Erosão, um fenómeno natural e previsível, mas que surpreende sempre.
Luiz Chinguar
Setembro 2011
«A destruição do solo, isto é, a perda da substância apropriada à vegetação, deve acelerar-se à medida que a terra é mais cultivada e os habitantes mais industriosos consomem uma quantidade muito maior os seus produtos de toda a espécie.»
Jean Jacques Rosseau-Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens-1755.
«A Natureza sabe ser generosa quando se faz alguma coisa por ela.» Hidrólogo francês a respeito da excelente resposta da Natureza aos benefícios ambientais feitos nas margens das auto-estradas francesas.
1. - História
Água, ar e solo é a tríade sobre a qual assenta a vida na Terra. A degradação de qualquer destes componentes traz sérias implicações a todas as formas de vida. Mas sempre houve, e haverá, uma degradação natural intrínseca das transformações da biosfera. A poluição da água, devida às grandes enchentes, a poluição do ar devida aos incêndios naturais e vulcões e a perda lenta do solo foram sempre fenómenos naturais ligados à vida da Terra.
Só a partir da étapa industrial-século 18- que originou as fábricas, as grandes cidades, a mecanização da agricultura e as terraplenagens, é que os processos de contaminação, poluição e erosão se aceleraram e tomaram proporções tais que originaram a ruptura brusca do equilíbrio, até então existente.
As primeiras preocupações generalizadas incidiram sobre a água e o ar por serem componentes de utilização direta.
O solo, por ser de utilização indireta e restrita, não mereceu, de imediato, as devidas atenções , embora já houvesse gente perspicaz antecipando um problema futuro. A degradação do solo começou, verdadeiramente, a merecer as primeiras atenções no célebre mês de maio de 1934. J.Dorst, no seu livro “Antes que a natureza morra”(São Paulo, Blucher,1973) faz a seguinte descrição:
«Em 1931, no momento da famosa depressão económica americana, surgiu uma terrível seca que se prolongou nos anos seguintes. O solo ressecado totalmente degradado, privado de toda e qualquer proteção vegetal, converteu-se em poeira finíssima arrastada pelos tufões. O dia 12 de maio de 1934, especificamente, permanecerá nos anais da utilização das terras como um dia de luto, pois as grandes planícies foram vítimas de um cataclismo, sem precedentes na história americana. Com efeito, os ventos arrancaram violentamente as terras reduzidas a poeira de uma vasta zona estendendo-se sobre o Kansas, o Texas, o Oklahoma e a parte ocidental do Colorado, arrastando-se para leste em nuvens negras e fazendo-as atravessar dois terços do continente americano. Uma parte dessa poeira caiu sobre o leste dos Estados Unidos, escurecendo o ceu de Washington e de Nova York; uma outra parte foi transportada até ao Atlântico. A região, de onde toda essa terra foi retirada, chamada desde então “Bacia do Pó”(Dust Bowl), foi vítima de uma erosão eólica cujos estragos se repetiram por várias vezes durante esse mesmo período.»
A origem deste desastre ecológico foi imputada somente à ação do homem que contrariou as mais elementares leis naturais. A cobertura vegetal, sobretudo as gramíneas (capins),foi eliminada nas grandes planícies dos Estados Unidos e substituída por campos de cereais, cujo poder protetor, em relação ao solo, é bastante reduzido.
A mecanização agrícola, que apareceu após a guerra na Europa (1914-1918), foi a grande responsável pela eliminação da vegetação natural em milhares de hectares. A mecanização teve origem no aproveitamento dos primeiros tanques de guerra aparecidos em 1917. Pode afirmar-se que foi ela que deu um colossal impulso à agricultura; esta nasceu de sucata bélica.
As grandes planícies nos Estados Unidos, com chuvas escassas, sujeitas a grandes tufões, ficaram altamente vulneráveis à erosão eólica, depois da eliminação mecanizada e fulminante como nunca tinha acontecido, de toda a cobertura vegetal.
Devido a este desastre foi criado nos Estados Unidos o serviço de conservação do solo (Soil Conservation Service) que serviu e serve de modelo, embora infelizmente não copiado pela maioria dos países no mundo.
