam os vidros à volta. Existe o grito e existe o silêncio. Sobre o 27 de Maio de 1977 existem as duas coisas.
Na carta que escreve ao Semanário Angolense nº 139, Artur Pestana “Pepetela” levanta uma ponta do véu ao assumir ter feito parte de uma “Comissão criada pelo Bureau Político do MPLA com o objectivo de seleccionar, entre os depoimentos dos detidos na altura, os que seriam mais elucidativos para serem transmitidos pelos Órgãos de Informação”. Esta passagem da carta é, pelo menos, elucidativa para algumas ilações, nomeadamente que Artur Pestana terá ouvido muita coisa. Também que havia uma estratégia clara para a propaganda do facto, pelo menos para a difusão de esclarecimentos que servissem, na óptica do Estado, para marcar uma posição clara do tratamento a dar a qualquer tentativa semelhante.
O 27 de Maio, ao que se diz, marca uma tentativa de golpe de Estado, liderada por Nito Alves e José Van-Duném, contra Agostinho Neto por divergências ideológicas. O que se seguiu persiste até hoje na encruzilhada entre o imaginário e a ficção.Os que sabem não falam, os que sabem um pouco especulam, os que não sabem nada fazem que sabem. O facto é que todos sentem medo, o mesmo medo que aterroriza até os que não viveram directamente, ou eram miúdos, ou somente ouviram falar. Um medo que trespassa gerações, portanto. Mas que medo é esse? Certamente o medo que impõe o silêncio.
A questão é que esse silêncio já não se justifica no quadro de uma politica de “reconciliação nacional” entre angolanos desavindos ao longo dos anos. Em termos políticos houve “perdão” e “reconciliação” para os da FNLA. Houve “perdão” e “reconciliação” para os da UNITA. Houve “perdão” e “reconciliação” com o Zaire (RDC), ainda no tempo de Mobutu. Houve “perdão” e “reconciliação” com os “colonialistas” de Portugal. Houve “perdão” e “reconciliação” com os Estados Unidos da América. Houve “perdão” e “reconciliação” para muitos crimes económicos e civis de pessoas singulares e colectivas. Não haverá perdão para os “crimes” do 27 de Maio?
Enquanto não se sabem as razões desse “silêncio de estado” temos de convir que, do ponto de vista moral, os familiares têm direito à indignação. Fala-se que não há uma família sequer que não tenha ficado afectada com os acontecimentos de 27 de Maio, com grande incidência para as zonas de Luanda, Bengo, Kwanza-Norte, Malange, Benguela e até mesmo de angolanos que viviam e estudavam no estrangeiro. Diz-se à boca miúda que nas cadeias de Luanda a “intriga” tinha mais força que a justiça e, até que se esclarecessem alguns “equívocos”, a desgraça já havia chegado e os parentes partido para um destino até hoje incerto. É evidente que há aqui responsabilidades do Estado por cumprir.
É imperioso que se expurgue essa mácula do nosso passado (i)moral e que, verdadeiramente, façamos uma reconciliação “tout-court” entre todos, apelando à nossa imensa capacidade de “perdoar”, ou não será também infinita a bondade dos homens políticos? Á Comissão a que pertenceu Artur Pestana “Pepetela”, criada pelo Bureau Politico do MPLA, poderia certamente pedir-se que viesse fazer uma reconstituição das audições, certamente ainda num qualquer arquivo. Poderia mesmo criar-se uma nova Comissão de Conciliação para os acontecimentos do 27 de Maio. Porque não?
Hoje o medo frio que perpassa pela “espinha dorsal” da sociedade angolana, ambígua entre o “amor” e o “ódio” ao seu próprio Estado-Nação, com temor “inquisitivo” à sua Polícia de Segurança do Estado, leva-me a supor que relativamente ao 27 de Maio existe na geração que a viveu directamente um tipo de “medo” capaz de se alastrar como um desígnio e uma espécie de consciência nacional da paralisia dos sentidos. Essa etapa, que queremos saltar na história da construção da nossa Nação, faz lembrar dramas que ocorreram em diversos lugares pelo “abafamento” de “pequenos pecados?” mal expurgados em determinadas sociedades.
Os conflitos nos Balcãs e no Ruanda foram resultados directos de parciais cegueiras de um mal propalado realismo social “tropical”, surgido depois de conflitos com origem ideológica. Nós não queremos nem temos já necessidade de passar por isso. Faz parte da responsabilidade social do Estado agir imediatamente para que sobre o 27 de Maio não se faça mais drama de nenhuma espécie, nem qualquer aproveitamento político.Que se restitua às famílias, de igual modo, a dignidade dos seus entes queridos, independentemente do que tenha acontecido com eles. Na construção do nosso país, no nosso processo de maturação, quem não cometeu erros?
*Eco do Kwanza publicado em Maio de 2006

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