Fig 1 Imagem aterradora do Dust Bowl no centro dos E.U.A. em 1934.
De lamentar que ainda hoje prevalece a perniciosa teoria de que as florestas devem ser convertidas, indiscriminadamente, em pastos ou culturas “«...porque é preciso alimentar o mundo.» Um desmatamento é sinal de progresso. Terras desmatadas significam que a terra está “aproveitada”, a floresta é um obstáculo ao progresso. Isto está a ser ampliado com a ideia sobre os abusivamente denominados biocombustíveis. Bio significa vida e eles onde entram é para destruir a vida natural que lá existe!
As restrições ou até proibições ao mau uso do solo não são bem aceitas, às vezes até ridicularizadas. O que interessa é agradar ao povo, deixando proliferar os meios anárquicos, e predatórios, de ocupação e mau uso do solo através de uma agricultura oportunista, que apodamos de mineradora, de um pastoreio indiscriminado, de loteamentos ou urbanizações irracionais, de minerações mais do que discutíveis, de pedreiras mal dirigidas, de terraplenagens irracionais e de extracção de areias dentro do leito de rios, perniciosas,quando não fatais, porque alteram a mecânica fluvial. E, sobretudo, o atropelo às leis que protegem o ambiente, à invasão criminosa, ao arrepio das autoridades, de áreas convertidas, após lutas insanas de defesa, em zonas protegidas.
À exceção de muito poucos países, onde a preocupação pela salvaguarda dos três componentes vitais-água, ar e solo-é uma constante diária, nota-se, por todo o mundo, uma violenta deterioração dos solos, com perda de recursos essenciais para a agricultura. Esta deterioração inclui a erosão do solo, a compactação e consequente impermeabilização, o aumento da salinização de terras irrigadas, a perda de bons solos em favor do desenvolvimento urbano, danos nas colheitas devidas à poluição do ar e água e a consequente extinção de espécies vegetais e animais.
A degradação dos solos está ocorrendo rapidamente, em muitos países, com o aumento das condições propícias para desertificação nas regiões áridas e perda da fertilidadde, ou até da aptidão para a agricultura, nas regiões mais humidas.
A falácia dos biocombustíveis, infelizmente, é um catalisador no já grave problema de erosão, degradação e contaminaçãos dos solos com os “cidas”(herbicida, insecticida, pesticida etc). Não somos radicais quanto aos insecticidas, especialmente com o DDT que, indiscutivelmente, baixou a taxa de mortalidade da malária; somos, sim, pelo seu uso indiscriminado e despropositado para salvaguardar as agriculturas mineradoras nas quais incluímos, como é óbvio os abusivamente intitulados biocombustíveis; o nome correto será agro-combustíveis.
A engenharia civil, por onde passa, deixa feridas na paisagem. Nas terraplenagens nunca houve a preocupação de repor a cobertura vegetal natural. É frequente, especialmente ao longo das estradas, depararmos com antigos locais de empréstimos de aterros, totalmente erodidos e sem drenagem, com inestéticos taludes de cortes onde se não vislumbra o mínimo interesse em seu revestimento vegetal.
Fig 2 Imagem após a grande tempestade de pó (Dust Bowl) em 1934. Esta tragédia, que obrigou à migração do grande parte dos agricultores do centro oeste dos Estados Unidos, foi o assunto em torno do qual se desenvolveram dramas familiares magistralmente descritos por John Steinbeck no romance “As Vinhas da Ira”,( Henry Fonda) transportado para o cinema por John Ford. O solo ficou imprestável para a agricultura durante muitos anos; teve que se fazer laboriosas recomposições do solo arável. Foram trabalhos brilhantes do SCS (Soil Conservation Service) sob orientação do agrónomo Hugh Hammond Bennet o “pai” da conservação do solo.
Só quando os taludes começam a desfazer-se é que aparece uma intervenção dos orgãos responsáveis, com custos que poderiam ter sido minimizados a tempo.
A terra vegetal, proveniente das “limpezas” iniciais, chamada anedoticamente de “expurgo”,é na maioria das vezes levada a depósito, ou seja, é abandonada em locais de onde não surgem reclamações. O mesmo se passa na triste paisagem que testemunha uma antiga pedreira, geralmente com águas estagnadas, onde não raro morrem crianças afogadas. É tempo de se disciplinarem todas as operações que levem à descaracterização da paisagem. Um simples abate de uma árvore é um atentado ambiental. E que dizer sobre os incêndios?
2. - Erosão
A erosão, sendo um fenómeno natural, é a principal causa da modelagem da Terra. A existência de solos férteis de aluvião é devida aos fenómenos erosivos qu se processaram ao longo de milhões de anos. Segundo Gottschalk «erosão é o desgaste da Terra».
Um modelo simplificado de erosão compreende a desagregação, o transporte e a deposição do solo que podem ser executadas por diversos agentes.
Fig 3 Localização da Bacia do Pó (Dust Bowl) no centro oeste norte americano, abrangendo os estados de , Wyoming,Dakota do Sul, Nebrasca, Colorado, Kansas,Oklahoma,Texas, Novo Mexico e parte norte do México..
Quando o modelo se processa ao longo de um tempo apreciável, às vezes fora da escala humana, estabelece-se um estado de equilíbrio, e a erosão não traz danos ao meio ambiente,pelo contário, até contribue para a vida e reprodução de animais e plantas. É a erosão geológica, normal ou lenta. A turbidez dos rios, causada pela erosão normal, proporciona alimento para os peixes, e consequentemente para toda a cadeia alimentar fluvial, além de aumentar a fertilidade dos solos a jusante. Todas as grandes civilizações do passado-Egito, India e China principalmente-basearam as suas economias nas planícies aluviais compostas de sedimentos muito férteis. A Terra, desde a sua génese, tem experimentado sempre este tipo de erosão e a sua modelagem atual a ele deve ser imputada.
Fig 4 Modelo geomorfológico Erosão - Deposição
Quando o modelo se processa em tempo muito curto há uma ruptura brusca do equilíbrio , com arrastamento exagerado de materiais, e suas consequências são desastrosas para o meio ambiente. A erosão anormal ou acelerada é unicamente provocada pelo homem. Por isso é ,também, designada por erosão antropogénica ou erosão antrópica.
2.1 - Agentes da erosão
A erosão é provocada pelos seguintes agentes:
Vento-dá origem à erosão eólica.
Água- origina a erosão hídrica, a mais comum e de maiores efeitos.
Gravidade-responsável pelo movimento de solos e rochas, altamente mortífera. Exemplo:os deslizamentos de encostas nas grandes cidades.
Gelo-existente só em climas muito frios, provoca enormes desmoronamentos e esmagamentos, devido às diferenças de temperaturas ou grandes perturbações nas massas polares em equilíbrio instável.
2.1.1- Vento
É o agente principal nas regiões áridas ou semi-áridas. Nestas, em topografia plana, com solos de pouca coesão, a ação do vento é demolidora, como já citámos o desastre Dust Bowl originado pelo vento. Conforme o diâmetro das partículas de solo os sedimentos podem percorrer centenas de quilómetros antes de depositarem.
Para haver erosão eólica é condição primordial estarem os solos bem secos; isto dá-se em regiões onde a chuva anual é inferior a 300 mm. Os efeitos em grande escala só podem ocorrer quando há ventos constantes e fortes em vários níveis e sobre extensas áreas planas.
Um caso interessante é o loess uma palavra que deriva do alemão loss (solto). Trata-se de uma partícula de solo muito fino constituído por argila e silte em percentagem maior do que 50%. Ocorre principalmente no norte da China e dos E.U.A. onde se processam violentas tempestades de areia que arrastam o solo até centenas de quilómetros. O rio Amarelo na China deve o seu nome à deposição dos sedimentos (loess amarelo), ao longo de milhares de anos, arrastados pelos ventos e depois pela erosão hídrica.
As regiões do mundo, sujeitas à erosão eólica, são o centro dos Estados Unidos (onde se desenvolveu o Dust Bowl) o norte de África, o interior da Rússia, a China, a península Arábica, o Irão, o sul de Angola e toda a Namíbia, o centro da África do Sul e a parte central da Austrália.
Fig 5 Erosão eólica no mundo
2.1.2- Água -Erosão hídrica
Pode ser :
Pluvial- quando provocada pelas chuvas.
Fluvial- quando se processa nas linhas de água- rios, ribeiros e córregos.
Lacustre- quando se verifica em lagos ou albufeiras
Marinha - originada pela água do mar e seus infinitos fenómenos.
Estas erosões podem aparecer combinadas: por exemplo uma chuva intensa pode provocar um enxurrada, com arrastamento de encostas inteiras; estas, ao entraram nos rios, associam-se à erosão fluvial provocada pela velocidade do rio.
2.1.3- Gravidade
Quando o peso do material excede as forças de resistência, representadas pelo atrito entre o solo e as rochas, ocorre a erosão por gravidade. As forças de resistência do solo ficam muito fracas quando há um aumento de infiltração provocado pela destruição da cobertura vegetal ou quando se efetuam cortes em terraplenagens que não levam em conta a estabilidade dos taludes.
A erosão por gravidade inclue os deslizamentos de encostas e o afundamento de áreas planas, às vezes fora da época das chuvas.
A queda de terras situadas nas margens dos rios é, também, um tipo de erosão por gravidade, conhecida popularmente por “desbarrancamento”. Este fenómeno é novo em Angola devido ao garimpo desenfreado de diamantes nos rios que principiou após a independência em 1975.
O deslizamento de encostas, infelizmente, vai-se tornando comum, à medida que se fazem urbanizações, às vezes sem estudos adequados, ou invasões “morro acima” sem quaisquer critérios técnicos e muito menos com preocupações de segurança.
2.1.4 – Degelo
O congelamento da água, com fraturas e fendas, provoca a desintegração das rochas.As grandes massas de gelo (glaciares) podem triturar os materiais transformando-os em pequenos blocos que são arrastados pela águas do degelo. Além da própria erosão local estes materiais irão provocar mais erosões a jusante. Um fenómeno de grandes proporções é o dos glaciares que, na sua essência, são grandes “rios”de gelo que se deslocam lentamente libertando quantidades brutais de energia. É um lento trabalho de atrito. Os glaciares entram, muito lentamente, no mar, onde se precipitam, espetacularmente. Agora é comum ver-se isso na TV, aproveitado pelos catastrofistas do aquecimento global, que atribuem este fenómeno natural como sendo uma sua consequência.
1.5 Erosão hídrica pluvial
É o escopo deste artigo, daqui para diante denominada simplesmente por erosão. A chuva é o agente da erosão e o seu trabalho compreende a desagregação, o transporte e a deposição dos materiais carreados ou sedimentos.
A desagregação é feita pelo bombardeio do solo através das gotas de chuva; pode ser por salpicos, ou por impacto ou embate. A erosão por impacto é a de maior poder destruidor e, por isso, é a principal forma de desgaste do solo. Ém áreas muito planas há uma atenuação do impacto devida ao fato de se acumular água que, ao tomar uma certa espessura, acaba por cobrir o solo e serve de colchão para o amortecimento da força das gotas. A erosão por impacto é mais severa em vertentes muito inclinadas e desprovidas de vegetação, justamente as condições mais frequentes na construção de estradas, nas minerações, nos loteamentos, nas invasões urbanas anárquicas e, sobretudo, em práticas agrícolas sem preocupações ambientais (agricultura mineradora).
Uma vegetação densa anula toda a energia cinética (velocidade) das gotas, motivo por que é de fundamental importancia não se abandonar um solo desnudado (sem vegetação). Quanto mais baixa for a densidade da vegetação maior é a erosão, mas esta lei pode ser controlada por um rigoroso controle do solo. Nas regiões equatoriais, onde as chuvas são intensas e frequentes, registam-se baixas taxas de erosão em virtude da cobertura vegetal possuir uma alta densidade e um rápido poder de recuperação.
A destruição da massa verde equatorial, através do fogo ou meios químicos que inibem a sua rápida recomposição, está acelerando um novo processo de erosão em terras que, naturalmente, nunca viriam a sofrer tal fenómeno. Como já referimos atrás, a ilusão dos biocombustíveis está provocando fenómenos erosivos até nas regiões equatoriais. A agricultura para biocombustíveis é, francamente, mineradora, não é dirigida por agricultores mas por por gestores que tratam o solo como um meio provisório para atingir lucros. Logo que há perda de fertilidade “levanta-se o acampamento”.
As regiões no mundo mais sujeitas à erosão por impacto são aquelas onde as chuvas anuais se situam entre 400 a 1 000 mm. Em regiões de poucas chuvas (abaixo de 400 mm), e irregulares, não há condições para a erosão pluvial porque o solo se encontra ressecado e absorve, de imediato, a água precipitada. Regra geral estas regiões, quando o solo é plano, estão sujeitas à erosão eólica.
Já as regiões, cuja precipitação anual está entre 400 a 1000 mm são as mais vulneráveis à erosão. As chuvas não são suficientemente abundantes e frequentes para a ocorrência de grandes e densas massas florestais, como no Equador, mas o volume das chuvas é suficiente para ultrapassar o grau de ressecamento do solo e originar escoamentos apreciáveis.
As áreas no mundo mais sujeitas à erosão hídrica pluvial, mesmo com vegetação natural, são: o México, o sul da península ibérica, norte da África, os países africanos situados nos trópicos e no sul do continente, a Índia e o centro oeste da Austrália.
As regiões no mundo, sujeitas à erosão hídrica, após retirada da cobertura vegetal, são: América Central, Venezuela,Colômbia, Equador, Perú, Brasil, Uruguai, parte da Argentina, os países equatoriais da África, o sudeste asiático , incluindo a Indonésia, a parte norte da Austrália.
Fig 6 Erosão pluvial no mundo
A verificação de que o impacto é o fator fundamental, nos processos erosivos da água, é muito recente. Na antiguidade fracassaram todas as tentativas de defesa contra a erosão porque não se tinha conhecimento de tal fato. Podemos admitir que foram estes fracassos que contribuíram para o colapso de antigas civilizações que tinham a sua base na agricultura.
Quando a intensidade da chuva excede a capacidade de infiltração do solo, a água acumula-se na sua superfície e depois escoa vertente abaixo, com alturas muito irregulares, dando origem à erosão por lençol ou erosão laminar que termina logo que a inclinação do terreno diminui, ou seja quando desagua numa linha de água.
Fig 7 “Montanhas da Lua” um sugestivo nome relativo a erosões geológicas localizadas ao sul de Luanda, à direita da estrada litorânea que segue para o Lobito. Ao longo de milhares de anos o solo, muito friável, foi sendo arrastado pelas chuvas intensas. À medida que diminui a inclinação da falésia o solo tende a estabilizar-se podendo chegar a uma situação de equilibrio como se vê na parte superior da fotografia (à esquerda) onde já é visível a vegetação natural. A falésia tende a recuar, sempre, mas muito lentamente. Nesta erosão não houve intervenção humana.
No momento em que os filetes de água de reunem, abrindo caminhos preferenciais, a erosão laminar dá origem à erosão por sulcos. Estes, ao longo do tempo, vão-se aprofundando e alargando de tal maneira que atingem dimensões incontroláveis, originando as barrocas, ravinas ou voçorocas.
A erosão por sulcos pode ser corrigida com máquinas agrícolas: a profundidade ainda é sustentável (até 30 cm). Quando os sulcos se aprofundam, com a perda de milhares de m3 de solo, já não se consegue repor as condições anteriores, há que lidar com inesperadas situações.
Se as erosões laminar e por sulcos forem eliminadas, e as águas disciplinadas, também o voçorocamento ou ravinamento desaparecerá. Como se consegue frear estas erosões? É óbvio, através de densa cobertura vegetal, de disciplina de águas e do uso racional do solo.
Quando a inclinação diminui, com a consequente diminuição da velocidade, verifica-se a deposição do material carreado (deposição). Quanto maior o diâmetro das partículas (sedimentos) mais rapidamente elas se depositam. Quanto menor a velocidade mais depressa elas depositam.
Em hidrologia existe o seguinte dogma: “tudo o que aumenta a velocidade da água é mau, tudo o que diminui a velocidade da água é bom”. Os fatores da erosão são:
A chuva ( óbvio, condição sine qua non para a erosão hídrica), o solo, a topografia, o uso do solo e a sua cobertura vegetal.
A intensidade da chuva é a condição primordial para que se verifique uma erosão por impacto. Mede-se em milímetros por hora- mm/h (é o mesmo que litros por metro quadrado L/m2 ). È considerada chuva erosiva quando a intensidade ultrapassa 25 mm/h. À medida que a intensidade da chuva aumenta cresce também a energia das gotas. O diâmetro de uma gota pode ir de 0.1 mm (nevoeiro) até 6 mm ( temporal).
Fig 8 Sulco em vias de se transformar em ravina. Neste caso só a primeira metade (superior) é susceptível de recomposição; na metade inferior terá que se abrir, devidamente controlado, um canal de escoamento, e terá que se implantar uma rígida disciplina de águas pluviais, através de culturas em curvas de nível.
Acima de 76 mm/h o valor da energia das gotas mantêm-se constante porque a formação do lençol de água é tão rápida que o impacto das gotas é dissipado na própria água que se acumula. Mas, neste caso, forma-se um escoamento rápido e violento que arrasta até objectos pesados. O valor da energia da chuva no impacto denomina-se erosividade.
A menor ou maior facilidade que um solo apresenta ao ataque da água, seja por impacto ou por arrastamento, denomina-se erodibilidade. Quanto mais fino for um solo maior será a sua erodibilidade. Um solo friável (que se desfaz facilmente) possui uma percentagem de areia fina e silte sempre superior a 50%. Solos muito finos, como se disse atrás, até são arrastados pelo vento.
A inclinação e comprimento das áreas ocupadas também influem na maior ou menor taxa de erosão. É o fator topográfico. Em agricultura é de bom alvitre, mesmo em regiões pouco afeitas à erosão, que não se efetuem práticas agrícolas normais em áreas com uma inclinação maior do que 3%. Quando o terreno é inclinado devem-se adotar práticas agrícolas especiais, como sejam mecanização segundo curvas de nível, terraços, cordões de vegetação natural, disciplina de águas, coberturas vegetais adequadas e resistentes ao arrastamento etc.
Um outro fator que interfere na taxa de erosão é a cobertura vegetal. Solos bem guarnecidos de cobertura vegetal oferecem maior resistência ao impacto das gotas de água e ao seu consequente arrastamento. È lamentável que se depare, em qualquer estrada por onde se circule, imensas feridas na paisagem natural, produtos da intervenção humana; modernamente é inadmissível porque os fenómenos erosivos já são amplamente conhecidos. Um corte ou um aterro devem merecer, de imediato, uma boa cobertura vegetal de modo a manter a paisagem verde e o solo protegido.
Finalmente o ultimo fator é o da ocupação humana: práticas agrícolas, urbanização, estradas aeroportos e obras hidráulicas. As primeiras são as mais importantes, não só pelas extensas áreas que ocupam como, também, são as mais descuidadas e mais renitentes em obedecer às medidas mais racionais de proteção. Infelizmente só são adotadas boas práticas agrícolas depois de uma amarga experiência.
As práticas agrícolas devem obedecer a determinados regras, estabelecidas para a região de acordo com todos os outros fatores- chuvas, erodibilidade, inclinação e cobertura vegetal adequada e atempada.
Erosão pluvial em Angola
A maior parte do país está inserida na zona tropical húmida, ou África Pluviosa, susceptível à erosão hídrica pluvial. O país apresenta um padrão equilibrado de chuvas abundantes.
As chuvas, de certo modo, acompanham o relevo. Como já afirmámos, em ensaios anteriores, a geomorfologia angolana tem a configuração de um prato de sopa virado ao contrário; uma área de 820 000 km2 , ocupando 65% do território, com altitudes entre 1500 m a 1000 m, uma área de 96 300 km2 ocupando 7,8% com altitudes acima de 1 500 m, até 2 620 m , uma área de 204 110 km2 ocupando 17%, uma área subplanaltica com 65 540 km2 ocupando 5,3% e, finalmente a orla marítima com 60 750 km2 correpondendo a 4,9 % do território.
É muito favorável o regime de chuvas em Angola, embora o litoral esteja sob influência da Corrente Marítima de Benguela que, vinda do Antartico, portanto fria, condiciona a precipitação na orla marítima. Chove pouco e irregularmente, embora nunca sujeito a secas. Mas, mesmo assim, também se registam chuvas intensas que encontram solos erodíveis: um exemplo é a paisagem próximo de Luanda conhecida como “Montanhas da Lua”.
No interior, nos planaltos chove abundantemente, e com regularidade, influência da proximidade do Equador, embora, para sul já se faça sentir a influência dos desertos do Calaári e do Namibe, mas, ainda, sem inibição dramática de chuvas.
Em todo o território de Angola as chuvas são fortemente erosivas; são vulgares as que apresentam intensidades maiores do que 25 mm/h. Podem ocorrer, anualmente, chuvas com intensidades superiores a 75 mm/h. As chuvas erosivas em Luanda provocam sempre estragos, infelizmente com perda de vidas, devido à elevadíssima taxa de ocupação urbana caótica.
O fator solo é outra agravante. A maioria dos solos do país têm uma forte percentagem de areia fina e silte. Há uma teoria geológica que argumenta que grande parte dos solos dos planaltos de Angola provieram da erosão eólica dos desertos a sul, especialmente do sistema Karroo.
O embasamento geológico de Angola é quase todo granítico, uma rocha mãe que produz areia siliciosa originando solos com pouca coesão e fraca fertilidade. “Deus tira com uma mão mas dá com a outra”: estas areias quartzosas estão se valorizando nos tempos atuais. São um bom suporte para o fabrico de betões de alta resistência e são uma inestimável matéria prima para o fabrico de vidros e material eletrónico. Há países, com muito loess, que, disfarçadamente, dão valor à areia de Angola.
A ocorrência de erosão é tanto maior quanto menor for a cobertura vegetal. Em Angola pode ocorrer perda de solo, devida à chuva, mesmo em solos com cobertura vegetal. Esta facto é notório em muitas regiões do país: estamos a lembrarmo-nos de Massango (ex-Forte República) onde são visíveis, até com uma certa beleza, erosões geológicas que, infelizmente, se vão acelerando sob a influência humana.
Como se forma uma ravina? Apresentaremos um exemplo baseado em uma experiência dos idos anos sessenta. Em meados daquela década foi construída uma vala de rega, na margem esquerda do rio Luena; no seu final, onde se pressupunha que ela já não teria água, não foi construída qualquer estrutura de dissipação, ou seja teria que se ter feito um manilhamento da vala de modo a conduzir-se o resto da água, devidamente “domesticada”, de novo para o rio. As águas livres, agravadas pelas chuvas, tomaram um caminho de gentio (pé posto) e, devido à inclinação do terreno, em pouco tempo abriram um sulco, logo transformado em ravina que se tem alargado ao longo dos anos.
Fig 9 Ravinas em vias de cortarem a estrada. O ramo-tronco já atingiu o perfil de equlíbrio e, portanto, está com vegetação. No fundo é visível a água, o que significa que atingiu o nível freático, esgotando-o, lentamente, deste modo.
Fig 10 Uma ravina recuperada com obras de correção torrencial: construção, em escada, de pequenas barragens de gabião. É visível a notável recuperação da voçoroca, até com um certo ar de beleza; a vegetação natural respondeu em dobro!
Os anos de guerras civis, após a independência, além de muitos outros males, originaram um violento ataque à flora. Especialmente ao redor das cidades, sujeitas a um brutal aumento da taxa de ocupação, registou-se uma devastação das florestas e até dos arbustos. As fotografias atuais do país, especialmente nas zonas urbanas, mostram-nos uma paisagem calva e desoladora.
O problema da erosão em Angola, muito agravado devido à pressão demográfica sobre a cobertura vegetal, é sério e tem tendência a aumentar; ele não se resolve com concursos públicos, com projetos executados em gabinetes a milhares de quilómetros, em computador, com empreitadas e empreiteiros e, muito menos com betão e gestores. A erosão é para ser prevista, evitada, contida, mitigada e até resolvida ao longo do tempo e nos locais; implicitamente concluimos que tem que haver um orgão governamental sempre presente e atuante nos multiplos problemas que foram surgindo. Foi assim com o Soil Conservation Service (SCS) dos Estados Unidos: fundado em 1932 este orgão é o que melhores resultados apresentou, podemos afirmar que ele deu origem à nova ciência de conservação do solo. Nos Estados Unidos é estritamente governamental, não tem parcerias publico-privadas.
O “pai” da conservação do solo em Angola é o madeirense engenheiro Augusto Sardinha; nasceu em 1912 e foi para Angola em 1939. Em 1947 a cidade de Silva Porto (Cuito) sofreu um fortíssimo temporal que originou uma enorme ravina que cortou a estrada de acesso à gare da ferrovia. A voçoroca foi preenchida porque assim era fundamental para a cidade.Foi um trabalho homérico! A ravina foi totalmente consolidada, um projeto do eng.Sardinha, espantoso para a época em que pouco se sabia sobre erosão e de parcos recursos.Tinha-se saído de um devastadora guerra mundial, onde tudo faltava. O transporte de terras fez-se com vagonetas tipo Décauville.
O engenheiro Sardinha projetou e dirigiu muitas obras de correção torrencial, em outras regiões de Angola, especialmente em Nova Lisboa (Huambo); foi um inovador na estabilização de dunas na Baía dos Tigres e em Porto Alexandre (Tômbua). Estes trabalhos foram elogiados em várias revistas da especialidade e mereceram, até, a visita de técnicos estrangeiros. Além de combate à erosão o engenheiro Sardinha projetou e implantou muitos polígonos florestais em Angola de grande impacto social (provimento de lenhas), ambiental (cortinas contra o vento e secagem de pântanos em redor das cidades) e tecnológico (indústrias de madeira e celulose).
Se Angola quiser retomar as obras de defesa dos solos terá que se ter em conta que a - ampla participação das populações locais é fundamental. O recurso a empreiteiros é inócuo, porque são obras que exijem vigilância constante e atuação rápida. Só as populações locais o podem fazer, através de obras de administração direta. São empreendimentos que não obedecem a prazos e cujas verbas têm que ser bem gerenciadas. As populações têm que sentir que as obras se destinam aos seus filhos e netos.
Fig 11 Uma ravina recuperada com obras de correção torrencial: construção, em escada, de pequenas barragens de gabião. É visível a notável recuperação da voçoroca, até com um certo ar de beleza; a vegetação natural respondeu em dobro!
A defesa e conservação de solo é uma ciência nova que começou a ser desenvolvida depois do desastre ambiental de 1934, nos Estados Unidos da América, conhecido como “Dust Bowl” (bacia da poeira)
Fig 12 Restituição do excesso de água de um canal para o respetivo rio.
O “abandono” da água de uma vala provoca erosões graves, como sucedeu em Luena, conforme descrevemos atrás.
Fig13 Um sugestivo exemplo de conservação do solo. A voçoroca está estabilizada e
as águas foram disciplinadas através de defesas e” curvas de nível”.
Angola, inserida na zona tropical de chuvas intensas e solos frágeis, está sujeita a perder solo arável logo que se façam grandes atividades agrícolas ou de engenharia, sem que se leve em conta a temida susceptibilidade à erosão.
Somos muito cepticos quanto aos agronegócios dos combustíveis: eles estão acelerando o custo dos alimentos, estão provocando a destruição de florestas naturais e são um grande negócio (para grandes empresas somente!). Os países com grandes extensões territoriais, fraca densidade demográfica e abundância de água são os mais procurados para esta agricultura mineradora.
Os intencionalmente denominados “bio combustíveis” são apenas negócios dirigidos por gestores. Não é preciso acrescentar mais nada! Pobres solos e pobre Natureza! A agricultura merece melhor sorte e, sobretudo, mais respeito!
Fig 14 Agricultura extensiva de acordo com as tecnicas da conservação do solo. Cultura em “curvas de nível” contínuas e contíguas. As águas são encaminhadas, com pouca velocidade, para as respetivas linhas de água. É uma agricultura que envolve grandes investimentos, ou seja, os solos terão de corresponder com boas taxas de rendimento. Infere-se que é uma agricultura onde o dono sente orgulho e tenciona passá-la aos seus descendentes.É uma agricultura sustentável, não é mineradora.